São Paulo, quarta-feira, 02 de janeiro de 2008

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ELIO GASPARI

De Chatô@com para AdibJatene@org


A plutocracia paulista pratica no MASP um projeto de volta ao tempo em que vivia num casario de bugres

DOUTOR JATENE,
Se o Antonio Carlos Magalhães souber que lhe escrevi esta mensagem, arrebenta minha cara, e com razão. O senhor botou um filé mignon no coração dele, dando-lhe 18 anos de vida. Como tenho a ousadia dos caetés que comeram o bispo Sardinha, não me intimido.
Por sua causa, passei enorme vergonha. Ontem ouvi um pedaço de conversa do Cândido Portinari. Ele reclamava do senhor. Cito-o: "Imagine, o Jatene disse que coisas como essa acontecem. Já sabiam do risco, mas não fizeram nada, e o doutor lembra que não faz parte da administração. Pior: diz que quem reclama quer denegrir a instituição".
Interferi de pronto: "Cala a boca, comunista, o doutor Jatene sabe do que fala. Se o Hospital das Clínicas é o que é, deve muito a ele. Fez do Instituto do Coração uma catedral de competência numa terra de selvagens famintos e sacripantas vorazes. Quando ele falar, você tem que baixar a cabeça. De hospital, o Jatene entende. Houve um incêndio no HC? Preste atenção ao que ele diz".
Portinari espantou-se: "Chatô, o Jatene não está falando do HC, mas do Masp, onde roubaram um quadro meu e outro do Picasso. De museu, quem entende somos nós".
Senti-me um capadócio. À noite tive um pesadelo. Sonhei que meu filho Gilberto estava num hospital, sendo atendido pelo Pietro Maria Bardi. Como foi esse italiano peralta quem me ajudou a criar o Masp, assuntei com ele o sucedido. O Bardi é malvado e sustenta que a plutocracia paulista pratica no museu uma experiência de regressão antropofágica. Ela quer voltar ao Quinhentos, quando os habitantes do planalto de Piratininga viviam em casarios de bugres.
Doutor Jatene, seu percurso foi outro. Começou na floresta de Xapuri, no Acre. Suas opiniões a respeito da esculhambação do museu são tautológicas: os ladrões roubaram as telas porque eram ladrões e queriam roubar telas. As de alguns colegas seus, demenciais. Um deles queria gradear o vão livre do museu para afastar a choldra que fez do Brasil essa terra de gigantes. Deviam gradeá-lo. A Lina Bo, que projetou o prédio, teve um ataque de nervos. Salvou-a o Joaquim Eugênio de Lima, mostrando-lhe o projeto da avenida Paulista: o vão deriva de uma exigência dele, destinada a preservar a paisagem do belvedere.
Nunca se esqueça de que a história acerta suas contas. Eu era um paraibano filibusteiro e o conde Matarazzo parecia um pavão empalhado. Pois hoje a Paulista tem o Masp do Chatô, e o terreno onde estava a casa do conde é um estacionamento. O ACM trouxe daí um tijolo da ruína da mansão.
No ofidário do mercado de arte aprendi muita coisa. Falo assim porque comprei por US$ 350 mil um Van Gogh que hoje deve valer uns US$ 35 milhões. Houve um tempo em que os sibaritas da aristocracia italiana botavam ricas molduras renascentistas em cópias, ou mesmo em pinturas medíocres. Cobravam os olhos da cara aos milionários americanos. Acho que fizeram isso com o senhor. Jatene é uma magnífica moldura, mas a paisagem do Masp é de brechó.
Deixo-lhe um pedido: retire sua obra dessa exposição.
Do seu bajulador desinteressado,
Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello
P.S.: Não assine notas dizendo que há gente querendo "denegrir" o Masp. O "Plantador de Café" do Portinari é um negão.


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