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EUA restringiram acordo nuclear brasileiro
Pressão americana está registrada em pelo menos 410 telegramas do serviço diplomático do país datados de 1975 e agora divulgados
Governo americano tinha conhecimento dos acertos com a Alemanha 6 meses antes da assinatura do contrato e exigiu mudanças
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
Telegramas secretos do Departamento de Estado americano agora liberados à consulta
pública expõem a estratégia
dos EUA para restringir os termos do acordo nuclear Brasil-Alemanha -marco da política
no setor, cuja assinatura completou 32 anos na quinta-feira.
"Os EUA, em várias ocasiões,
expressaram profunda preocupação com o precedente e a extensão da venda [ao Brasil] e
insta a Alemanha a assegurar
que o acordo inclua controles
os mais apertados possíveis sobre essas sensíveis exportações", afirmou o então secretário de Estado, Henry Kissinger,
num telegrama disseminado
poucos dias antes antes do fechamento do acordo.
"Os EUA tinham proposto
que todos os acordos pendentes que incluíssem essas instalações fossem adiados até que
os fornecedores pudessem discutir conjuntamente a adoção
de políticas comuns", acrescenta um telegrama de março.
A pressão americana, conhecida na década de 70, ganhou
contorno documental em pelo
menos 410 telegramas que tratam do acordo, de um total de
6.000 enviados ou recebidos
pelo serviço diplomático americano no Brasil em 1975. Até o
ano passado, haviam sido liberados os papéis relativos a 1973
e 1974. Agora estão na internet
os telegramas de 1975 -um total de 11 mil documentos com
menções ao Brasil, disponíveis
em http://foia.state.gov/
SearchColls/Search.asp.
Os documentos indicam que
os americanos usavam fontes
da própria Cnen (Comissão
Nacional de Energia Nuclear) e
da empresa americana Westinghouse, que em 1971 fora contratada pelo Brasil para construir e fornecer combustível
para a usina Angra 1.
A empresa conseguiu antecipar para os americanos em 3 de
janeiro, seis meses antes da assinatura do acordo, a informação de que Brasil e Alemanha
haviam firmado um "protocolo" em novembro de 1974, na
ditadura sob a presidência de
Ernesto Geisel (1908-1996).
A informação vazada pela
empresa descia aos detalhes: o
acordo envolveria uma planta
para enriquecimento de urânio, que viria a ser o nó da questão. O domínio do ciclo completo do processo poderia dar ao
Brasil condições de produzir a
sua bomba atômica.
Kissinger acionou várias embaixadas ao redor do mundo,
incluindo a do Brasil, para pedir "inquirições discretas" para
confirmar o dado. "Se a informação que estamos recebendo
da Westinghouse for correta,
então parece que a Alemanha
está preparada para tornar disponível o ciclo completo da tecnologia ao Brasil com o objetivo
de obter vantagem comercial
sobre os EUA", escreveu.
Seis dias depois desse aviso,
os diplomatas de Bonn, na Alemanha, responderam que, de
fato, havia um diálogo em andamento, "mas nada foi assinado". Os americanos engoliram
o desmentido alemão. A confirmação, contudo, não demorou
a chegar. Além de pressionar o
Brasil, os EUA procuraram o
governo alemão.
O jornalista Elio Gaspari, autor de quatro livros sobre a ditadura, disse ser surpreendente
o reconhecimento de que os
EUA, ainda em janeiro, já detivessem informações sobre possível enriquecimento de urânio
no acordo bilateral.
"Por esses telegramas fica
muito claro que os EUA influíram e moldaram muitas das características do acordo. Já se
imaginava isso, mas agora se vê
que a influência foi maior", disse o chefe de gabinete da presidência da Eletronuclear, o engenheiro naval nuclear Leonam dos Santos Guimarães.
Num telegrama de março,
Kissinger expôs em detalhes as
exigências que os americanos
passaram a fazer à Alemanha.
Os EUA queriam que o país,
"caso mantenha sua intenção
de promover a venda ao Brasil",
continuasse tendo forte controle sobre a usina de enriquecimento, inclusive do ponto de
vista "político".
"Os EUA sugerem os elementos adicionais a serem incluídos no corpo do acordo: a) providências para o contínuo envolvimento do fornecedor [Alemanha] no programa de reprocessamento e enriquecimento,
para incluir domínio, voz nas
decisões políticas e presença
técnica-operacional", diz o documento.
Segundo Guimarães, as empresas criadas pelo Brasil para
executar o acordo tinham empresas alemãs na participação
societária, e técnicos alemães
passaram a morar no Brasil.
O mesmo telegrama resume:
"Os EUA estão preocupados
com o fornecimento da capacidade de operar o ciclo completo
do combustível (enriquecimento e reprocessamento) inerente à venda proposta pela
Alemanha ao Brasil".
As mensagens de Kissinger
ressaltam, por várias vezes, a
disputa comercial em andamento. "Nós também desejamos nos movimentar no sentido de um novo acordo de cooperação bilateral, mas o arranjo
Brasil-Alemanha complicou
nosso objetivo", diz um telegrama, de março.
Meses depois, os EUA demonstram receio de que a Alemanha entenda as críticas como parte de uma disputa entre
grandes empresas nucleares. O
secretário de Estado americano, então, orienta: "A embaixada [de Brasília] deveria levar
em alto nível político as preocupações americanas a respeito
do Brasil, consistente com objetivos mútuos de não proliferação [de armas atômicas], e assegurar ao governo alemão que
o governo americano não está
buscando obter vantagem comercial. A respeito desse ponto, a embaixada poderia reiterar que os EUA não têm planos
para providenciar ao Brasil
equipamento ou tecnologia de
enriquecimento e reprocessamento [de urânio]".
Indicado para falar sobre o
assunto pela embaixada americana em Brasília, o porta-voz da
CIA (central de inteligência
americana) em Washington,
George Little, disse que não comenta "fontes e métodos" do
trabalho de inteligência. Little
disse que não analisou especificamente os documentos sobre
o acordo nuclear, e por isso não
faria comentários. Sobre documentos liberados pelo governo
americano, Little disse que
"eles falam por si e devem ser
avaliados por historiadores e
outros pesquisadores".
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