São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2004

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POR QUE PERDEU

Rejeição a Marta e estratégia explicam derrota


Apoios recusados, como o do PMDB, contribuíram para derrocada

Governo e PT, porém, não vêem prefeita como carta fora do baralho



KENNEDY ALENCAR
EM SÃO PAULO

CHICO DE GOIS
PEDRO DIAS LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

"Cabeça-dura", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a auxiliares ao falar de reações intempestivas e turronas da prefeita Marta Suplicy (PT), como recusar aliança com o PMDB, discutir com a população e até mesmo bater boca com jornalistas.
Divididos na campanha, em que a participação foi restrita a poucos, petistas com assento em Brasília divergem das lideranças paulistanas sobre os motivos que não levaram Marta à vitória.
Fatores locais também pesaram, e muito, para a derrota. A falta de apoio a vereadores que não se alinhavam totalmente à administração, a falta de diálogo com setores da sociedade, a troca da militância histórica por cabos eleitorais pagos e a criação de taxas ajudaram a empurrar a candidata para baixo.
A imagem de arrogante, que colou na prefeita, teve como catalisador final a cena em que ela discutiu com uma dentista, que reclamava das enchentes. A cena foi ao ar nos principais telejornais populares, causando irritação na população e o temor de que o episódio fosse usado na campanha tucana -e foi.

Vitória política
Porém, em que pese a derrota, o governo e o PT não consideram Marta uma carta fora do baralho político. Pelo contrário. Acham que ela sai destas eleições municipais com uma espécie de vitória política. A derrota eleitoral seria um contratempo, mas o reconhecimento de que "Marta fez" poderá vitaminar futuros projetos, dizem petistas que conversaram reservadamente com a Folha.
Por ora, foi aconselhada a submergir por alguns meses em relação à política nacional, a fim de pensar com calma na próxima missão, seja em Brasília, seja na política paulista ou paulistana. Uma opção seria a presidência estadual do partido, em 2005.
Tropeços de campanha, como a prisão de Duda Mendonça numa rinha de galos a menos de duas semanas da eleição ou uma suposta desavença entre o marqueteiro e o marido de Marta, Luis Favre, são considerados fatores secundários. Há ainda o reconhecimento de que Serra, que perdera a eleição presidencial de 2002, acumulou um capital político importante para a sua vitória de agora.
A seguir, momentos e bastidores da campanha petista, como a decisão de Duda de não ir ao debate da Rede Globo, na última sexta-feira, por achar que não resistiria a uma eventual provocação a respeito de sua prisão. "Acabo brigando e gerando outro fato negativo", disse a amigos.

Fatores Locais
Marta, avaliam políticos de São Paulo, começou a perder a eleição ainda em 2002. Foi quando foram enviados à Câmara Municipal projetos polêmicos, como a criação da taxa de lixo e de iluminação e o Plano Diretor. Ao mesmo tempo, começou-se a discutir na cidade a construção dos corredores de ônibus, provocando o protesto de moradores da avenida Rebouças, por exemplo, que acabaram derrotados em sua intenção de impedir a obra.
Foi na época da criação da taxa de lixo que Marta ganhou o apelido de "Martaxa", que não a abandonou. A alcunha deveu-se aos vereadores do PSDB, que chegaram a levar uma faixa ao plenário, causando confusão.
Quando a campanha estava em fase de montagem, os petistas acreditavam que venceriam com certa facilidade -até a entrada de Serra no páreo. Montou-se, então, uma campanha profissional, trocando a tradicional militância por servidores pagos. Resultado: os petistas só reapareceram no segundo turno, quando era difícil reverter a vantagem de Serra.
Além disso, a coordenação apostou mais nos candidatos a vereador totalmente alinhados à administração do que naqueles que eram mais "independentes". O resultado foi a não-eleição de vereadores da Vila Madalena, por exemplo, o que ocasionou perda de votos também para Marta.
Os deputados passaram a campanha quase sem ter o que fazer, a não ser dedicar-se a fazer campanhas para seus candidatos a vereador. No segundo turno, chegou-se a pensar em fazer agendas para eles, mas isso não foi adiante.

