São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2004

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ANÁLISE

O clássico copo meio cheio, meio vazio

DO COLUNISTA DA FOLHA

É preciso levar em conta a evolução das negociações comerciais globais para matizar o sucesso ontem alcançado em Genebra.
A Conferência Ministerial da OMC, máxima instância da instituição, ao se reunir em Doha, em 2001, marcou para fevereiro de 2003 a definição das modalidades da negociação agrícola, o item principal para o Brasil e que vinha emperrando qualquer avanço. "Modalidades" é uma espécie de pré-negociação, que define seus contornos, mas não os resultados.
O prazo foi ultrapassado sem sequer uma aproximação entre os países ricos que são os que protegem fortemente seus agricultores, doando-lhes algo em torno de US$ 1 bilhão por dia, e os grandes exportadores agrícolas, como o Brasil. Em setembro de 2003, novo fracasso, em Cancún.
O que se alcançou agora em Genebra é o que deveria ter sido concluído há 17 meses. Caso clássico em que se pode dizer que o copo está meio vazio (devido ao atraso) ou meio cheio (porque o risco era de que mais um prazo fosse ultrapassado sem acordo).
Vai mais ou menos nessa linha o próprio chanceler brasileiro, Celso Amorim, em declarações à agência France Presse: "Melhoramos muito em relação a ontem [sexta-feira] e ao primeiro projeto esboço da OMC [de 16 de julho]". Conforme o ângulo que se olhe, o copo pode estar mais vazio que cheio. Afinal, o atraso na negociação das modalidades (agora rebatizadas para "framework" ou moldura) vai impedir que se cumpra o prazo (janeiro de 2005) para a conclusão total das negociações, conforme definido em Doha.
O acordo de ontem assume oficialmente que o prazo não será cumprido, ao jogar para maio de 2005 o prazo para apresentação de ofertas melhoradas em serviços. Por isso, o ministro Amorim usa apenas "satisfatório" para classificar o acordo, o que é natural: "Em alguns pontos avançamos 20%, em outros 70% e em outros 90%". Para um país que ambicionava 100%, pelo menos em agricultura, o copo fica mesmo meio vazio, mas mais cheio do que nas duas outras grandes negociações em que o Brasil está envolvido (Área de Livre Comércio das Américas e União Européia/ Mercosul, em que os impasses permanecem fortes). Fracassar também na OMC era um risco que a diplomacia brasileira não poderia correr. Sob esse aspecto, o copo pode até ser dado como mais cheio que vazio. (CR)


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