São Paulo, domingo, 01 de abril de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

STF pode frear combate a crime financeiro

Ministra Cármen Lúcia foi favorável à anulação de processo sobre lavagem de dinheiro julgado em vara especializada

Decisões tomadas sobre Banco Santos, "valerioduto", Banestado e nas ações penais contra Maluf e Pitta podem ser invalidadas

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Decisões judiciais tomadas nos processos do "valerioduto", Banestado, Banco Santos, Operação Farol da Colina e nas ações penais contra Paulo Maluf e Celso Pitta, entre outros casos, poderão ser anuladas se o STF (Supremo Tribunal Federal) concluir que as varas especializadas para julgar crimes financeiros e de lavagem de dinheiro ferem a Constituição.
O temor de retrocesso no combate ao crime organizado é admitido por juízes federais, preocupados com o julgamento de um habeas corpus no STF.
Ao julgar pedido em favor de um acusado de lavagem no Ceará, a ministra relatora Cármen Lúcia votou pela anulação do processo desde a sua origem e determinou a remessa para a vara não-especializada onde começou o inquérito. Consultada, a ministra Cármen Lúcia não se manifestou.
"É uma decisão muito arriscada. Se prevalecer esse entendimento, o precedente servirá para que processos relevantes sejam anulados", diz o juiz federal Jorge Gustavo Macedo Costa, que julgou o valerioduto e o Banco Rural. "A decisão pode causar a nulidade de vários processos", diz Walter Nunes da Silva Júnior, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil). Tramitam nas 23 varas especializadas mais de 30 mil processos.
Para a relatora, a Resolução 314 do CJF (Conselho da Justiça Federal) criando essas varas em 2003 violou o princípio do juiz natural (escolhido por sorteio). Segundo ela, o CJF "exorbitara de sua competência ao definir atribuições de órgãos judiciais". O ministro Ricardo Lewandowski pediu vista dos autos e o julgamento foi adiado.
"Esse voto é um erro total", diz o ex-juiz Wálter Maierovitch, ex-titular da Secretaria Nacional Antidrogas. "A resolução do CJF não atenta a Constituição. Se tirarem do CJF essa atribuição, teremos uma Justiça sem mobilidade para acompanhar o crime organizado", afirma.
A especialização das varas integrou o trabalho do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal, da Receita Federal e do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

Celeridade
O juiz Macedo Costa diz que "as operações da Polícia Federal não sairiam do papel sem as varas de lavagem". Ele teme que o Brasil venha a ser visto como "país fértil à lavagem".
"Esse trabalho especializado imprimiu uma celeridade que não existia. Se as decisões forem anuladas, será mais um fator de impunidade", diz o procurador da República Rodrigo de Grandis, que atuou nos processos de Maluf e Pitta.
Quando a decisão de um juiz é anulada, o prazo para a prescrição (extinção da punibilidade do acusado) retroage à data do crime. Teme-se que haja a prescrição de vários crimes.
"Os processos correm o risco de serem anulados com base numa argumentação um pouco abstrata", diz o juiz Sérgio Fernando Moro, que julgou os casos Banestado e a Operação Farol da Colina, da PF.
O procurador da República Vladimir Aras, ex-integrante da força-tarefa do CC-5, diz que a manutenção do voto da relatora seria "uma catástrofe". "É uma decisão gravíssima, pelo benefício aos que praticaram crimes de colarinho branco e pelo volume de bens bloqueados que seriam liberados."
"O Brasil é bem avaliado pelo Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional) graças às varas especializadas em lavagem", diz Antenor Madruga, ex-diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional do Ministério da Justiça. "Sem dúvida, será um retrocesso, mas acredito que o Supremo manterá a especialização", afirma.
"O Brasil assumiu, sem restrições, compromissos para a apuração eficaz da lavagem de valores. Os resultados ainda não são os esperados e isso ocorre no mundo inteiro. Mas são muito melhores do que antes da especialização", diz o juiz federal Fausto Martin de Sanctis, que julgou os processos do Banco Santos e do doleiro Antonio Oliveira Claramunt, conhecido como o Toninho da Barcelona.
Tramita no Supremo habeas corpus em que um acusado de lavagem foi processado em Foz de Iguaçu (PR) e depois os autos foram transferidos para uma vara especializada em Curitiba. Os ministros Eros Grau e Carlos Britto indeferiram o pedido. Cezar Peluso pediu vista.


Texto Anterior: Só jornalistas e brasileiros notam passagem de Lula por Washington
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.