São Paulo, domingo, 01 de setembro de 2002

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GOVERNADORES

MATO GROSSO DO SUL

Ministério Público pesquisou ligação do governador com um grupo especializado em roubo de veículos

Elo de Zeca do PT com quadrilha é investigado

FABIANO MAISONNAVE
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CAMPO GRANDE

Relatório reservado do Ministério Público de Mato Grosso do Sul requisita a investigação da suposta ligação do governador do Estado, José Orcírio dos Santos, o Zeca do PT, e integrantes do núcleo de poder no Estado com membros de uma quadrilha de policiais especializada em roubo e receptação de veículos.
O pedido foi feito à Procuradoria Geral da República após dois anos de investigação sobre a quadrilha, em 18 de fevereiro deste ano, e ainda está parado em Brasília.
Zeca é candidato à reeleição e, segundo pesquisas, pode ser o único petista a se eleger no primeiro turno nos Estados -Jorge Viana (AC) seria outro, mas sua candidatura depende de análise do Tribunal Superior Eleitoral. Zeca não comentou o caso, mas a assessoria do governo classificou o caso de "eleitoral".
As ligações surgiram durante as investigações do chamado caso DOF, realizadas entre 2000 e 2001 pela comissão de promotores que assina o relatório. São eles Luis Alberto Saffraider, Humberto Lapa Ferri, Edgar Roberto Lemos de Miranda e Paulo Cezar Zeni.
O caso DOF empresta seu nome da sigla do Departamento de Operações de Fronteira, órgão policial que cobre os 1.500 quilômetros que dividem Mato Grosso do Sul do Paraguai e da Bolívia.
A investigação resultou na condenação de 29 pessoas, das quais 17 são policiais, entre militares, civis e rodoviários federais.
Os documentos levantados pela comissão indicam o envolvimento direto de membros da quadrilha com várias pessoas do círculo de confiança de Zeca: o ex-secretário de Segurança Pública Franklin Masruha, o ex-procurador-geral do Estado Wilson Loubet, seu advogado José Valeriano S. Fontoura e o desembargador Horácio Pithan, nomeado pelo governador em 2000.

O governador
Segundo o relatório, além da influência por meio de aliados e subordinados, três fatos ligam diretamente Zeca à quadrilha.
O mais relevante é o relacionamento do governador com Adão Leite, um dos criminosos mais conhecidos do Estado nos últimos anos, morto recentemente.
Suspeito de participação em dois assassinatos, um deles ligado ao caso DOF, Adão Edemilson Leite de Morais foi a principal testemunha de Zeca e de Wilson Loubet, então no cargo de procurador-geral, em uma representação que os dois moveram em 2000 por calúnia, injúria e difamação contra o presidente da Associação dos Procuradores do Estado, Norton Camatte.
O processo começou por sugestão do próprio Adão Leite, que foi cliente de Loubet e, segundo os promotores, conhecia havia muitos anos o governador. Camatte teria dito a ele que "tinha dois trunfos" contra Zeca e Loubet.
A representação foi arquivada em 28 de março de 2001. Poucos dias antes, no dia 5 do mesmo mês, Leite fora morto pela polícia durante uma troca de tiros em Porto Murtinho (MS), terra natal de Zeca, junto ao Paraguai.
A polícia tem fortes indícios de que Leite estava diretamente ligado à quadrilha do caso DOF, sobretudo por seu relacionamento com o comandante da unidade, coronel Sebastião Garcia, de quem foi uma de suas principais testemunhas e a quem visitava frequentemente na prisão.
Ele é também suspeito de ter sido o mandante da tentativa de assassinato de um rapaz de 15 anos, testemunha-chave do caso DOF por ter sido sequestrado pela quadrilha. Ele só escapou porque foi confundido com um vizinho, que acabou sendo morto a tiros.
Quando morreu, Leite respondia a processo por lesão corporal e resistência e era suspeito da morte de um delegado em 2001.
Ele já tinha uma condenação, por apropriação indébita de um revólver, em 98. Seus advogados no pedido de habeas corpus foram Loubet e o Pithan.
Há duas outras citações diretas. Primeiro, o DOF é subordinado diretamente ao secretário e ao governador, passando por cima da PM e da Polícia Civil.
Segundo, são arroladas declarações de Zeca criticando o rigor da investigação sobre o DOF e defendendo suas indicações.

