São Paulo, quinta-feira, 01 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PT e PPS vêem situação gravíssima

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A velocidade com que sobe o dólar, sintoma de uma crise econômica aguda, contaminou de vez o ambiente eleitoral, a ponto de os principais economistas dos dois candidatos que lideram todas as pesquisas fazerem avaliações sombrias.
"O Brasil não chega até a eleição, dada a velocidade da deterioração", diz o deputado Aloizio Mercadante (PT-SP).
Reforça Maurício Dias David, economista que trabalha no programa de governo de Ciro Gomes (PPS): "A situação é gravíssima, e esconder isso não resolve".
É claro que países não quebram, mas as frases indicam que um punhado de empresas, endividadas em dólares, não terá como pagar suas dívidas se elas forem obrigadas a comprar a moeda norte-americana no patamar atual de cerca de R$ 3,50.
"É a moratória do setor privado", diz Mercadante, em alusão ao fato de que, hoje, ao contrário de crises passadas, a dívida externa (no total, US$ 204 bilhões) é mais do setor privado que do governo (54,1% contra 45,9%).
Mercadante até tem uma lista em mãos (é grande e de firmas importantes), mas não a divulga por senso de responsabilidade mínimo.

Garotinho
Na terceira campanha oposicionista, a de Anthony Garotinho, há quem tenha pensamentos tão ou mais sombrios.
Tito Ryff, principal assessor econômico do candidato do PSB, fala de dificuldades no sistema financeiro, ressalvando que fala como economista, não como assessor de um candidato.
A Folha pergunta se há hipótese de a situação financeiro-bancária se agravar. Ryff bate na madeira, diz que é melhor nem falar nisso, e acrescenta que essa "probabilidade é mínima".
O que já está ocorrendo, no entanto, basta para indicar a gravidade da crise: "Pela primeira vez em 20 anos, as linhas de crédito comercial de curto prazo estão sendo cortadas", diz Mercadante.
São linhas que financiam importações e exportações.
Reforça Ryff: "Nem em 1987 [o ano em que o governo José Sarney decretou a moratória da dívida externa", os créditos comerciais foram cortados. Agora, estão sendo reduzidos".

"Apreensão"
É natural nesse cenário que, mesmo no QG do candidato do governo à Presidência da República, José Serra (PSDB), se use a palavra "apreensão" para definir o estado de espírito em relação ao cenário econômico.
A avaliação obtida pela Folha na campanha de Serra é naturalmente menos catastrofista do que os cálculos do PT.
O próprio candidato acredita que a extensão do acordo entre o governo brasileiro e o FMI (Fundo Monetário Internacional), que já está sendo negociada, talvez seja suficiente para desanuviar o ambiente.
"O acordo vai amortecer expectativas negativas e as metas nele contidas não vão exigir sacrifícios adicionais", diz Serra.
É uma aposta parecida à que faz Tito Ryff, da campanha de Anthony Garotinho: "Um acordo com o Fundo, mais o câmbio flutuante mais a queima de um pouco de reservas podem criar uma ponte até o fim do ano e até o início do próximo governo".

Condição
Facilitaria o acordo, acha o economista, se ele estabelecesse que a liberação de parcelas futuras de recursos ficaria condicionada à aceitação do pacote pelo governo que vai suceder o do presidente Fernando Henrique Cardoso.
"É uma ponte também para o início do próximo governo, que decide se quer ou não usá-la", diz.
Mercadante e Maurício Dias David discordam. "Nem que o novo acordo preveja US$ 20 bilhões [em recursos adicionais para o Brasil" será capaz de reverter a crise", diz o deputado petista.
Na negociação em andamento, especula-se que o Brasil receberia US$ 10 bilhões adicionais.
Dias David, depois de dizer que o FMI "não é nenhum demônio", ataca o receituário do Fundo, pelo seu custo social.
Ele teme que continuar a aplicá-lo no Brasil "levaria a uma situação como a argentina".

Eleições
Como era previsível, só na campanha Serra se credita ao fator eleições o agravamento da crise.
Mesmo assim, admite-se que ela se tornou tão grave que, mesmo que Serra passasse à frente nas pesquisas, a reversão não seria imediata. Já na campanha Ciro, Maurício Dias David aponta um só culpado: "Essa crise hoje tem um nome: Fernando Henrique Cardoso".
Tudo somado, parece haver algum consenso de que o próximo presidente da República, qualquer que seja, vai enfrentar um cenário muito negativo.
O que fazer então?
Aloizio Mercadante propõe que o próprio governo Fernando Henrique Cardoso comece, desde já, "a adotar medidas que sinalizem a intenção de gerar grandes superávits comerciais", na altura dos US$ 60 bilhões.
Medidas como uma minirreforma tributária, que desonerasse as exportações, por exemplo.

Pacto
Maurício Dias David fala em "um pacto de governabilidade", que, em sua visão (não necessariamente compartilhada pelo candidato) envolveria o PT e até o governo.
"A crise é tão grave que não dá para resolvê-la com um grupo só", diz o economista da campanha de Ciro Gomes.
Tito Ryff também aposta no aumento do superávit comercial, na redução no que for possível do déficit de transações correntes (que mede, além do comércio, todas as entradas e saídas de recursos do país) e na acumulação de reservas, "para depender cada vez menos dos recursos externos".
Boas ou ruins, tais propostas esbarram num obstáculo cada vez mais visível e cada vez mais comentado nos QGs de campanha: a crise torna 1º de janeiro de 2003, o dia da posse, uma data talvez longe demais.



Texto Anterior: Transição no Escuro: Crise na economia eleva temperatura da sucessão
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.