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ENTREVISTA DA 2ª/HALEH ESFANDIARI
Detida por três meses em Teerã sem acusação, a acadêmica iraniana que vive nos EUA fala do futuro de seu país
Mudança virá de dentro, diz ex-prisioneira
Presa por mais de três meses em Evin (Teerã), enfrentando interrogatórios diários, mas sem acusação formal, a iraniana Haleh Esfandiari, 67, conta como foi
sua vida nesse período. Diretora do programa para o
Oriente Médio do prestigioso Wilson Center, em
Washington, ela ouvia de seus interrogadores que era
uma espiã a serviço do governo norte-americano, enviada ao país para organizar uma "revolução de veludo". A acadêmica fala ainda da polêmica visita do presidente Mahmoud Ahmadinejad à Universidade Columbia, em Nova York, na semana passada.
SÉRGIO DÁVILA
Da janela de sua cela na temível ala dos prisioneiros políticos da penitenciária Evin, em
Teerã, Haleh Esfandiari, 67,
conseguia ver um pedaço do
céu. Na terceira vez que percebeu que era noite de Lua cheia,
soube que havia passado mais
de três meses na solitária [entre 8/5 e 23/8], sem ter sido
acusada formalmente por nenhum crime e enfrentando interrogatórios diários que duravam de duas a três horas.
Diretora do programa para o
Oriente Médio do Wilson Center, um renomado "think
tank"", como são chamados esses centros de estudo nos EUA,
e autora de "Reconstructed Lives - Women and Iran's Islamic
Revolution" (Vidas Reconstruídas - As Mulheres e a Revolução Islâmica do Irã), a acadêmica acabava de visitar a mãe
no Irã e se dirigia ao aeroporto,
quando foi "supostamente assaltada", como diz, e teve os documentos roubados.
Ao tentar tirar passaporte
novo, foi presa, em 8 de maio.
Seus interrogadores diziam
que ela era uma espiã a serviço
do governo norte-americano e
que tinha ido ao país organizar
uma "revolução de veludo", incitar a oposição ao regime dos
aiatolás a mudar o governo. "Eu
nunca tinha ouvido esse termo", disse ela à Folha na semana passada, recém-chegada a
Washington, onde mora e trabalha e para onde voltou depois
de 105 dias presa.
Na entrevista, Esfandiari fala
sobre mulheres detidas por
usarem roupas muito ocidentais, reage à visita de Mahmoud
Ahmadinejad a Nova York, comenta o programa nuclear iraniano e responde às críticas feitas a instituições que recebem
dinheiro do governo dos EUA
para ajudar a promover mudanças de regime em outros
países -o que não é o caso de
seu programa.
E diz se há lugar, hoje, para
uma "revolução de veludo" no
Irã.
FOLHA - A sra. nunca foi acusada
oficialmente, mas membros do governo iraniano afirmaram que a sra.
estava organizando uma "revolução de veludo" lá. Estava?
HALEH ESFANDIARI - Quando os
interrogadores usaram essa expressão pela primeira vez, eu
não tinha a menor idéia do que
estavam falando. De verdade.
Eu disse: "Revolução de veludo? O que é isso?". Eles acharam que eu estava sendo sarcástica ou irônica. Quando viram que não, me deram os
exemplos da Ucrânia e da
Geórgia. Respondi: "Mas pensei que a da Ucrânia era a Revolução Laranja".
Eu visitava minha mãe, que
vive em Teerã. E o fato é que
nem tenho tanto interesse no
Irã. No programa que dirijo, lidamos com todo o Oriente Médio. Ou seja, já há países e problemas suficientes.
FOLHA - Ainda assim, a sra. vê lugar para uma mudança de regime
desse tipo no Irã?
ESFANDIARI - Não, não uma revolução com envolvimento de
agentes externos. Se houver
uma mudança no Irã, será como aconteceu no período de
Khatami [presidente de 1997 a
2005]: uma abertura da sociedade vinda de dentro do próprio país, e não uma mudança
de regime.
Se você estudar a história da
Revolução Islâmica, verá que
houve certa abertura sob Rafsanjani [1989-1997], então uma
maior com Khatami, uma unidade maior dos grupos diferentes e até uma unidade no país.
Mas é um ciclo, abertura, recrudescimento, abertura. Assim, creio que a mudança virá
de uma abertura, mais do que
de uma mudança drástica.
FOLHA- A sra. teve bastante contato com as mulheres. Elas são felizes
sob o regime atual?
ESFANDIARI - As mulheres iranianas lutaram por direitos
iguais, acharam que a Revolução lhes daria todos os direitos
que não tinham no Irã pré-revolucionário.
Esperavam que as leis familiares evoluíssem, que elas teriam direito a se divorciar -e
não só os homens-, que a idade
mínima permitida para a mulher se casar continuasse se elevando, de 13 anos para 15 anos e
então para 18 anos, que a custódia dos filhos começasse a ser
mais dada às mulheres, não automaticamente aos homens. A
febre revolucionária tomou todo mundo, incluindo as mulheres, de todas as classes.
Mas isso não aconteceu. Elas
não podem se divorciar, a idade
mínima do casamento chegou a
ser reduzida para nove anos
-hoje é de 13.
Socialmente, ainda há várias
restrições. Não podem se misturar ou interagir com homens
em locais públicos, mas interagem. Os ônibus são separados,
mas nos táxis as mulheres sentam ensanduichadas entre dois
homens no banco traseiro.
