São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2004

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ELIO GASPARI

Bush achou que Obama era Osama

Despedindo-se de uma comitiva de parlamentares que o visitavam na Casa Branca, George Bush se assustou com um enfeite na roupa de uma deputada. Era um nome que começava com "O" e terminava com "ama". Deu um passo para trás. "É Obama, com B", esclareceu a senhora, contando-lhe quem era o tal sujeito. Bush se aquietou: "Bem, eu não o conheço". "Vai conhecê-lo", respondeu a deputada.
Na semana passada, o mundo conheceu Barack Obama, a incrível novidade da política americana, o mais recente candidato à condição de favorito para vir a ser o primeiro presidente negro dos Estados Unidos.
Obama tem 42 anos e em novembro será eleito senador pelo Estado de Illinois. Será o quinto senador negro na história do país, o único no atual plenário.
Na quarta-feira, ele fez o principal discurso da convenção democrata, em Boston. Produziu uma bela página da oratória política americana. Barack Obama veio para ficar.
O mais destacado político negro americano poderá ser esse mulato, cuja história nada tem a ver com a história dos descendentes de escravos e tem tudo a ver com a ascensão dos americanos de todas as cores. Aliás, foi isso que ele contou em seu discurso.
Obama descende de um jovem afortunado do Quênia. Seu pai, filho de um cozinheiro, conseguiu uma bolsa e estudou economia na Universidade do Havaí, onde se casou com uma jovem branca. O conto de fadas termina aí. Pouco depois do nascimento de Barack, o pai abandonou a família e voltou para a África, onde se tornou um destacado economista do governo. Esteve várias vezes nos Estados Unidos, mas só fez uma visita ao filho.
Quem carregou o piano foi a mãe branca. Era filha de um operário que gramou a Depressão, alistou-se na Segunda Guerra e marchou com o general Patton sobre a Europa. Na volta, fez o curso superior graças a uma lei do governo de Franklin Roosevelt, que dava ensino superior gratuito aos ex-soldados. Comprou sua primeira casa graças ao sistema de seguros e incentivos criado por Roosevelt (de novo). Quando esse programa foi lançado, havia 2 milhões de operários da construção civil no desemprego. Vinte anos depois, os Estados Unidos se tornaram um país onde a maioria dos trabalhadores tinha casa própria.
Obama lembrou as raízes generosas da sociedade americana. Formado pela Universidade de Columbia, ele trabalhou três anos numa pequena organização que dava assistência a famílias de desempregados em bairros operários de Chicago. Parou para estudar direito em Harvard, onde se tornou o primeiro negro a dirigir a revista da faculdade.
Com o canudo, tinha garantido um salário de US$ 200 mil anuais. Voltou para a organização da patuléia. Hoje dá aulas de direito constitucional na Universidade de Chicago, mas não disputou a estabilidade, pois seu negócio é a política. Sua mulher, Michelle, filha de operários pobres dos bairros negros da cidade, também é advogada. Estudou em Princeton e Harvard.
Tanto Barack como Michelle foram beneficiados pelas iniciativas do sistema educacional americano, destinadas a trazer os negros para dentro dos campus. (O irmão de Michelle foi ajudado pela afirmação esportiva. Foi para Princeton porque era um craque do basquete.) Condoleezza Rice, assessora de Segurança Nacional de Bush e conservadora de boa cepa, já reconheceu que foi beneficiada pelas políticas de ação afirmativa na sua ascensão hierárquica dentro da Universidade de Stanford.
Até agora, Obama avançou nos espaços abertos pelos seus adversários. Era um político estadual quando o republicano que ocupava a cadeira de senador foi apanhado numa malfeitoria sexual. Obama tinha como adversário um flamejante papeleiro que, depois de ficar milionário, foi dar aulas em bairros pobres. Um processo de divórcio informou que a ex-mulher o acusa de tê-la levado a clubes de casais. A candidatura explodiu e Obama ficou sem opositor. Bush não conseguirá esquecê-lo.
Serviço
O discurso de Obama, infelizmente em inglês, está no seguinte endereço: http://www.indystar.com/articles/4/165816-9874-098.html
Boa parte das informações aí de cima foram tiradas de um excelente perfil de Obama escrito pelo jornalista William Finnegan e publicado na revista "New Yorker". Sempre em inglês, ele está no seguinte endereço:
http://newyorker.com/fact/content/?040531fa-fact1

