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Militares negociaram com Vaticano, diz pesquisador
MURILO FIUZA DE MELO
DA SUCURSAL DO RIO
O governo brasileiro negociou
diretamente com o Vaticano a nomeação de bispos e padres no
Brasil durante o regime militar,
para evitar que religiosos progressistas assumissem postos importantes no país e denunciassem ao
mundo casos de tortura e morte.
"O diálogo foi constante. Ocorria entre o Ministério das Relações Exteriores, por meio de sua
embaixada na Santa Sé, e a Secretaria de Estado do Vaticano. Pela
via diplomática, a ditadura também tentou convencer a Cúria
Romana a pedir mais cautela aos
bispos brasileiros na crítica pública ao regime", afirma o historiador Sérgio Henrique da Costa Rodrigues, mestrando do Programa
de Pós-Graduação em história social da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Rodrigues analisou documentação, ainda secreta, guardada no
arquivo do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília. São
telegramas, despachos e ofícios
trocados entre o ministério e a
embaixada no período de 1964 a
1972. O historiador não pôde tirar
cópias dos documentos.
Rodrigues afirma que o Vaticano, em vários momentos, atendeu
aos pedidos dos militares. Em outros, tranqüilizava o governo militar sobre a indicação de religiosos
para postos-chave da igreja no
país, revelando suas tendências
ideológicas, como foi o caso de
dom Agnello Rossi, nomeado arcebispo de São Paulo, em 1969.
Segundo Rodrigues, os militares foram informados da indicação de dom Agnello com antecedência e que nenhum bispo progressista ocuparia a função.
Telegrama da embaixada brasileira na Santa Sé enviado à Secretaria de Estado do Vaticano, em
23 de dezembro de 1964, revela a
preocupação dos militares com o
envio de padres italianos supostamente de esquerda para o Brasil.
"Recebi, através do Serviço Nacional de Informações [SNI], a
notícia de que o Vaticano, devido
à falta de religiosos no Brasil, teria
decidido mandar para cá grande
número de jovens sacerdotes italianos. A seleção estaria sendo feita por um bispo da chamada "linha católica de esquerda", o que
poderia influir negativamente sobre a qualidade e as tendências
políticas dos escolhidos", informa
a embaixada brasileira no documento endereçado ao Vaticano.
A Cúria Romana, por meio da
Secretaria da Sagrada Congregação dos Assuntos Eclesiásticos
Extraordinários, desmente a informação seis dias depois.
"Peço-lhe respeitosamente assegurar a seu governo que preocupações como aquelas que lhe
foram noticiadas e que vossa excelência nos expôs não têm razão
de ser. São destituídas de qualquer fundamento." Depois, o Vaticano informa que a escolha dos
padres estava sendo feita pelas arquidioceses de São Paulo e do Rio,
de linha mais conservadora.
Outra troca de telegramas, em
1969, mostra que os militares
acompanharam de perto a substituição do núncio apostólico no
Brasil, dom Sebastião Baggio, pelo monsenhor argentino Umberto Mozzoni. Baggio entrara em
conflito com os generais por supostamente defender dom Hélder
Câmara, arcebispo de Olinda e
Recife e um dos maiores opositores da igreja ao regime.
Há dois telegramas secretos pedindo informações sobre o novo
núncio apostólico -um enviado
ao Vaticano e outro, à embaixada
em Buenos Aires. No telegrama
384, de 14 de abril de 1969, o embaixador do Brasil na Argentina
tranqüiliza o governo brasileiro,
dizendo que Mozzoni "é partidário (...) da evolução, não da subversão. Condena, como se diz, as
tendências acentuadamente sociais dos grupos "progressistas'".
O telegrama foi entregue pessoalmente ao presidente, Arthur da
Costa e Silva, diz o historiador.
O trabalho de Rodrigues contesta o do brasilianista americano
Kenneth Serbin, que no livro
"Diálogos na Sombra" (2001) afirma ter sido a Comissão Bipartite o
principal canal de diálogo entre o
regime militar e a igreja.
Idealizada pelo general Antônio
Carlos Muricy, ex-chefe do Estado Maior do Exército, e pelo professor Candido Mendes, a Bipartite funcionou de 1970 a 1974 e reuniu generais e bispos em encontros secretos para discutir temas
como a ação de religiosos na resistência ao regime e a violação aos
direitos humanos pelos militares.
"O presidente Médici não viu
nenhum problema na criação da
Comissão Bipartite, uma idéia do
general Muricy, homem muito religioso. Pelo contrário, ele achava
que, com a comissão, era possível
cozinhar em banho-maria os bispos que reclamavam publicamente da condução do governo,
canalizando suas insatisfações para um fórum secreto, distante do
público", diz Rodrigues.
Para os militares, um conflito
diplomático com o Vaticano poderia trazer conseqüências políticas desastrosas, como uma condenação do papa Paulo 6º à prática de tortura, o que mancharia a
imagem do país no exterior.
Segundo o historiador, os militares não confiavam na CNBB
(Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil), que, apesar de ser a entidade máxima da Igreja Católica
no país, poderia ter sua linha de
ação questionada pelos subordinados. "Os militares achavam estranho uma organização nacional, como a CNBB, emitir anualmente linhas gerais de ação que
podiam ser seguidas ou não pelos
bispos locais. A CNBB soltava
uma nota apoiando o governo em
certo assunto, mas alguns bispos
poderiam ter opinião contrária e
expressá-la publicamente", diz.
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