São Paulo, quarta-feira, 01 de outubro de 2008

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ELIO GASPARI

"Nosso negócio é salsicha"


A fogueira do papelório queimou a vaidade dos oráculos que falam em nome do Deus-Mercado

TOMARA QUE Nosso Guia esteja certo: "Acabou a era dos economistas governarem o país e voltou a era dos engenheiros". Há nesse desejo uma ponta de simplificação, pois são os economistas encarregados de cuidar do cofre quem arrumam um jeito de pagar as contas das obras dos engenheiros. Mesmo assim, os últimos 50 anos da história brasileira registraram um desprestígio, quase má vontade, em relação aos governantes que fazem coisas. Essa urucubaca foi acompanhada pela sacralização da turma do papelório.
O último tocador de obras transformado em símbolo do progresso nacional foi o veterinário Bernardo Sayão, morto em 1959, enquanto comandava a abertura da estrada Belém-Brasília. (Foi atingido por uma árvore, ou massacrado pelos índios, talvez assassinado pelos peões, sempre punido pelos espíritos da floresta.) Depois dele veio o coronel Mário Andreazza, mas o triunfalismo e as denúncias de corrupção da ditadura tisnaram sua principal obra, a ponte Rio-Niterói.
Nos últimos 50 anos, o Ministério da Fazenda só foi ocupado por industriais em duas ocasiões. Já os banqueiros foram quatro. Desde 1987, quando Dilson Funaro deixou o cargo, nenhum ministro da Fazenda produziu um só prego em toda a vida. O predomínio dos economistas restabeleceu o valor da moeda num quarto de século de crescimento pífio. Durante o tucanato, pela primeira vez na história da República, o Brasil foi administrado por uma ekipekonômica que hostilizava o desenvolvimento econômico. Ao mesmo tempo, a sintonia dessa equipe com a banca fez com que o Departamento de Economia da PUC do Rio tivesse um desempenho estelar. Desde o surgimento da Sorbonne, na Idade Média, nenhum grupo de professores amealhou (dentro da lei e das boas maneiras) patrimônio comparável ao de meia dúzia de seus sábios. Até hoje, nenhum deles produziu um só prego.
O sistema financeiro internacional não vai quebrar, mas acabou-se a sacralização oportunista do chamado "mercado". Sherman McCoy, o papeleiro de "Fogueira das Vaidades" (Tom Hanks, no filme), estragou sua vida quando entrou numa pista errada e acabou no Bronx. Seus similares estragaram a economia americana emprestando dinheiro dos outros para quem não podia pagar o que tomava. (Nos anos 70, fizeram a mesma coisa, mas como os tomadores eram as nações do Terceiro Mundo, quebraram o andar de baixo para salvar o de cima. Agora, querem mandar a conta do resgate de Wall Street para a patuléia que será chamada a eleger o presidente dos Estados Unidos no mês que vem.)
Nos últimos dias, uma das maiores empresas nacionais, a Sadia, candidatou-se ao lugar de símbolo de um tempo que, se não acabou, seria bom que acabasse. Ela fabrica salsichas e presuntos. No primeiro semestre deste ano, exportou R$ 2,6 bilhões. Seus sábios apostaram que o dólar não passaria da cotação de R$ 1,70, ou R$ 1,80. Deu errado, e a firma perdeu R$ 760 milhões em duas semanas.
É na história da própria Sadia que estava o ensinamento capaz de evitar semelhante desastre. Nos anos 70, Attilio Fontana, o fundador da empresa, recebeu uma proposta de dinheiro barato trazida pelo Banco do Brasil. Ele, que transformara uma biboca de comércio de porcos num império industrial, perguntou aos diretores:
- Gente, qual é nosso negócio?
Silêncio.
- Nosso negócio é salsicha.
O empréstimo foi rebarbado, e a Sadia livrou-se de uma boa.


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