São Paulo, domingo, 01 de setembro de 2002

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ESTIAGEM

Falta de chuvas gera perda de até 95% da safra e agrava fome na região
Seca acentua o trabalho infantil e os saques no NE

FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, NO PIAUÍ

A seca que atinge o Nordeste começa a expor os mais graves efeitos produzidos pela distorção social no país: o aumento do trabalho infantil e os saques em escolas e creches localizadas nos bolsões de miséria da região.
A situação é grave e tende a piorar no semi-árido do Piauí, Estado mais atingido pela estiagem, com 194 dos seus 222 municípios em estado de emergência. Os barreiros -pequenos reservatórios escavados na terra- estão secando, e a previsão é que, sem chuva, a água acabe em 20 dias.
O gado e pequenos animais já estão morrendo de sede e de fome, sem pasto ou folhagens.
Nas regiões mais afetadas pela falta de chuva, a perda da safra chegou a 95%, segundo a Defesa Civil. Sem colheita, a comida também está acabando. A macambira, um tipo de cacto com bulbo fibroso, virou opção de alimento.
Nas escolas da zona rural, a evasão de alunos cresce e preocupa os educadores. Não há estatísticas oficiais, mas há constatações pontuais de que crianças estão trocando as salas de aula pelo trabalho para ajudar as famílias.
Na escola municipal João Leandro da Costa, em Monsenhor Hipólito, a 400 km de Teresina, por exemplo, o número de estudantes caiu de 100 para 80 desde o agravamento da seca, segundo a presidente do conselho escolar, Maria Angelita de Sá.
"Já fizemos uma reunião com os pais, pedimos que mantivessem os filhos estudando, mas não adiantou", disse. "Eles dizem que precisam comer, e aí nós não podemos exigir nada", afirma.
Alguns meninos seguem os pais, que migram atrás de serviço. Quem fica em casa é obrigado a carregar baldes d'água ou tocar rebanhos por até nove quilômetros até os reservatórios.
Meninas de 12 anos, como Sidnéia, inscrita no Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) da cidade e recebe R$ 25 por mês para estudar, trabalham como empregadas domésticas.

R$ 2 a R$ 4
Nas rodovias que cortam o interior do Estado, meninos de dez a 14 anos passam o dia com uma pá nas mãos, tapando buracos com areia em troca de moedas jogadas dos carros em movimento.
Há três meses trabalhando com dois amigos de 14 anos em um trecho da BR-316, Juvenal Manoel de Almeida, 11, diz querer ajudar os pais, lavradores desempregados. Pelo serviço, o garoto ganha de R$ 2 a R$ 4 após oito horas de trabalho. "Levo o dinheiro para minha mãe comprar comida", disse ele, que afirma não prestar atenção às aulas noturnas que frequenta pelo cansaço.
Com a fome, vêm os saques. Em Monsenhor Hipólito, duas escolas municipais, uma creche e a sede do Peti foram invadidas por grupos de famintos nos últimos 30 dias. Um caminhão carregado de frango também foi saqueado.
Na escola Angelo Maria Bezerra, localizada na zona rural, os saqueadores levaram a merenda que atenderia os 300 alunos por um mês. Antes de sair, ainda deixaram um recado na parede da cozinha, escrito com uma bolacha recheada: "Pegamos só a comida porque estamos com fome".
Para a Fetag (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Piauí ), os saques tendem a se disseminar no Estado a partir de setembro, quando o período de estiagem entra em seu auge.
O coordenador do programa emergencial de combate à seca da Secretaria da Defesa Civil do Piauí, Raimundo José Nogueira, disse que o risco de "convulsão social é grande" e que o Estado já autorizou a contratação de 80 carros-pipa para as áreas críticas.
Segundo ele, cerca de 1 milhão dos 2,84 milhões de habitantes do Piauí estão sob a situação de emergência. Os R$ 3 milhões prometidos pelo governo federal ainda não foram liberados.


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