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"TV pública é contraponto à caloria vazia da TV comercial"
Para presidente da American Public TV, autonomia das redes educativas é vital
Cynthia Fenneman diz que emissoras públicas dos EUA não veiculam propaganda comercial e são custeadas por governos e doações
ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
Os Estados Unidos têm 356
estações de TV pública. Em relação ao Brasil, que conta com
199 emissoras educativas com
concessão outorgada pelo governo, o número não chega a
ser surpreendente. Mas a distância não está na quantidade
de emissoras.
As TVs brasileiras que se autodenominam públicas tiveram orçamento de cerca de R$
500 milhões em 2008. As dos
EUA receberam US$ 2 bilhões
(R$ 4 bilhões). Aqui, elas dependem basicamente de recursos do governo. Lá, mais da metade da verba vem de doações.
A presidente da American
Public TV, Cynthia Fenneman,
esteve no Brasil, na semana
passada, para participar do 2º
Fórum Nacional de TVs Públicas. A APT é a segunda maior
distribuidora de conteúdo para
as TVs públicas -a primeira é a
Public Broadcasting Service.
Executiva com 33 anos de experiência em TV e com 12 prêmios Emmy (o Oscar da televisão americana) no currículo,
ela julga a TV pública uma contraposição necessária às "calorias vazias" das TVs comerciais.
FOLHA - O que justifica um país pobre gastar dinheiro com TV pública?
CYNTHIA FENNEMAN - Com o crescimento da programação extremamente comercial, que eu
chamo de calorias vazias, nas
emissoras privadas, a televisão
pública torna-se imperativa,
para expor pontos de vista diferentes, com viés educativo, para formar cidadãos. Para isso, é
importante que ela tenha autonomia em relação ao governo e
à propaganda comercial.
FOLHA - É possível ter autonomia e
depender de recursos do Estado? Como é o modelo nos EUA?
FENNEMAN - Se somarmos todas
as verbas destinadas ao sistema
público nos EUA, o orçamento
ultrapassa US$ 2 bilhões por
ano. As fontes são as doações
dos cidadãos e de fundações
-responsáveis por mais de
50% do orçamento-, recursos
do governo, patrocínios de programas, publicidade corporativa e venda de produtos culturais. A doação individual é de
US$ 100 em média, mas há pessoas ricas que contribuem com
até US$ 1 milhão. O governo
não dá dinheiro diretamente a
TVs públicas. Isso é muito importante. Os recursos são entregues à entidade que os representa, a Corporação para a
Televisão Pública.
FOLHA - Há uma discussão no Brasil sobre a necessidade de eliminar a
propaganda comercial nas TVs educativas. A publicidade é admitida na
TV pública norte-americana?
FENNEMAN - Temos o patrocínio corporativo, mas a propaganda comercial não é admitida. No intervalo dos programas
podem ser exibidos anúncios
de 10, 15 ou 30 segundos. Um
fabricante de carros que esteja
patrocinando o programa pode
mostrar o carro, de modo sutil,
sem estimular a compra.
FOLHA - Por que a propaganda comercial é incompatível com a TV pública?
FENNEMAN - Para que as empresas não influenciem no conteúdo. Seria impróprio um anúncio exaltando um produto farmacêutico na TV pública, ou
merchandising de produtos de
consumo.
FOLHA - As emissoras comerciais
contribuem financeiramente para
os canais públicos?
FENNEMAN - Os EUA não seguem esse modelo inglês. Eu
bem que gostaria. Fazemos algumas coproduções com emissoras comerciais, mas não são
frequentes. O mais comum é a
cooperação entre TVs públicas.
FOLHA - Nas TVs públicas dos EUA
há programas recorrentes também
na TV comercial. O que diferencia o
conteúdo de uma e outra?
FENNEMAN - Nos propomos a
oferecer entretenimento com
consciência. Programas de gastronomia são apresentados por
profissionais com longo background de especialização, que
efetivamente ensinam a preparar o prato. Nas TVs comerciais
há preferência por rostos bonitos. O interesse principal não é
ensinar a cozinhar.
FOLHA - Seria uma TV menos glamorosa?
FENNEMAN - O glamour não é o
foco central, o que não impede
que se busque pessoas com
apelo visual e estética.
FOLHA - A audiência é um assunto
tabu para grande parte das TVs públicas brasileiras. Qual é a audiência
das TVs públicas nos EUA?
FENNEMAN - A audiência média
no horário nobre é 1,2%, mas
chega a 5% em alguns programas nos fins de semana. É um
bom desempenho. A audiência
média dos canais HBO e History Channel é de 0,8%, e a do
Discovery, 0,7%. Há 190 canais
de TV nos EUA. A TV pública
está em 15º lugar em audiência.
FOLHA - Como os canais públicos se
comportaram na cobertura da gestão Bush? Há autonomia editorial?
FENNEMAN - No governo Bush,
parte dos telespectadores reclamava que a cobertura era
muito liberal, mas outra parcela reclamava do oposto. As
emissoras buscam uma linha
neutra. A pressão vem de congressistas que querem reduzir
o repasse do governo para a TV
pública com o argumento de
que há áreas mais prioritárias.
Contrapomos essa pressão
apresentando ao Congresso aspectos positivos da TV pública.
FOLHA - Vocês já têm clareza sobre
o modelo de negócios viável para as
novas mídias, como a internet?
FENNEMAN - É um grande desafio. O que fazer quando os conteúdos passam a ser oferecidos
gratuitamente na internet? O
financiamento das TVs públicas foi pensado para os custos
da TV tradicional.
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