Segundo turno
Na segunda-feira 4 de outubro, um dia após o primeiro turno das eleições municipais, Duda pegou o avião para Brasília. Reuniu-se em segredo por duas horas e meia com Lula e os ministros José Dirceu (Casa Civil), Antonio Palocci Filho (Fazenda) e Luiz Gushiken (Comunicação de Governo).
"Ficou muito difícil", disse o publicitário ao presidente, que repetiu a frase em conversas após a reunião. Serra passara à segunda fase com oito pontos percentuais de dianteira sobre Marta (43% a 35% dos votos válidos). Duda avaliava que essa diferença na primeira simulação de segundo turno podia ir além de 15 pontos. E aí não daria para virar.
Na reunião, acertou-se que o jogo seria duro logo no início -isso explica as críticas duras ao vice de Serra, o deputado federal pefelista Gilberto Kassab. Se reduzisse a diferença para seis pontos em uma semana de horário eleitoral, talvez houvesse chance de virada. Do contrário, seria difícil.
No encontro com Lula, Dirceu, Palocci e Gushiken, Duda disse que, se ficasse clara a derrota, a última semana do programa de TV no horário eleitoral seria mais "positiva e propositiva", para Marta sair com uma boa imagem desta eleição e acumular cacife para disputas futuras.

Duda e Favre
No dia da reunião secreta em Brasília, corriam rumores de que Duda estava na Bahia em crise com o comando da campanha, especialmente com Favre. Motivo: atraso do PT no pagamento. A parte sobre a demora no repasse de recursos era verdadeira e foi resolvida logo. As divergências com o marido da prefeita, Duda nega. E fora da campanha ele nunca esteve, apesar de membros do próprio PT difundirem essa versão. Nem mesmo quando foi preso numa rinha de galo no Rio de Janeiro no último dia 21.
Da Polícia Federal, Duda sugeriu a nota em que Marta se disse contrária à briga de galo e o substituiu interinamente por Manoel Canabarro. Ao discutir a nota com o comando de campanha, Favre ouviu comentários duros em relação ao comportamento de Duda, que expôs Marta a um fato negativo numa hora ruim. Segundo um dos coordenadores, reagiu: "Não contem comigo para bater em quem já está no chão".
No passado, houve um momento em que a relação de Duda e Favre não era boa, mas nesta campanha trabalharam unidos. "Duda fez o que quis", contou Favre a interlocutores.
No primeiro turno, quando Marta subiu o tom em relação a Serra, dizendo que poderia haver crise no país com sua eleição, tal estratégia foi atribuída ao marido da prefeita. Mas essa versão não confere com o que a Folha apurou. O marqueteiro aprovou a estratégia de ataques ao tucano.

Maluf e comédia
Apesar de negado por todas as partes, um acordo informal entre o ex-prefeito Paulo Maluf (PP) e o PT foi feito. Em troca, Maluf pediu proteção política, nos limites da legalidade, nas investigações sobre uma fortuna no exterior.
Mas o ex-prefeito cumpriu um papel de fazer críticas mais duras ao tucano, o que ajudou a desgastar o ex-ministro da Saúde em alguns momentos.
Nesse contexto, Marta foi poupada do papel de algoz, o que sempre redunda em aumento não só de quem é atacado, mas também de quem ataca.
Curiosidade: as negociações para um acerto entre Maluf e PT avançaram quando o ex-prefeito fez chegar a petistas que tinha uma arma infalível para derrotar Marta caso passasse ao segundo turno com ela.
Em tom de comédia, criaria no horário eleitoral uma personagem loura, síndica de um prédio, que só tomaria decisões após consultar o marido argentino. Mirava num ponto que também desgastou a prefeita, o do rompimento do casamento com o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) e a união com o franco-argentino Favre, apontado como eminência parda da Prefeitura de São Paulo.


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