São Paulo, quinta-feira, 01 de abril de 2004

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JANIO DE FREITAS

Os aliados

O inconveniente maior da atitude do subprocurador-geral José Roberto Santoro, que agora aparece em fita falando dos seus propósitos de prejudicar ou derrubar o governo, é engrossar as pretensões de restringir poderes e meios do Ministério Público e, em especial, da Procuradoria Geral da República. O que José Dirceu, defensor das restrições, chamou de "pôr os pingos nos is" dos procuradores. O que o país precisa é, porém, exatamente o contrário: a Procuradoria mais forte e com poderes investigatórios consolidados.
A melhor prova, nesse sentido, está no fato mesmo de que até um subprocurador-geral é surpreendido na prática do mais novo hábito das ilegalidades brasileiras: o uso de gravação clandestina com fins ilícitos.
José Roberto Santoro não é estreante em casos escandalosos que deveriam apresentar um procurador da República em condições menos contestáveis. Sua notoriedade começa quando teve nome e atividades ligadas a José Serra, no Ministério da Saúde. Pouco depois estava envolvido na liquidação da candidatura presidencial de Roseana Sarney, o que abriu caminho ao entendimento do PSDB com o PFL para a candidatura de Serra. Não se conhecem provas, mas não são poucos os que consideram haver indícios suficientes para atribuir ao subprocurador José Roberto Santoro a operação da Polícia Federal que apreendeu dinheiro e documentos na empresa Lunus, de Jorge Murad, marido de Roseana Sarney.
Esse episódio desdobrou-se em outro, no âmbito ainda da ação em nome da Procuradoria, que realçou também a participação de José Roberto Santoro. Foi a transferência, para Goiás, da papelada apreendida no Maranhão, criando-se um caso exótico com a Justiça, que precisou proibir a abertura e determinar seu recolhimento ao destino apropriado. Entre as impropriedades questionadas estava a participação de José Roberto Santoro.
A conversa agora revelada de José Roberto Santoro, com seu declarado propósito meramente político, é a procura de convencer o tal Carlos Cachoeira a entregar a fita comprometedora de Waldomiro Diniz. Ao ser divulgada essa fita, o senador Antero Paes e Barros, do PSDB, disse que entregara a cópia recebida, com procedência não declarada, à Procuradoria da República para as providências adequadas. Sua explicação foi aceita. Até terça-feira. Desde então, a nova conversa gravada leva a uma outra hipótese, bem aceita: o senador do PSDB, em vez de mandar a fita, recebeu-a de um procurador, que a teria recebido de Carlos Cachoeira. Quem poderia ser?
Derrubada do governo e outras afirmações constantes da conversa de Santoro e Cachoeira são, é claro, exageros de presunção. Mas o propósito da perturbação política é real e confesso. Logo, o que a gravação expõe e explica é uma articulação de parte do PSDB com um procurador da República para produzir uma fermentação de fins políticos e partidários. O que parece dar sentido ao aparente despropósito do jantar que Fernando Henrique Cardoso ofereceu a dirigente do PSDB e, depois, cuidou de propagar que o fizera para recomendar contenção no ataque ao governo. O famoso "não me comprometam".


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