Eremildo, um idiota multirresidencial

Eremildo é um idiota e se encantou com a explicação do doutor Henrique Meirelles de que domicílio eleitoral é uma coisa e domicílio fiscal é outra coisa. O idiota entendeu a intenção globalizante do presidente do Banco Central do Brasil e decidiu aderir à doutrina da pluralidade domiciliar.
Eremildo avisará à Receita Federal que transferiu o seu domicílio fiscal para as Bahamas, onde não existe Imposto de Renda. O idiota quer aderir ao Pacote Meirelles, que dá direito a cancelamento do CPF. Sem CPF, a choldra não pode comprar geladeira a prazo. No andar de baixo, tudo que se quer da vida é um programa de cancelamento de CPFs.
O idiota transferirá seu domicílio eleitoral para a cidade de Makoku, no Gabão. Como Eremildo é um governista inveterado, apaixonou-se pelo general Omar Bongo, que governa o Gabão desde 1967. Pretende arrumar uma cadeira de deputado pelo Partido Democrático Gabonês e separou um dinheirinho para a campanha. Torrará menos que os R$ 887 mil gastos pelo doutor Meirelles na sua inesquecível e triunfal campanha por uma cadeira de deputado federal pelo PSDB de Goiás.
Eremildo pretende procurar o doutor Márcio Thomaz Bastos para saber se o Ministério da Justiça pode autorizá-lo a globalizar seu domicílio civil. Como polígamo, quer mudar seu endereço para Kartoum, no Sudão.
O idiota transferirá seu domicílio previdenciário para a Suécia (aposentadoria aos 61 anos), sua ficha médica para a Inglaterra (hospitais grátis) e o destino químico de sua boca de fumo para a Holanda (maconha livre).
Eremildo é idiota, mas não bebe água fervendo. Manterá no Brasil o endereço de sua inimputabilidade. É uma palavra complicada que, segundo lhe ensinaram, designa o usufruto da impunidade pela turma do andar de cima.
O idiota defende a autonomia do Banco Central, com ele, Eremildo, na presidência, e os doutores Henrique Meirelles, Francisco Lopes, Antonio Carlos Lemgruber, Wadico Bucchi e Elmo Camões, numa diretoria de craques.

A frase do Leopardo é do sobrinho

Há algum tempo não acontecia coisa tão boa como o lançamento do DVD do filme "O Leopardo", de Lucchino Visconti. Primeiro, porque é um dos melhores filmes de todos os tempos, fiel transposição de um dos maiores romances de todas as épocas, escrito pelo siciliano Tomasi di Lampedusa. Segundo, porque o DVD traz as três horas originais da obra. A edição que foi aos cinemas em 1963, mutilada, tinha duas horas e meia.
"O Leopardo" conta a história de Fabrizio (Burt Lancaster), príncipe de Salinas durante a revolução que resultou na unificação da Itália, em 1861. A trama é animada por um sobrinho astucioso (Tancredi-Alain Delon) e por sua linda noiva (Angelica-Claudia Cardinale), filha de um burguês emergente.
Aristocrata e comunista, Lucchino Visconti tinha paixão pelos detalhes. Seus cenários são um passeio na história das artes e dos gostos. Visconti foi mais comunista do que aristocrata ao colocar na boca de Salinas a frase "algumas coisas precisam mudar, para continuar as mesmas". Versão requentada de um provérbio francês, ela colou no príncipe.
Salinas nunca disse isso. Se o tivesse dito, sua monumental figura teria sido corroída pelo cinismo dos personagens de autores medíocres. A frase ("Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude") é de seu sobrinho, jovem, insolente e pobre. Nele, vai como uma luva.
"O Leopardo" é uma aula sobre a grandiosidade do atraso em geral e da Sicília em particular. A frase de Salinas é outra, do tamanho da obra-prima de Lampedusa:
"Tudo isso não deveria poder durar; mas vai durar, sempre; o sempre humano, é claro, um século, dois séculos...; e depois será diferente, porém pior".
Ao esplendor do filme, junta-se a existência de uma preciosa tradução de "Il Gattopardo" para o português, feita por Marina Colasanti e publicada em 2000. Parece impossível, mas o livro é melhor que o filme.

