São Paulo, domingo, 01 de maio de 2005

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ELIO GASPARI

O doce golpismo da dra. Rice

A diplomacia americana decidiu estimular a derrubada do presidente venezuelano Hugo Chávez. Como estimulou os golpes que derrubaram Salvador Allende, no Chile (1973), e Jacobo Arbenz, na Guatemala (1954). Da mesma forma que, em 1961, o presidente John Kennedy equipou uma força expedicionária contra Cuba. O mesmo Kennedy que, em julho de 1962, decidiu botar a carta do golpe militar no baralho de sua política para o Brasil. Deu no que deu.
Buscando um verniz teórico para uma articulação golpista, a secretária de Estado Condoleezza Rice disse o seguinte em Brasília:
"Democracia não é só eleição. [...] Democracia significa buscar as oportunidades econômicas para tentar estender os benefícios. É a promoção da boa governança, de políticas contra a corrupção e de serviços de saúde e educação para as pessoas".
Democracia significa ter no governo pessoas eleitas pelo povo. Na primeira metade do século passado, o pai da doutora, o reverendo John Weshley Rice, não podia sentar nos bancos da frente dos ônibus de Birmingham. Nessa época, a liderança negra de seu país denunciava o racismo, mas Martin Luther King nunca disse que seu país não era uma democracia.
Sempre que alguém diz que democracia é algo mais do que o voto, quer detonar a legitimidade de um mandatário eleito, bater a carteira da vontade popular. Nessa linha, ouça-se o seguinte:
"De que democracia estamos falando? [...] De democracias [...] que destroçaram o povo, tirando-lhe a soberania, levando-o a viver na miséria? [...] Essas democracias [...] terminam sendo tiranias. [...] As democracias precisam dar um conteúdo popular, ético, de justiça e igualdade".
É a voz do companheiro Chávez, coronel golpista de 1992, eleito presidente da Venezuela pelo povo do lugar em 1998 e em 2000, numa decisão confirmada por um referendo em agosto passado. Seu mandato tem a mesma origem e merece o mesmo respeito que o de George Bush. A professora Rice estava na Casa Branca em agosto de 2002, quando o governo americano incentivou um golpe de militares e plutocratas venezuelanos contra Chávez. Os golpistas decretaram a dissolução do Congresso e Washington fez que não viu. Enxotados, escafederam-se.
Quando a doutora qualifica a democracia, atravessa a rua e vai para a calçada onde está o coronel Chávez.

Ave Sachs, Jeffrey Bonaparte

O economista americano Jeffrey Sachs chegou a Pindorama tendo dito o seguinte: "Quero entender melhor o Fome Zero".
Poderia ter feito isso antes de escrever seu último livro "The End of Poverty" ("O Fim da Pobreza"), que acaba de ser publicado nos Estados Unidos. Pretende ser um estudo abrangente da miséria mundial. Nele não há referência relevante ao Brasil, na pobreza ou na riqueza do passado, do presente ou do futuro.
O livro é bom. Ególatra, corajoso e cruel, como nesse trecho sobre as ekipekonômicas globais:
"O mundo rico domina a formação de economistas com PhD e esses PhDs dominam instituições internacionais como o FMI e o Banco Mundial. [...] Esses economistas são brilhantes e motivados. Eu sei. Treinei muitos deles. Mas as instituições onde eles trabalham pensam direito os problemas dos países onde eles operam? A resposta é não. [...] De certa maneira, a economia do desenvolvimento de hoje se parece com a medicina do século 18, quando os doutores usavam sanguessugas para chupar o sangue de seus pacientes".
"O Fim da Pobreza" é uma aula a respeito da cabeça napoleônica dos economistas de universidades do andar de cima que se passam por mestres-cuca para o andar de baixo. Num capítulo de 19 páginas sobre a assessoria que deu ao governo boliviano (deposto pela patuléia em 2003), Sachs refere-se 140 vezes ao professor Jeffrey Sachs.

Registro
O fogo da frigideira que flambou um pedaço da ekipekonômica já estava aceso em janeiro. Era fraquinho, para evitar respingos.

Agenda real
A agenda de Lula da quarta-feira estava encorpada. Listava 12 itens. Normalmente o companheiro desincumbe-se de três ou quatro compromissos por dia.
Infelizmente, os 12 itens resultavam da anabolização de dois acontecimentos. Lula visitou uma fazenda e uma usina de biodiesel no Pará (gravando para a campanha). As outras oito atividades eram o que a corte chama de "deslocamentos". Coisa assim: "Partida para Belém/ chegada a Belém/ deslocamento para a fazenda/ chegada à fazenda..."
No dia em que um brasileiro comodista que não levanta o traseiro da cadeira levar um relatório como esse ao patrão, vai se juntar ao 1,7 milhão de desempregados da Grande São Paulo.

Severino Netto
Depois de estudar o discurso que o deputado Severino Cavalcanti leu na Câmara, atacando os juros lunares de Lula, um curioso concluiu o seguinte: "Ou o Severino está escrevendo os artigos do Delfim Netto ou o Delfim escreveu um pedaço desse discurso do Severino".

Lula 16
Baixou um espírito relativista nas cabeças das pessoas que defendem a possibilidade, quase a certeza, de o papa Bento 16 fazer um pontificado com idéias diferentes daquelas defendidas pelo cardeal Joseph Ratzinger. Em bom português, espera-se o milagre da lulificação do papa. Era uma coisa e, no trono, virou outra.

Eremildo, o Idiota
Eremildo é um idiota e acha que Lula tem sempre razão, inclusive quando descasca a classe média. Apesar dessa fidelidade mamífera ao companheiro, o idiota está irredutível. Vai continuar tomando seu chopinho, "de preferência na sexta-feira", e no dia seguinte não levantará "o traseiro da cadeira para ir ao banco mudar" (mudar o quê, o companheiro não disse). Eremildo é idiota, mas sabe que aos sábados os bancos estão fechados.

Não é
Da série parece-mas-não-é, colecionada por Andrea Matarazzo, prefeitinho do centro de São Paulo: uma kombi meio velha está parada no meio da rua, longe da calçada. Demora uns dois minutos e vai embora.
Estava enguiçada? Não. Ela tem um fundo falso e sua tripulação roubou a tampa de uma galeria de gás ou de eletricidade.

Inesquecível
Apertado pelo senador Jorge Bornhausen, que o chamou de "ministro dos vampiros", o companheiro Humberto Costa, ministro da Saúde, justificou com uma frase inesquecível sua passagem pelo cargo:
"Não estou aqui para ser desrespeitado. Da mesma forma que os senadores são autoridade, eu também sou".
Se fosse um simples contribuinte do Imposto de Renda, podia ser desrespeitado à vontade. E o doutor ainda pretende disputar eleição.

Eletrocutado
A rapidez com que o PT fluminense eletrocutou a candidatura do ministro Ciro Gomes ao governo do Estado ensina que o professor Eugenio Gudin tinha razão: "O Rio não é um burgo podre".


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