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DIPLOMACIA
Carta só foi assinada depois de acordada retomada de debates em 90 dias
Chávez critica declaração de cúpula e deixa Lula irritado
LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
ANA FLOR
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A primeira reunião de cúpula da
Comunidade Sul-Americana de
Nações, que ocorreu em Brasília,
acabou com uma discussão pública entre seus principais entusiastas, o Brasil e a Venezuela, o que,
na prática, pôs sob risco os resultados do encontro entre 12 países.
O desentendimento ocorreu
quando o presidente venezuelano, Hugo Chávez, sinalizou que
não assinaria a Declaração de
Brasília, ameaçando, por minutos, derrubar os esforços brasileiros pela integração. "Não vou assinar. Estamos começando muito
mal aqui", disse, diante de seis
chefes de Estado e de outros cinco
representantes de países, em reunião transmitida ao vivo por rádios e TVs da América do Sul.
A surpresa do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e do chanceler
Celso Amorim foi grande, já que
Chávez vinha demonstrando empolgação com a reunião, ao contrário de outros chefes de Estado.
Os presidentes da Argentina e do
Paraguai reservaram poucas horas para o evento. O presidente do
Uruguai não compareceu.
Chávez só voltou atrás e decidiu
assinar a declaração depois de ouvir pedidos acalorados e irritados
de Lula, do presidente Alejandro
Toledo (Peru) e de Amorim. Mesmo assim, somente o fez sob a
condição de que os debates sejam
retomados em 90 dias, quando
ocorrerá uma cúpula do Mercosul para a qual os membros da
CAN (Comunidade Andina de
Nações) estão convidados.
O presidente venezuelano reclamou da falta de avanços concretos na estruturação institucional
do bloco, e chegou a dizer que seu
país não participou da discussão
de pontos do documento. "Desse
jeito, teremos alguma coisa concreta no ano 2200", disse Chávez.
O que se seguiu foi uma negociação diplomática tensa. Primeiro, Lula reagiu de forma dura: "A
prevalecer a posição do presidente Chávez, nós sairemos daqui paralisados como chegamos". A seguir, fez a proposta de aprovar
pontos comuns da declaração e
reexaminar, num prazo de 90
dias, os pontos polêmicos.
Em argumentação desesperada,
Celso Amorim pediu um voto de
confiança ao Brasil e afirmou que
a Carta de Brasília não é um tratado, mas uma declaração política
provisória.
"Essa é uma declaração quase
provisória, não damos esse nome
para não tirar sua força, mas, na
realidade, é isso", disse. Na tentativa de mudar a posição de Chávez, Amorim se dirigiu ao venezuelano primeiro em português e,
depois, em espanhol.
Já Toledo insistiu para que os líderes não entrassem em confrontos, que "não ajudam na integração". Mas, de pronto, foi rebatido
com a afirmação de Chávez de
que "o que faz muito dano à integração é a falta de um debate". A
Amorim disse que não afirmara
que seu país não confia no Brasil,
mas que "temos o direito de deixar nosso ponto de vista claro".
"Só não podemos dar por aprovada uma institucionalidade."
Por fim, Chávez afirmou concordar com a argumentação de
"seu amigo" Lula e aceitou assinar o texto. Encerrada a reunião,
os dois presidentes almoçaram
juntos no Itamaraty.
Fala acalorada
Antes, em discurso de quase 50
minutos, Chávez criticou a cúpula. "Não se falou nem por um minuto na verdadeira causa da falta
de segurança na América Latina,
a pobreza e a miséria. Quantas
crianças famintas temos na América Latina, que a essa hora ainda
não tomaram café? São milhões."
Chávez já havia dito que se opunha ao nome escolhido ("a Venezuela queria que se chamasse
Unasul -União de Repúblicas da
América do Sul") e destacado a
falta de definição de uma estrutura institucional para o bloco. "Se
não definirmos a estrutura logo",
disse, "podemos estar matando a
criança antes dela nascer".
Ele voltou a citar o economista
brasileiro Celso Furtado e repetiu
uma frase dita na véspera: "Trincheiras de idéias valem mais que
trincheiras de pedras". Foram fartas as críticas ao modelo neoliberal, cuja prática, segundo Chávez,
"condenaria nossa região ao fracasso, e nosso povo seguiria de
abismo em abismo". Alfinetando
os Estados Unidos, voltou a dizer
que o governo americano quer
matá-lo e chamou os EUA de
"protetores de terroristas".
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