O coronel e o major
A chave da investigação são o ex-comandante do DOF, coronel da PM Sebastião Otímio Garcia Silva e o ex-subcomandante da unidade, major da PM Marmo Marcelino Vieira de Arruda, ambos nomeados por Zeca. Principais líderes da quadrilha, foram condenados no fim de 2001 a mais de 20 anos de prisão cada.
Antes de serem nomeados por Zeca, em 99, os dois oficiais já tinham problemas com a Justiça. O coronel respondia a um processo por agiotagem em que era acusado por 92 pessoas. Ele foi condenado, mas a pena prescreveu.
Nos primeiros meses do caso DOF, o advogado de Garcia foi José Valeriano S. Fontoura, que atua em causas pessoais de Zeca e é o principal advogado do PT no Estado. Homem de confiança de Zeca, tem sua autorização para atuar nos bastidores políticos.
Os promotores descobriram que o coronel Garcia tinha registrado em seu nome um automóvel Jeep Grand Cherokee, ano 97, que era usado por Fontoura.
Já o major Marmo tinha uma lista de processos mais extensa, que incluía até uma acusação de formação de quadrilha.
Para se defender, segundo o relatório, o major contava com um advogado experiente: o ex-procurador-geral do Estado, Wilson Vieira Loubet, sócio de um escritório de advocacia de Horácio Pithan, hoje desembargador do Tribunal de Justiça.
Como desembargador, Pithan tomou a decisão mais polêmica do caso DOF, que levou os promotores escrever o relatório: em 30 de janeiro deste ano, foi relator e votou a favor do habeas corpus ao major Marmo mesmo depois que ele ter sido condenado a 20 anos por sequestro.
Além de Marmo, recebeu habeas corpus um tenente. Foram os primeiros habeas corpus concedidos pelo Tribunal de Justiça a envolvidos no escândalo, dentre mais de uma centena de pedidos.
Outra coincidência: consta no relatório que coube a Fontoura a sustentação oral do pedido de habeas corpus de Marmo e Nerion, já que seu advogado formal, Mário Sergio Rosa, estava preso por causa de uma condenação por tráfico de drogas. Em entrevista à Agência Folha, Rosa confirmou que estava detido, mas nega que Fontoura tenha feito a defesa.
Contraditoriamente, de acordo com os promotores, na mesma sessão não foram concedidos habeas corpus a três réus-colaboradores, um deles com a pena de apenas três anos e dois meses.
A decisão foi classificada de "absurda" pelo subprocurador da República Wagner Gonçalves, que acompanha pelo Ministério Público Federal os pedidos de habeas corpus do caso que chegam ao Superior Tribunal de Justiça.
"Fizemos uma sustentação demonstrando o absurdo de soltá-los e o risco que os promotores passariam a correr."

O secretário
Também chamou a atenção dos promotores a ligação pessoal do cabo da PM lotado no DOF Manoel João de Figueiredo com o então secretário de Segurança Pública e deputado estadual (PDT), Franklin Masruha, que em 2001 foi nomeado por Zeca conselheiro do Tribunal de Contas.
Nos autos do processo, consta que o cabo Figueiredo trabalhava na fazenda de Masruha e que ele chegou a usar uma camionete sua durante o sequestro de um adolescente de 15 anos, em 2000.
Outro episódio citado no relatório ocorreu em 14 de julho de 2000. Naquele dia, Masruha pediu a transferência de três réus-colaboradores de uma delegacia para o sistema penitenciário. O pedido de Masruha, negado, foi reforçado por Fontoura, que não era advogado de nenhum dos três, mas do próprio coronel.
Diz o relatório: "Nunca foi da alçada do senhor secretário de Estado de Segurança Pública requerer a juiz transferência de preso (...). Ademais, [os colaboradores" tornar-se-iam, por óbvio, presas fáceis de qualquer atentado".
No fim do texto, que inclui mais de mil páginas de documentação em anexo, a comissão pede que sejam investigadas as "muitas coincidências" e solicita proteção da PF "uma vez que a cúpula da quadrilha tem ligações com pessoas do primeiro escalão do governo do Estado de Mato Grosso do Sul, que comanda as polícias".


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