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PT e PPS vêem situação gravíssima
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
A velocidade com que sobe o
dólar, sintoma de uma crise econômica aguda, contaminou de
vez o ambiente eleitoral, a ponto
de os principais economistas dos
dois candidatos que lideram todas as pesquisas fazerem avaliações sombrias.
"O Brasil não chega até a eleição, dada a velocidade da deterioração", diz o deputado Aloizio
Mercadante (PT-SP).
Reforça Maurício Dias David,
economista que trabalha no programa de governo de Ciro Gomes
(PPS): "A situação é gravíssima, e
esconder isso não resolve".
É claro que países não quebram,
mas as frases indicam que um punhado de empresas, endividadas
em dólares, não terá como pagar
suas dívidas se elas forem obrigadas a comprar a moeda norte-americana no patamar atual de
cerca de R$ 3,50.
"É a moratória do setor privado", diz Mercadante, em alusão
ao fato de que, hoje, ao contrário
de crises passadas, a dívida externa (no total, US$ 204 bilhões) é
mais do setor privado que do governo (54,1% contra 45,9%).
Mercadante até tem uma lista
em mãos (é grande e de firmas
importantes), mas não a divulga
por senso de responsabilidade
mínimo.
Garotinho
Na terceira campanha oposicionista, a de Anthony Garotinho, há
quem tenha pensamentos tão ou
mais sombrios.
Tito Ryff, principal assessor
econômico do candidato do PSB,
fala de dificuldades no sistema financeiro, ressalvando que fala como economista, não como assessor de um candidato.
A Folha pergunta se há hipótese
de a situação financeiro-bancária
se agravar. Ryff bate na madeira,
diz que é melhor nem falar nisso,
e acrescenta que essa "probabilidade é mínima".
O que já está ocorrendo, no entanto, basta para indicar a gravidade da crise: "Pela primeira vez
em 20 anos, as linhas de crédito
comercial de curto prazo estão
sendo cortadas", diz Mercadante.
São linhas que financiam importações e exportações.
Reforça Ryff: "Nem em 1987 [o
ano em que o governo José Sarney
decretou a moratória da dívida
externa", os créditos comerciais
foram cortados. Agora, estão sendo reduzidos".
"Apreensão"
É natural nesse cenário que,
mesmo no QG do candidato do
governo à Presidência da República, José Serra (PSDB), se use a
palavra "apreensão" para definir
o estado de espírito em relação ao
cenário econômico.
A avaliação obtida pela Folha
na campanha de Serra é naturalmente menos catastrofista do que
os cálculos do PT.
O próprio candidato acredita
que a extensão do acordo entre o
governo brasileiro e o FMI (Fundo Monetário Internacional), que
já está sendo negociada, talvez seja suficiente para desanuviar o
ambiente.
"O acordo vai amortecer expectativas negativas e as metas nele
contidas não vão exigir sacrifícios
adicionais", diz Serra.
É uma aposta parecida à que faz
Tito Ryff, da campanha de Anthony Garotinho: "Um acordo
com o Fundo, mais o câmbio flutuante mais a queima de um pouco de reservas podem criar uma
ponte até o fim do ano e até o início do próximo governo".
Condição
Facilitaria o acordo, acha o economista, se ele estabelecesse que a
liberação de parcelas futuras de
recursos ficaria condicionada à
aceitação do pacote pelo governo
que vai suceder o do presidente
Fernando Henrique Cardoso.
"É uma ponte também para o
início do próximo governo, que
decide se quer ou não usá-la", diz.
Mercadante e Maurício Dias
David discordam. "Nem que o
novo acordo preveja US$ 20 bilhões [em recursos adicionais para o Brasil" será capaz de reverter
a crise", diz o deputado petista.
Na negociação em andamento,
especula-se que o Brasil receberia
US$ 10 bilhões adicionais.
Dias David, depois de dizer que
o FMI "não é nenhum demônio",
ataca o receituário do Fundo, pelo
seu custo social.
Ele teme que continuar a aplicá-lo no Brasil "levaria a uma situação como a argentina".
Eleições
Como era previsível, só na campanha Serra se credita ao fator
eleições o agravamento da crise.
Mesmo assim, admite-se que
ela se tornou tão grave que, mesmo que Serra passasse à frente nas
pesquisas, a reversão não seria
imediata. Já na campanha Ciro,
Maurício Dias David aponta um
só culpado: "Essa crise hoje tem
um nome: Fernando Henrique
Cardoso".
Tudo somado, parece haver algum consenso de que o próximo
presidente da República, qualquer que seja, vai enfrentar um
cenário muito negativo.
O que fazer então?
Aloizio Mercadante propõe que
o próprio governo Fernando
Henrique Cardoso comece, desde
já, "a adotar medidas que sinalizem a intenção de gerar grandes
superávits comerciais", na altura
dos US$ 60 bilhões.
Medidas como uma minirreforma tributária, que desonerasse as
exportações, por exemplo.
Pacto
Maurício Dias David fala em
"um pacto de governabilidade",
que, em sua visão (não necessariamente compartilhada pelo
candidato) envolveria o PT e até o
governo.
"A crise é tão grave que não dá
para resolvê-la com um grupo
só", diz o economista da campanha de Ciro Gomes.
Tito Ryff também aposta no aumento do superávit comercial, na
redução no que for possível do
déficit de transações correntes
(que mede, além do comércio, todas as entradas e saídas de recursos do país) e na acumulação de
reservas, "para depender cada vez
menos dos recursos externos".
Boas ou ruins, tais propostas esbarram num obstáculo cada vez
mais visível e cada vez mais comentado nos QGs de campanha:
a crise torna 1º de janeiro de 2003,
o dia da posse, uma data talvez
longe demais.
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