São Paulo, quarta-feira, 01 de novembro de 2006

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Marcos Nobre

Depois do voto

FAZ MAIS DE 20 anos que o país não cresce como deveria. Sem recursos novos para disputar e distribuir, o sistema político travou. Ninguém mexe em nada porque mexer significa tirar de alguém. E isso ninguém quer. É por isso que FHC aumentou "como nunca antes neste país" a dívida pública e a carga tributária. Lula deu continuidade a essa válvula de escape para o travamento do sistema político. Mas acabou por bater no limite do intolerável. Recursos novos, só com crescimento. Lula ganhou as eleições porque, nessa situação de travamento, o eleitorado optou por destinar os poucos recursos que restam para beneficiar os menos beneficiados. Mas é importante lembrar que o primeiro mandato de Lula conseguiu diminuir a desigualdade porque o crescimento econômico foi medíocre, o que potencializou em muitas vezes os efeitos dos aumentos reais do salário mínimo e das políticas focalizadas de transferência de renda, o caso do Bolsa Família. Continua o nó da política brasileira. Sem crescimento, a redistribuição tem alcance limitado porque a riqueza total da sociedade continua estagnada. Com crescimento, diminui-se a pobreza, mas não necessariamente as desigualdades, que só diminuem com forte orientação redistributiva desse crescimento. Para que o Estado possa voltar a ser indutor de crescimento, são necessários novos recursos. Mas os novos recursos dependem justamente do crescimento. O governo Lula e a campanha deste ano, com todas as suas limitações, tiveram o mérito incontestável de colocar a pobreza e as desigualdades sociais no centro da agenda. Mas isso é só o começo. Como será possível alcançar o crescimento? Ao mesmo tempo: como será possível unir crescimento e distribuição de renda? O governo Lula será capaz de dar resposta a esses problemas ou continuará administrando um travamento do sistema político movido a baixo crescimento? Na situação atual, produzir patamares de crescimento da ordem de 5% ao ano não é tarefa nada fácil. Exige medidas que, no Brasil, são tradicionalmente realizadas contra a distribuição de renda e não a seu favor. O segundo mandato de Lula irá fazer uma reforma da Previdência que transfira renda para os mais pobres? Será realizada uma reforma tributária que retire o peso da arrecadação dos impostos indiretos e o transfira para impostos diretos, com novas alíquotas? Virá uma reforma trabalhista que não nivele o mercado de trabalho por baixo, retirando direitos históricos dos assalariados? Parecem termos estranhos. O discurso das "reformas" no Brasil é sempre e apenas o discurso do crescimento econômico, não da distribuição de renda. Mas é que agora os slogans de campanha mostram sua cara real, na disputa política cotidiana que lhes dá vida e sentido. Votar é apenas uma parte importante desse embate.


MARCOS NOBRE é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap


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