São Paulo, Sexta-feira, 01 de Outubro de 1999
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CELSO PINTO

O FMI e os "jornalistas amadores"

Washington - O suposto "novo FMI" com preocupações sociais significa que acabou-se a crença nos princípios liberais do chamado "Consenso de Washington"?
"Só os jornalistas amadores entenderam assim", respondeu ontem o diretor-gerente do FMI, Michel Camdessus, dando uma boa risada. Dada a versão equivocada e exagerada, no Brasil, sobre este "novo FMI", ontem houve uma profusão de esclarecimentos.
Camdessus, seu braço direito, Stanley Fischer, e a diretora-adjunta do Departamento de Hemisfério Ocidental, Teresa Ter-Minassiam (que negocia o programa brasileiro), passaram exatamente a mesma mensagem. O programa brasileiro já embute uma ênfase em programas sociais, especialmente em educação e saúde, e não há nenhuma razão para reabri-lo.
"Nós sempre pensamos em dar mais ênfase em gastos sociais, mas respeitado o contexto de controle fiscal", disse Ter-Minassiam à coluna. "A única coisa diferente que aconteceu nesta reunião é que, no caso dos países (de extrema pobreza) que terão parte de sua dívida perdoada, será feito um esforço para dirigir os recursos poupados para a área social", explicou. "De resto, não mudou nada no FMI".
Além deste programa para países muito pobres a ser desenhado junto com o Banco Mundial, Camdessus acha que, nesta reunião, conseguiu "colocar a pobreza como uma questão permanente, urgente na agenda da comunidade financeira internacional". Os países membros "reconheceram que a pobreza e a justiça social são ingredientes chave no contexto da formulação das políticas nacionais". Na entrevista à imprensa, ele disse não achar necessário incluir metas sociais entre as condicionalidades dos programas do FMI, uma questão polêmica.
Na prática, nada disso tem a ver com uma "guinada no FMI", mas com seu esforço de incorporar, junto com o Bird, uma "dimensão social" como pilar da "nova arquitetura financeira mundial". Não há consenso entre os países sobre como ou quando fazer isso, mas está claríssimo que não muda um milímetro as prioridades do fundo em relação ao ajuste fiscal e das contas externas, a partir de reformas liberais.
Aliás, Camdessus voltou a defender a liberalização dos fluxos de capitais, feita de forma cuidadosa e voluntária. A análise feita pelo FMI das experiências de controle da capital, disse, mostram que elas "não são tão boas quanto dizem".
Em parte, a ênfase na pobreza foi um exercício de relações públicas do FMI, submetido a fortíssimas críticas nos últimos dois anos. Aparentemente, só funcionou no Brasil. O "novo FMI social" foi um assunto virtualmente inexistente na imprensa americana e européia.
A verdade é que continuou a não haver consenso, nesta reunião, para as questões mais controversas da "nova arquitetura financeira". O FMI continua a sinalizar apoio tanto para o câmbio flutuante, quanto para o câmbio fixo do "currency board" e Fischer, numa entrevista ao colunista, disse que a dolarização "é uma idéia muito interessante". A liberalização do fluxo de capitais continua dividindo opiniões.
O ponto mais polêmico são as formas de envolver o setor privado em pacotes de resgate de países em crise. O FMI e o Tesouro americano foram duros no caso do Equador, deixando a moratória acontecer sem organizar um amplo pacote de resgate. É um sinal de que o princípio valerá também para países maiores? O mercado acha que não e o próprio FMI insistiu em dizer que esta questão tem que ser tratada "caso a caso". Ou seja, quando vier a próxima crise (e ela, sem dúvida, virá), as incertezas continuarão as mesmas.
Para o Brasil, a reunião foi positiva. Continuam a haver dúvidas e preocupações, especialmente políticas, mas parece que, pela primeira vez em muito tempo, parecia haver um clima de mais confiança de que o ajuste fiscal será feito, isso pelo menos até a desastrosa decisão ontem do STF derrubando a contribuição dos inativos. Comparado ao clima de pânico da reunião do ano passado, foi uma melhora e tanto.
A Argentina também saiu-se relativamente bem, o que é uma boa notícia para o Brasil. Diminuiu a ansiedade sobre uma mudança no regime de conversibilidade do câmbio. José Luis Machinea, provável futuro ministro da Fazenda do candidato favorito à presidência, Fernando De La Rua, explicou porque: 90% da dívida pública e 75% da privada são em dólares, portanto o custo fiscal de uma desvalorização seria insuportável.
Está claro, contudo, que o novo governo argentino terá que fazer um enorme ajuste fiscal. Machinea disse que, considerando o impacto da privatização e de medidas fiscais temporárias, o déficit neste ano não será de US$ 5,5 bilhões (uns 3% do PIB), como diz o governo, mas US$ 8,7 bilhões. A meta do novo governo é reduzi-lo para US$ 4,5 bilhões em 2.000, o que exigirá medidas duras. A incerteza, entre os bancos, diminuiu, mas não desapareceu.
De forma geral, contudo, a mensagem desta reunião foi que o mundo, incluindo Ásia, Europa e América Latina, vai crescer mais no próximo ano e que o pior da crise já passou. Tomara que, pelo menos desta vez, o FMI tenha razão.


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