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POR QUE PERDEU
Rejeição a Marta e estratégia explicam derrota
Apoios recusados, como o do PMDB, contribuíram para derrocada
Governo e PT, porém, não vêem prefeita como carta fora do baralho
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KENNEDY ALENCAR
EM SÃO PAULO
CHICO DE GOIS
PEDRO DIAS LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
"Cabeça-dura", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a
auxiliares ao falar de reações intempestivas e turronas da prefeita
Marta Suplicy (PT), como recusar
aliança com o PMDB, discutir
com a população e até mesmo bater boca com jornalistas.
Divididos na campanha, em
que a participação foi restrita a
poucos, petistas com assento em
Brasília divergem das lideranças
paulistanas sobre os motivos que
não levaram Marta à vitória.
Fatores locais também pesaram, e muito, para a derrota. A
falta de apoio a vereadores que
não se alinhavam totalmente à
administração, a falta de diálogo
com setores da sociedade, a troca
da militância histórica por cabos
eleitorais pagos e a criação de taxas ajudaram a empurrar a candidata para baixo.
A imagem de arrogante, que colou na prefeita, teve como catalisador final a cena em que ela discutiu com uma dentista, que reclamava das enchentes. A cena foi
ao ar nos principais telejornais
populares, causando irritação na
população e o temor de que o episódio fosse usado na campanha
tucana -e foi.
Vitória política
Porém, em que pese a derrota, o
governo e o PT não consideram
Marta uma carta fora do baralho
político. Pelo contrário. Acham
que ela sai destas eleições municipais com uma espécie de vitória
política. A derrota eleitoral seria
um contratempo, mas o reconhecimento de que "Marta fez" poderá vitaminar futuros projetos, dizem petistas que conversaram reservadamente com a Folha.
Por ora, foi aconselhada a submergir por alguns meses em relação à política nacional, a fim de
pensar com calma na próxima
missão, seja em Brasília, seja na
política paulista ou paulistana.
Uma opção seria a presidência estadual do partido, em 2005.
Tropeços de campanha, como a
prisão de Duda Mendonça numa
rinha de galos a menos de duas semanas da eleição ou uma suposta
desavença entre o marqueteiro e o
marido de Marta, Luis Favre, são
considerados fatores secundários.
Há ainda o reconhecimento de
que Serra, que perdera a eleição
presidencial de 2002, acumulou
um capital político importante
para a sua vitória de agora.
A seguir, momentos e bastidores da campanha petista, como a
decisão de Duda de não ir ao debate da Rede Globo, na última
sexta-feira, por achar que não resistiria a uma eventual provocação a respeito de sua prisão. "Acabo brigando e gerando outro fato
negativo", disse a amigos.
Fatores Locais
Marta, avaliam políticos de São
Paulo, começou a perder a eleição
ainda em 2002. Foi quando foram
enviados à Câmara Municipal
projetos polêmicos, como a criação da taxa de lixo e de iluminação e o Plano Diretor. Ao mesmo
tempo, começou-se a discutir na
cidade a construção dos corredores de ônibus, provocando o protesto de moradores da avenida
Rebouças, por exemplo, que acabaram derrotados em sua intenção de impedir a obra.
Foi na época da criação da taxa
de lixo que Marta ganhou o apelido de "Martaxa", que não a abandonou. A alcunha deveu-se aos
vereadores do PSDB, que chegaram a levar uma faixa ao plenário,
causando confusão.
Quando a campanha estava em
fase de montagem, os petistas
acreditavam que venceriam com
certa facilidade -até a entrada de
Serra no páreo. Montou-se, então,
uma campanha profissional, trocando a tradicional militância por
servidores pagos. Resultado: os
petistas só reapareceram no segundo turno, quando era difícil
reverter a vantagem de Serra.
Além disso, a coordenação
apostou mais nos candidatos a vereador totalmente alinhados à administração do que naqueles que
eram mais "independentes". O
resultado foi a não-eleição de vereadores da Vila Madalena, por
exemplo, o que ocasionou perda
de votos também para Marta.
Os deputados passaram a campanha quase sem ter o que fazer, a
não ser dedicar-se a fazer campanhas para seus candidatos a vereador. No segundo turno, chegou-se a pensar em fazer agendas
para eles, mas isso não foi adiante.
