São Paulo, quinta-feira, 01 de abril de 2004

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IMAGEM OFICIAL

Publicidade do governo federal na televisão utilizou imagens enganosas

Para especialistas, houve falta de ética em propagandas

VIRGILIO ABRANCHES
DA REDAÇÃO

As propagandas do governo federal na TV que utilizaram imagens enganosas foram feitas de uma maneira eticamente inaceitável. Essa é a opinião de especialistas sobre o assunto ouvidos ontem pela Folha.
"O caso é gravíssimo. Não dá margem para nenhum tipo de tergiversação. Eticamente é intolerável", diz Clóvis de Barros Filho, professor de Filosofia da Comunicação da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) de São Paulo e de Ética da Escola de Comunicações e Artes da USP (Universidade de São Paulo).
Na segunda-feira, reportagem da Folha revelou que uma peça publicitária que divulgava ações do governo utilizou imagens enganosas. Enquanto anunciava números do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), a propaganda mostrava imagens de uma propriedade em Cotia (SP), de 1 milhão de metros quadrados, que nunca recebeu verba do governo.
Ontem a Folha revelou que outra propaganda oficial apresentava problemas. O comercial, que divulgava ações do Bolsa-Família -programa de transferência de renda do governo-, também utilizava imagens enganosas, além de anunciar dados incorretos. As duas peças, que tiveram a coordenação de produção feita pelo marqueteiro Duda Mendonça, foram tiradas do ar.
"Uma imagem usada para ilustrar um texto suscita expectativas de correspondência entre o que está sendo dito e a mensagem que está sendo exibida. Ainda que o texto contenha informações verdadeiras, se se exibe mensagens incompatíveis, se está induzindo ao erro", diz Barros Filho.
Já o professor Leandro Batista, do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da USP, vai ainda mais longe. Segundo ele, além da condenação ética, o caso também pode ser objeto de uma análise ideológica: "Se formos analisar ideologicamente, do ponto de vista de um partido [PT] que pregava só dizer a verdade, é um agravante".

"Lástima"
"Esse episódio é uma lástima. A população utiliza esses anúncios para avaliar o governo", afirma o cientista político Marcus Figueiredo, coordenador do Laboratório de Pesquisas em Comunicação e Política do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro). "Se a propaganda é uma fraude, o governo induz o eleitor a fazer uma avaliação falsa", completa.
Barros Filho reforça que o fato de, em uma das propagandas, apenas as imagens serem enganosas (o governo sustenta que os dados são verídicos) não diminui o problema ético. "É inaceitável separar o texto da imagem como se fossem unidades de real sem nenhuma relação. Eticamente, não pode ser sustentável, em nenhuma situação, esse tipo de recurso", diz o titular da USP e da ESPM.
Os professores também afirmam que o governo é co-responsável pela propaganda enganosa. "O próprio código do Conar [Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária] prevê que o anunciante e a agência têm a mesma responsabilidade", afirma Leandro Batista.
Tanto para Figueiredo, do Iuperj, como para Barros Filho, as propagandas enganosas afetam a credibilidade das ações do governo. "Põe em dúvida tudo o que já foi feito", afirma Figueiredo. "Uma vez traída a confiança, não se tem mais por que acreditar em nenhuma outra mensagem que o governo apresente. Porque quem frauda na imagem pode fraudar também no texto", sustenta Barros Filho.


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