São Paulo, quinta-feira, 01 de abril de 2004

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Documento revela ata de reunião do presidente Lyndon Johnson com seus assessores de segurança sobre o golpe no Brasil

EUA enviariam armas em 16 horas ao país

FABIANO MAISONNAVE
DA REDAÇÃO

Documento divulgado ontem pela ONG The National Security Archive revela que o então presidente dos EUA, Lyndon Johnson, reuniu há exatos 40 anos seus principais assessores de segurança para discutir os desdobramentos do golpe militar iniciado no dia anterior no Brasil e avaliar a necessidade de uma intervenção norte-americana no país.
Entre as medidas relatadas ao presidente pelo secretário da Defesa, Robert McNamara, estava o envio aéreo de armas e munições, que poderiam chegar ao Brasil apenas 16 horas depois do aval de Johnson (presidente dos EUA entre 63 e 69). Segundo ele, o carregamento estava sendo preparado em Nova Jersey no momento em que ocorria a reunião.
Além de Johnson e de McNamara, participaram também da reunião o secretário de Estado, Dean Rusk, o chefe do Estado-Maior conjunto, general Maxwell Taylor, e o diretor da CIA (inteligência americana), John McCone. O único assunto da reunião, segundo o memorando: "Brazil".
Em seu informe ao presidente sobre a ajuda militar americana, McNamara também relata o envio de uma força-tarefa por via marítima (composta por um porta-aviões e outros sete navios militares), que chegaria à região de Santos por volta do dia 11 de abril.
Sete linhas das medidas de McNamara foram retiradas do documento divulgado, pois continuam sob sigilo.
Preocupados com um possível "vazamento" sobre a força-tarefa, ficou decidido que "as perguntas da imprensa relativas ao movimento da Marinha serão tratadas como questões de rotina e que essa movimentação não será retratada como uma iniciativa de contingência que tenha qualquer relação com o Brasil".

Uma "nova Cuba"
Esses preparativos fazem parte da operação que recebeu o nome de "Brother Sam". Nenhuma das ações foi levada adiante pelos EUA, já que praticamente não houve resistência ao golpe militar.
"A reunião revela a importância que o Brasil tinha para os Estados Unidos", disse à Folha o historiador Marco Villa. "Os EUA não deixariam que o país virasse uma nova Cuba."
Para Villa, no entanto, os Estados Unidos "superestimaram a força militar que Goulart tinha".
McNamara também informou na reunião que estava à disposição, no Atlântico sul, um petroleiro da Esso "carregado com gasolina para motor e avião". "Está indo em direção a Buenos Aires, mas poderia chegar lá [no Brasil] no dia 5 ou 6 de abril", afirma.
Essa informação revela a urgência com que os EUA trataram de se preparar para ajudar os golpistas. Às 13 horas do dia 31 de março, o então embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, enviou um telegrama ao Departamento de Estado sobre o problema. Citando o representante da Esso no Brasil, disse que não havia nenhum petroleiro à disposição no Atlântico sul.
O petroleiro da Esso serviria como uma ajuda emergencial, uma vez que os EUA já haviam enviado três petroleiros vindos do Caribe, mas que não chegariam antes do dia 10 de abril.

Notícias tranquilizadoras
O encontro começou com as "boas" notícias enviadas por Gordon ao Departamento de Estado, às 10h do mesmo dia, 1º de abril.
"A situação dos insurgentes parecia ser mais favorável do que estivera na noite anterior, especialmente em vista dos indicativos de que o general [Amaury] Kruel está deslocando tropas do Segundo Exército para a divisa de São Paulo", relatou um assessor da CIA, identificado como coronel King.
O secretário Rusk completou o relato afirmando que Gordon "não defendia o apoio dos EUA neste momento. Apenas os paulistas solicitaram tal ajuda, e o fizeram sem definição".
Para Rusk, seria um erro àquela altura dos acontecimentos "entregar a João Goulart uma bandeira antiianque".
No documento, não aparece nenhum comentário de Johnson sobre o Brasil -mas é possível que esteja em um dos quatro trechos não divulgados.
Gordon tem afirmado que nunca se planejou uma intervenção militar direta no Brasil. De fato, não se conhece nenhum documento cogitando o envio de tropas ao país.
Em depoimento ao Senado americano, disse que o golpe "foi 100% brasileiro, e não 99,4%", conforme relatou no seu livro "A Segunda Chance do Brasil".

Arquivos na internet
O memorando da reunião e outros documentos podem ser acessados gratuitamente no site do The National Security Archive (www.nsarchive.org), que tem sede em Washington.
Segundo o pesquisador Peter Kornbluh, responsável pela organização dos documentos sobre o Brasil, ainda há pouco material divulgado sobre o envolvimento americano militar em 1964, quando se compara com os casos do Chile e da Argentina.
"Diferentemente desses dois países, não houve tanta pressão política nos EUA para liberar os documentos sobre o Brasil", disse o pesquisador à Folha.
Para Kornbluh, ainda não foram divulgados documentos sobre operações sigilosas da CIA no Brasil durante aquele período.
Villa, no entanto, diz que é mais fácil obter documentos sobre a ditadura militar brasileira nos Estados Unidos do que aqui. "Enquanto sabemos quase tudo sobre os EUA e o golpe, não sabemos quase nada sobre o Brasil."


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