São Paulo, domingo, 01 de julho de 2001

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TÚNEL FANTASMA
Empresa irregular foi contratada por duas vezes pela CBPO

Procurador da Lavicen foi condenado por estelionato

MARI TORTATO
FREE-LANCE PARA A AGÊNCIA FOLHA, EM CURITIBA

RONALD FREITAS
DA REPORTAGEM LOCAL

O contador Francisco Sacerdote, condenado pela Justiça do Paraná a dois anos e quatro meses de prisão, é o proprietário informal da Lavicen Ltda. A empresa é uma locadora fantasma de veículos pesados que prestou serviços à empreiteira CBPO em pelo menos duas ocasiões: na construção do túnel Ayrton Senna, em São Paulo, na gestão do ex-prefeito Paulo Maluf (1993-1997), em consórcio com a empreiteira Constran, e da rodovia Carvalho Pinto, na gestão do ex-governador Luís Antônio Fleury Filho (1991-1995).
Como procurador da Lavicen, Sacerdote assinou o contrato de aluguel de tratores e caminhões firmado entre a empresa e a CBPO para a construção da rodovia, em novembro de 1994, a 40 dias do fim do mandato de Fleury. Oficialmente, os donos da locadora são Joel Gonçalves Pereira e o sapateiro Lavino Kiil, conforme reportagem da Folha do último dia 17. Kiil nega que seja ou tenha sido sócio da Lavicen.
Sacerdote foi investigado por estelionato e falsificação em sete inquéritos abertos pela Polícia Civil do Paraná. O primeiro, de 1974, resultou na prisão do contador em flagrante. Ele comprava madeira a prazo e a revendia à vista por metade do preço de mercado. Seus credores nunca eram pagos. Sacerdote negociava em nome da Gramital Ltda, empresa criada, segundo o depoente, em 1973, sem sede fixa.
A Gramital seria um restaurante em Ponta Grossa (PR), mas foi transformada numa prestadora de serviços que plantava grama e instalava drenos às margens de rodovias. Ao depor, Sacerdote disse que era o superintendente da Gramital. Foi desmentido pelos sócios, que o apontaram como fundador. A prisão gerou o processo que o condenou, em 1982.
Sacerdote fugiu para não cumprir a sentença. Perdeu todos os recursos, mas a pena prescreveu em 1997. Há dois anos, assumiu a presidência do Lions Clube do Champagnat, bairro de Curitiba. Em março passado, foi substituído por um interventor, que tem até o fim de julho para reestruturar o clube, sob pena de fechamento. A justificativa oficial para o afastamento é que Sacerdote não promovia o clube a contento.
Para a Receita Federal, o contador é contribuinte insuspeito. No último dia 15, recebeu a devolução do Imposto de Renda pago a mais no ano 2000. Fez parte da primeira leva de contribuintes ressarcidos pelo Leão. A família Sacerdote é dona de um escritório de contabilidade em Curitiba, registrado em nome dos filhos do contador, João Francisco e Regiane Idalina. A ligação de Sacerdote com a Lavicen deve lhe valer uma convocação para falar à CPI da Câmara Municipal de São Paulo, que apura irregularidades no Tribunal de Contas paulistano.
O promotor Luís Salles do Nascimento, do Ministério Público paulista, também quer ouvi-lo. Nascimento denunciou Maluf e o ex-secretário de Vias Públicas Reynaldo de Barros por improbidade administrativa depois de investigar denúncias de superfaturamento do túnel Ayrton Senna.
As ações pedem a devolução de R$ 105,89 milhões aos cofres da prefeitura de São Paulo. A promotoria suspeita que haja relação entre o superfaturamento e o depósito de pelo menos US$ 200 milhões em contas bancárias em nome de Maluf e de seus familiares na ilha de Jersey, um paraíso fiscal no canal da Mancha. Maluf nega a existência das contas.

Outro lado
Sacerdote foi insistentemente procurado pela Folha nas últimas três semanas. Em todos as tentativas, a reportagem foi atendida por seu filho, João Francisco. Ele negou os pedidos de entrevista com seu pai e recusou-se a comentar a folha corrida de Sacerdote e seu envolvimento com a Lavicen.
A CBPO disse que a carta assinada pelo consórcio Constran-CBPO, publicada pela Folha em 19 de junho, servia como resposta às novas suspeitas levantadas pela reportagem. Na carta, a empreiteira diz que sempre tratou com o "representante legal da Lavicen". A assessoria de Fleury disse que eventuais irregularidades são de responsabilidade da empreiteira que contratou a Lavicen.



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