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ELIO GASPARI
De Chatô@com para AdibJatene@org
A plutocracia paulista pratica no MASP um projeto de volta ao tempo em que vivia num casario de bugres
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DOUTOR JATENE,
Se o Antonio Carlos Magalhães souber que lhe escrevi
esta mensagem, arrebenta minha
cara, e com razão. O senhor botou
um filé mignon no coração dele,
dando-lhe 18 anos de vida. Como
tenho a ousadia dos caetés que
comeram o bispo Sardinha, não
me intimido.
Por sua causa, passei enorme vergonha. Ontem ouvi um pedaço de
conversa do Cândido Portinari. Ele
reclamava do senhor. Cito-o: "Imagine, o Jatene disse que coisas como
essa acontecem. Já sabiam do risco,
mas não fizeram nada, e o doutor
lembra que não faz parte da administração. Pior: diz que quem reclama quer denegrir a instituição".
Interferi de pronto: "Cala a boca,
comunista, o doutor Jatene sabe do
que fala. Se o Hospital das Clínicas é
o que é, deve muito a ele. Fez do Instituto do Coração uma catedral de
competência numa terra de selvagens famintos e sacripantas vorazes.
Quando ele falar, você tem que baixar a cabeça. De hospital, o Jatene
entende. Houve um incêndio no
HC? Preste atenção ao que ele diz".
Portinari espantou-se: "Chatô, o
Jatene não está falando do HC, mas
do Masp, onde roubaram um quadro meu e outro do Picasso. De museu, quem entende somos nós".
Senti-me um capadócio. À noite
tive um pesadelo. Sonhei que meu
filho Gilberto estava num hospital,
sendo atendido pelo Pietro Maria
Bardi. Como foi esse italiano peralta
quem me ajudou a criar o Masp,
assuntei com ele o sucedido. O Bardi
é malvado e sustenta que a plutocracia paulista pratica no museu uma
experiência de regressão antropofágica. Ela quer voltar ao Quinhentos,
quando os habitantes do planalto
de Piratininga viviam em casarios
de bugres.
Doutor Jatene, seu percurso foi
outro. Começou na floresta de Xapuri, no Acre. Suas opiniões a respeito da esculhambação do museu são
tautológicas: os ladrões roubaram as
telas porque eram ladrões e queriam
roubar telas. As de alguns colegas
seus, demenciais. Um deles queria
gradear o vão livre do museu para
afastar a choldra que fez do Brasil
essa terra de gigantes. Deviam gradeá-lo. A Lina Bo, que projetou o
prédio, teve um ataque de nervos.
Salvou-a o Joaquim Eugênio de Lima, mostrando-lhe o projeto da avenida Paulista: o vão deriva de uma
exigência dele, destinada a preservar a paisagem do belvedere.
Nunca se esqueça de que a história
acerta suas contas. Eu era um paraibano filibusteiro e o conde Matarazzo parecia um pavão empalhado.
Pois hoje a Paulista tem o Masp do
Chatô, e o terreno onde estava a casa
do conde é um estacionamento. O
ACM trouxe daí um tijolo da ruína
da mansão.
No ofidário do mercado de arte
aprendi muita coisa. Falo assim porque comprei por US$ 350 mil um
Van Gogh que hoje deve valer uns
US$ 35 milhões. Houve um tempo
em que os sibaritas da aristocracia
italiana botavam ricas molduras renascentistas em cópias, ou mesmo
em pinturas medíocres. Cobravam
os olhos da cara aos milionários
americanos. Acho que fizeram isso
com o senhor. Jatene é uma magnífica moldura, mas a paisagem do
Masp é de brechó.
Deixo-lhe um pedido: retire sua
obra dessa exposição.
Do seu bajulador desinteressado,
Francisco de Assis Chateaubriand
Bandeira de Mello
P.S.: Não assine notas dizendo que
há gente querendo "denegrir" o
Masp. O "Plantador de Café" do Portinari é um negão.
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