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DISCURSO DE POSSE
Fernando Henrique diz ler nos "olhos dos brasileiros" a esperança de verem realizada a reforma social
"País espera impaciente por nação mais justa'
Leia a seguir a íntegra do discurso de posse do presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, no Congresso Nacional:
˛
Por um Brasil solidário
Compareço perante o Congresso Nacional
para receber, pela segunda vez, a mais alta
distinção a que um homem público possa aspirar.
Agradeço aos milhões de brasileiras e brasileiros, aos jovens e aos idosos, aos que moram nas cidades assim como nos campos,
que, com o voto, sufragaram as idéias que temos defendido e as mudanças que estamos
empreendendo.
Sei da responsabilidade que assumo. Ao
concederem ao Presidente da República a
possibilidade de um novo mandato, o Congresso primeiro, o povo brasileiro depois,
credenciaram-se para exigir de mim mais do
que de qualquer outro presidente antes. Empenharei toda minha capacidade e dedicação para corresponder à expectativa da nação brasileira.
Estou pronto para a nova jornada. Sinto-me renovado pelo apoio generoso do povo
brasileiro. Tenho mais experiência, pelo
muito que pude aprender tanto dos acertos,
quanto dos erros, de meu primeiro mandato.
Nos últimos anos o Brasil renovou sua fisionomia, com a construção de estradas de
relevância estratégica, quatro hidrovias, um
sem número de portos e aeroportos. Promoveu um salto na produção de energia e uma
revolução nas telecomunicações. Mudou
muito.
Mas quando falo em mudança penso em
algo mais profundo, abrangente e capilar,
que toca o cotidiano de cada um dos brasileiros e melhora suas vidas.
Milhões puderam alimentar melhor seus
filhos e dar-se conta de que onde há democracia, estabilidade na economia e seriedade
de governo não há razão de ser para o flagelo
da fome. Milhares tiveram acesso a bens que
antes estavam reservados a uma pequena elite, que sempre pôde tudo. Milhares realizaram aspiração tão antiga, quanto legítima,
de comprar a casa própria ou morar com
mais conforto.
Outros perceberam que a ação solidária
dos governos e das prefeituras, de pais e de
mestres, está promovendo uma transformação profunda nas escolas e uma esperança
fundada de melhor qualidade no ensino. É a
professora das áreas pobres do Brasil que ganha mais e tem a oportunidade de reciclar-se. É o livro que chega a tempo ou a merenda
que é mais nutritiva. É a evasão que diminui,
enquanto a matrícula no segundo grau aumenta.
Na saúde -o pesadelo de todos os brasileiros- mais recursos, melhor gerenciamento, mais atenção à saúde da família e um
combate obstinado à fraude estão mostrando o caminho que levará no futuro a um efetivo atendimento universal, gratuito e de
qualidade, como prescreve a Constituição,
mas que poucos países, mesmo entre os mais
desenvolvidos, conseguiram assegurar.
E assim ocorrem mudanças em várias outras áreas sociais.
Não obstante todas estas transformações,
muitos ainda resistem em enxergar o Brasil
novo que está brotando sob nossos olhos.
Relutam a reconhecer que estamos avançando, competindo e nos adaptando aos novos
tempos, em vários planos: o da globalização,
o da reestruturação do Estado, o da revitalização da cultura.
Estas mudanças dão a confiança de que a
geração do Real será diferente. Nossos filhos
terão mais e melhores oportunidades na vida.
Tudo começou com a nova moeda. O real
foi um grande divisor de águas. Antes era a
inflação e concentração de renda. Depois, foi
a estabilidade, com o início da distribuição
de renda.
O brasileiro pôde prever o fim do mês, planejar o ano seguinte e colocar sobre a mesa a
agenda das suas verdadeiras necessidades.
Restaurou-se a confiança para poupar e investir.
O Estado começou a ser transformado para tornar-se mais eficiente, evitar o desperdício e prestar serviços de melhor qualidade à
população. Deixa de ser o Estado faz-de-conta-que-faz-tudo; mas continua a ser o
instrumento fundamental para garantir serviços para a população mais pobre, gerar as
condições para o aumento da produção e assegurar os direitos básicos de todos.
O Brasil voltou a ser respeitado no exterior. Os investimentos estrangeiros multiplicaram-se, gerando novos horizontes para os
brasileiros.