Segundo turno
Na segunda-feira 4 de outubro,
um dia após o primeiro turno das
eleições municipais, Duda pegou
o avião para Brasília. Reuniu-se
em segredo por duas horas e meia
com Lula e os ministros José Dirceu (Casa Civil), Antonio Palocci
Filho (Fazenda) e Luiz Gushiken
(Comunicação de Governo).
"Ficou muito difícil", disse o publicitário ao presidente, que repetiu a frase em conversas após a
reunião. Serra passara à segunda
fase com oito pontos percentuais
de dianteira sobre Marta (43% a
35% dos votos válidos). Duda
avaliava que essa diferença na primeira simulação de segundo turno podia ir além de 15 pontos. E aí
não daria para virar.
Na reunião, acertou-se que o jogo seria duro logo no início -isso
explica as críticas duras ao vice de
Serra, o deputado federal pefelista
Gilberto Kassab. Se reduzisse a diferença para seis pontos em uma
semana de horário eleitoral, talvez
houvesse chance de virada. Do
contrário, seria difícil.
No encontro com Lula, Dirceu,
Palocci e Gushiken, Duda disse
que, se ficasse clara a derrota, a última semana do programa de TV
no horário eleitoral seria mais
"positiva e propositiva", para
Marta sair com uma boa imagem
desta eleição e acumular cacife
para disputas futuras.
Duda e Favre
No dia da reunião secreta em
Brasília, corriam rumores de que
Duda estava na Bahia em crise
com o comando da campanha,
especialmente com Favre. Motivo: atraso do PT no pagamento. A
parte sobre a demora no repasse
de recursos era verdadeira e foi
resolvida logo. As divergências
com o marido da prefeita, Duda
nega. E fora da campanha ele
nunca esteve, apesar de membros
do próprio PT difundirem essa
versão. Nem mesmo quando foi
preso numa rinha de galo no Rio
de Janeiro no último dia 21.
Da Polícia Federal, Duda sugeriu a nota em que Marta se disse
contrária à briga de galo e o substituiu interinamente por Manoel
Canabarro. Ao discutir a nota
com o comando de campanha,
Favre ouviu comentários duros
em relação ao comportamento de
Duda, que expôs Marta a um fato
negativo numa hora ruim. Segundo um dos coordenadores, reagiu: "Não contem comigo para
bater em quem já está no chão".
No passado, houve um momento em que a relação de Duda e Favre não era boa, mas nesta campanha trabalharam unidos. "Duda fez o que quis", contou Favre a
interlocutores.
No primeiro turno, quando
Marta subiu o tom em relação a
Serra, dizendo que poderia haver
crise no país com sua eleição, tal
estratégia foi atribuída ao marido
da prefeita. Mas essa versão não
confere com o que a Folha apurou. O marqueteiro aprovou a estratégia de ataques ao tucano.
Maluf e comédia
Apesar de negado por todas as
partes, um acordo informal entre
o ex-prefeito Paulo Maluf (PP) e o
PT foi feito. Em troca, Maluf pediu proteção política, nos limites
da legalidade, nas investigações
sobre uma fortuna no exterior.
Mas o ex-prefeito cumpriu um
papel de fazer críticas mais duras
ao tucano, o que ajudou a desgastar o ex-ministro da Saúde em alguns momentos.
Nesse contexto, Marta foi poupada do papel de algoz, o que
sempre redunda em aumento não
só de quem é atacado, mas também de quem ataca.
Curiosidade: as negociações para um acerto entre Maluf e PT
avançaram quando o ex-prefeito
fez chegar a petistas que tinha
uma arma infalível para derrotar
Marta caso passasse ao segundo
turno com ela.
Em tom de comédia, criaria no
horário eleitoral uma personagem loura, síndica de um prédio,
que só tomaria decisões após consultar o marido argentino. Mirava
num ponto que também desgastou a prefeita, o do rompimento
do casamento com o senador
Eduardo Suplicy (PT-SP) e a
união com o franco-argentino Favre, apontado como eminência
parda da Prefeitura de São Paulo.
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