São Paulo, sábado, 01 de outubro de 2005

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DIPLOMACIA

Carta só foi assinada depois de acordada retomada de debates em 90 dias

Chávez critica declaração de cúpula e deixa Lula irritado

LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

ANA FLOR
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A primeira reunião de cúpula da Comunidade Sul-Americana de Nações, que ocorreu em Brasília, acabou com uma discussão pública entre seus principais entusiastas, o Brasil e a Venezuela, o que, na prática, pôs sob risco os resultados do encontro entre 12 países.
O desentendimento ocorreu quando o presidente venezuelano, Hugo Chávez, sinalizou que não assinaria a Declaração de Brasília, ameaçando, por minutos, derrubar os esforços brasileiros pela integração. "Não vou assinar. Estamos começando muito mal aqui", disse, diante de seis chefes de Estado e de outros cinco representantes de países, em reunião transmitida ao vivo por rádios e TVs da América do Sul.
A surpresa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do chanceler Celso Amorim foi grande, já que Chávez vinha demonstrando empolgação com a reunião, ao contrário de outros chefes de Estado. Os presidentes da Argentina e do Paraguai reservaram poucas horas para o evento. O presidente do Uruguai não compareceu.
Chávez só voltou atrás e decidiu assinar a declaração depois de ouvir pedidos acalorados e irritados de Lula, do presidente Alejandro Toledo (Peru) e de Amorim. Mesmo assim, somente o fez sob a condição de que os debates sejam retomados em 90 dias, quando ocorrerá uma cúpula do Mercosul para a qual os membros da CAN (Comunidade Andina de Nações) estão convidados.
O presidente venezuelano reclamou da falta de avanços concretos na estruturação institucional do bloco, e chegou a dizer que seu país não participou da discussão de pontos do documento. "Desse jeito, teremos alguma coisa concreta no ano 2200", disse Chávez.
O que se seguiu foi uma negociação diplomática tensa. Primeiro, Lula reagiu de forma dura: "A prevalecer a posição do presidente Chávez, nós sairemos daqui paralisados como chegamos". A seguir, fez a proposta de aprovar pontos comuns da declaração e reexaminar, num prazo de 90 dias, os pontos polêmicos.
Em argumentação desesperada, Celso Amorim pediu um voto de confiança ao Brasil e afirmou que a Carta de Brasília não é um tratado, mas uma declaração política provisória.
"Essa é uma declaração quase provisória, não damos esse nome para não tirar sua força, mas, na realidade, é isso", disse. Na tentativa de mudar a posição de Chávez, Amorim se dirigiu ao venezuelano primeiro em português e, depois, em espanhol.
Já Toledo insistiu para que os líderes não entrassem em confrontos, que "não ajudam na integração". Mas, de pronto, foi rebatido com a afirmação de Chávez de que "o que faz muito dano à integração é a falta de um debate". A Amorim disse que não afirmara que seu país não confia no Brasil, mas que "temos o direito de deixar nosso ponto de vista claro". "Só não podemos dar por aprovada uma institucionalidade."
Por fim, Chávez afirmou concordar com a argumentação de "seu amigo" Lula e aceitou assinar o texto. Encerrada a reunião, os dois presidentes almoçaram juntos no Itamaraty.

Fala acalorada
Antes, em discurso de quase 50 minutos, Chávez criticou a cúpula. "Não se falou nem por um minuto na verdadeira causa da falta de segurança na América Latina, a pobreza e a miséria. Quantas crianças famintas temos na América Latina, que a essa hora ainda não tomaram café? São milhões."
Chávez já havia dito que se opunha ao nome escolhido ("a Venezuela queria que se chamasse Unasul -União de Repúblicas da América do Sul") e destacado a falta de definição de uma estrutura institucional para o bloco. "Se não definirmos a estrutura logo", disse, "podemos estar matando a criança antes dela nascer".
Ele voltou a citar o economista brasileiro Celso Furtado e repetiu uma frase dita na véspera: "Trincheiras de idéias valem mais que trincheiras de pedras". Foram fartas as críticas ao modelo neoliberal, cuja prática, segundo Chávez, "condenaria nossa região ao fracasso, e nosso povo seguiria de abismo em abismo". Alfinetando os Estados Unidos, voltou a dizer que o governo americano quer matá-lo e chamou os EUA de "protetores de terroristas".


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