Em algumas repartições públicas, há mulheres e homens
trabalhando em escritórios diferentes, mas em outros eles
estão juntos. Sinto que os jovens estão insatisfeitos com a
situação, querem mais liberdade, interagir com garotas, então
há muita tensão na sociedade.
FOLHA - Há notícias de ações recentes do governo tentando fazer
valer o rígido código moral islâmico,
como a prisão e, segundo alguns relatos, enforcamento de homossexuais e blitze para apanhar mulheres com cabeça descoberta ou roupas consideradas muito ocidentais.
A sra. viu isso?
ESFANDIARI - Quanto ao enforcamento de homossexuais, não
acompanhei esse assunto, então não sei. Quanto à prisão de
mulheres por conta dos costumes, isso acontece todo verão.
Quando o tempo esquenta,
elas vão às ruas mais descobertas. Mostram mais a cabeça, os
pés, os braços, as canelas.
Então, você volta a ver aquelas minivans nas ruas de Teerã
prendendo garotas que usam
muita maquiagem ou não observam o código de vestimenta.
FOLHA - Seu caso serviu também
para reviver a crítica que se faz ao
governo norte-americano de se utilizar de organizações para promover
mudança de regime, as tais "revoluções de veludo". Qual sua opinião?
ESFANDIARI - Eles acreditam
sinceramente -pelo menos os
meus interrogadores do Ministério de Informação, não sei
quanto ao resto do governo iraniano- que, se o governo norte-americano não quiser mais
ou não puder fazer ou não tiver
mais interesse em um ataque
militar ao Irã, procurará a mudança de regime via a chamada
"revolução de veludo".
E que o instrumento para isso seriam os "think tanks", as
fundações, as universidades, as
conferências que são organizadas no exterior e nos EUA.
Eles acham que qualquer
pessoa que contribua com um
"think tank" ou com uma universidade tem uma intenção
oculta. Eles realmente acreditam que esses lugares, incluído
o Wilson Center, são instrumentos do governo dos EUA.
FOLHA - Qual sua impressão da visita de Mahmoud Ahmadinejad à
Universidade Columbia, na semana
passada?
ESFANDIARI - Não tive tempo de
ler o que ele falou ainda, mas vi
pedaços na TV. Ouvi quando
lhe perguntaram e ele disse que
não há homossexuais no Irã.
Fiquei surpresa com a resposta.
FOLHA - Alguns analistas dizem
que o fato de o presidente iraniano
ter sido maltratado nos EUA só fortalece sua imagem junto ao público
doméstico. A sra. concorda?
ESFANDIARI - Não quero soar como o presidente Ahmadinejad,
mas você acha que ele foi maltratado? É que ele sempre rebate uma pergunta com outra
pergunta. [Risos] Ele conseguiu muita exposição aqui, algumas das perguntas foram duras, outras menos.
De qualquer maneira, se as
pessoas na região acharem que
ele foi maltratado, isso o tornará popular. Mas, se as pessoas
acharem que ele foi habilidoso
ao lidar com as questões duras
que lhe fizeram, ele vai sair como um herói também. Então...
FOLHA - Outra análise feita é que,
ao deixar que Ahmadinejad diga o
que diz, os aiatolás estão desviando
para ele as atenções negativas que,
de outra maneira, seriam direcionadas para si próprios. Nesse sentido, o
presidente não passaria de um instrumento nas mãos dos aiatolás.
ESFANDIARI - Não posso pensar
que o presidente do Irã tenha
tão pouca força assim. Sabemos
que as eleições são controladas,
mas ainda assim... Quando lê
um discurso, ele foi escrito por
alguém, passou por vários órgãos e chega com a aprovação
provavelmente do escritório do
líder [o aiatolá Khamenei].
Por outro lado, questões de
política externa sempre foram
decididas pelo líder, nunca foram prerrogativa do presidente
ou do ministro das Relações
Exteriores, e isso não mudou.
FOLHA - Na última semana, o presidente Lula disse que até agora o Irã
não quebrou nenhuma lei em relação a seu programa nuclear e aceitou todas as decisões da agência da
ONU que regula o tema. É o que a
sra. pensa também?
ESFANDIARI - O tema não é minha especialidade, mas, do pouco que sei, eles realmente não
quebraram nenhuma lei e seguiram todas as regras da agência. Sei também que ao menos
esse programa é apoiado pela
maioria dos iranianos.
O argumento deles é: se os
países vizinhos têm acesso a armas nucleares, como Paquistão, Índia, Israel, por que não o
Irã? Se a população concorda
em alguma coisa, eu diria que é
nessa questão.
FOLHA - Uma acusação freqüente
feita ao Irã é o envolvimento não-oficial no Iraque.
ESFANDIARI - Não creio que o Irã
vá ficar sentando assistindo ao
que está acontecendo no Iraque, porque tudo o que se passa
ali sempre trará conseqüências
para o país. Seja a questão dos
refugiados, seja a dos combatentes estrangeiros tentando
cruzar a fronteira, então há um
interesse natural.
Há também as peregrinações
xiitas, uma grande afinidade
entre xiitas iraquianos e iranianos, principalmente no sul,
também tem havido casamentos entre famílias de clérigos
em ambos os lados. Sempre
houve essa conexão.
Agora, se o Irã está armando
alguns grupos no Iraque, realmente não sei.
FOLHA - A sra. pensa em voltar ao
seu país algum dia?
ESFANDIARI - Ainda não sei, não
quero pensar a respeito. Para ser muito honesta, ainda não consegui bloquear na
minha cabeça essa minha última passagem...
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