Galilula

Alguém fez uma ursada com o companheiro Lula. Submeteram-lhe um texto para a sessão de abertura da Conferência Nacional dos Direitos Humanos que o levou a dizer o seguinte:
"Pobre do país que precisa de heróis para defender a dignidade".
Em casos assim, é sempre bom atribuir a autoria do conceito ao seu verdadeiro dono. O teatrólogo alemão Bertolt Brecht botou a seguinte frase na boca de Galileu Galilei, em 1943:
"Infeliz da terra que precisa de heróis".
A ursada causou um dano posterior. Menos de um mês depois, num improviso, Lula revelou que adora heróis.

Mau começo

O novo embaixador americano no Brasil, John Danilovich, desembarcou em Brasília pisando em duas bolas ao mesmo tempo.
Armou sua agenda de um jeito que seu primeiro compromisso público acontecerá amanhã no ninho tucano. Participará de um seminário, no Instituto Fernando Henrique Cardoso, sobre as relações do Brasil com os Estados Unidos.
Num discurso protocolar, Danilovich repetiu que os Estados Unidos foram a primeira nação a reconhecer o Brasil como Estado independente.
Errado. Graças ao embaixador Alberto da Costa e Silva e ao seu soberbo livro "Um Rio Chamado Atlântico - A África no Brasil e o Brasil na África", sabe-se que o primeiro país a reconhecer o Brasil foi o Benin. Como a história de Pindorama é contada de forma a manter os negros na senzala, fica-se com a idéia de que o primeiro reconhecimento veio do presidente americano James Monroe, branco de olhos azuis. Esse lugar é dos obás Osenwede, o rei sagrado do Benin, e Osinlokun, de Lagos, grande centro de tráfico de escravos.

Cabeça barata

O PT Federal está entregando a cabeça de Jorge Bittar, candidato a prefeito do Rio, ao PFL. Ele não teve direito à bandeja de cobre indiano com que o PSDB entregou a cabeça da deputada Denise Frossard. Bittar será servido em bandeja de papel laminado.

Ouviu primeiro

O doutor Rodrigo Azevedo, novo diretor de Política Monetária do Banco Central, ganhou seu diploma na Universidade de Illinois. Seu chefe, Henrique Meirelles, presidiu o BankBoston. Dois de seus futuros colegas de diretoria se formaram nos Estados Unidos. Alexandre Schwartzman se doutorou em Berkeley e Eduardo Loyo, em Princeton.
Os quatro poderiam se reunir e responder à seguinte pergunta:
o que aconteceria ao economista-chefe de um banco americano que se metesse na seguinte situação:
1) No domingo, a Casa Branca telefona para a sua casa, sondando-o para ocupar um importante cargo na administração financeira do país.
2) Na segunda-feira, o boletim eletrônico de seu banco (Credit Suisse First Boston), com edição em inglês, informa que, se viesse a ocorrer uma mudança na diretoria do Banco Central, o presidente estaria inclinado a escolher "alguém que apóie totalmente a orientação da atual política econômica". Esse boletim tem a assinatura do economista sondado no telefonema de domingo.
Para benefício do doutor Rodrigo, é muito provável que o artigo já estivesse escrito quando ocorreu a sondagem.
Para malefício do doutor Rodrigo, ele poderia ter retirado o artigo do boletim com meia dúzia de telefonemas e comandos de computador.
No Estados Unidos, na melhor das hipóteses, o doutor Rodrigo continuaria no seu cargo de economista-chefe do CSFB.


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