Também no plano externo o Brasil colhe
os frutos da democracia, da estabilidade econômica e de uma renovada confiança no potencial de nosso mercado. O país torna-se
mais relevante para o mundo. Ao mesmo
tempo, o mundo se torna mais relevante para o bem estar dos brasileiros.
Em um sistema internacional onde aumenta a interdependência, é inevitável que
sejamos afetados por eventos originados em
outras regiões do mundo, mesmo as mais
longínquas. Os problemas dos outros tornam-se também nossos. Da mesma forma,
nossos problemas passam a afetar mais diretamente outros países.
Mais do que nunca, é necessário que o Brasil saiba identificar os seus interesses nacionais e falar com firmeza para defendê-los
nos foros internacionais.
O interesse nacional, hoje, não se coaduna
com isolamento. Afirmamos nossa soberania pela participação e pela integração, não
pelo distanciamento.
É o que estamos fazendo no Mercosul dimensão prioritária e irreversível de nossa diplomacia. É o que estamos realizando com a
criação de um espaço integrado de paz, democracia e prosperidade compartilhada na
América do Sul. É o que se reflete em nossa
visão da integração hemisférica e de laços
mais sólidos com a União Européia, a Rússia, a China e o Japão, sem detrimento para
os nossos vínculos históricos com a África.
O Brasil está assim consolidando uma inserção ativa e soberana no sistema internacional.
Senhores Membros do Congresso Nacional,
Nos últimos anos, se é verdade que muito
foi feito, ainda resta muito por fazer.
Nossos desafios continuam imensos. Mas
estamos em melhores condições para enfrentá-los. Preparamos o terreno. Plantamos
a semente. Daqui para a frente, a nossa tarefa
é dupla. Preservar as realizações e partir para
novas conquistas. A continuidade delas é indispensável, pois a esperança do povo é como a do semeador, na frase de Gilberto
Amado: "ao lançar a semente sem ver crescer a planta no solo árido, o braço do semeador se fatiga".
Estamos fazendo um acerto de contas com
o passado e, ao mesmo tempo, tratando de
impedir que a prosperidade que resulta da
ampliação dos fluxos de capitais, conhecimentos e tecnologia venha contaminada pelo vírus da exclusão.
Reunimos hoje as condições para construir um Brasil efetivamente solidário e mais
justo.
O objetivo central do governo que ora se
inicia será o de radicalizar a democracia, democratizar o mercado aumentando a competição e promover mais ampla oportunidade para todos os brasileiros. Isso requer determinação política e crescimento econômico continuado.
Senhores Congressistas,
Oitenta e três milhões de eleitores compareceram às urnas nas últimas eleições. O povo brasileiro deu uma demonstração inequívoca, sem precedente por sua dimensão, de
crença na democracia.
O país desfruta de plena liberdade de opinião e de imprensa, de que muito nos orgulhamos. O direito de manifestar o pensamento e de crítica é fundamental para vitalidade democrática.
Mas precisamos avançar mais.
Queremos aprofundar a parceria com a
sociedade.
Faz pouco tempo, o que entre nós se chamava de "opinião pública" era apenas o eco
das reivindicações dos setores privilegiados
da sociedade, que sabem fazer ruído na defesa de seus interesses. Hoje, a opinião pública
expandiu-se e incorpora sindicatos de trabalhadores, igrejas, movimentos sociais e as
chamadas organizações não governamentais.
Mas ainda existe uma maioria silenciosa
que não se faz ouvir. As medidas de política
social do governo buscam atender a esta
maioria, mesmo, se for o caso, contra os ruídos dos que se escudam nos mais pobres para defender seus privilégios.
A sociedade civil assume, com mais eficiência e menor custo, funções que antes
eram privativas do setor público. E o Estado
se fortalece ao articular-se com ela.
A vertebração da sociedade, em sintonia
com a descentralização das políticas públicas, cria as condições para que os serviços do
Estado cheguem efetivamente aos que mais
precisam e não, como sempre foi, aos que
mais têm, porque sempre detiveram os instrumentos de pressão para reivindicar mais.
No Brasil, por muito tempo, o Estado como organização esteve à frente da sociedade.
Hoje, ao contrário, é a sociedade que, via de
regra, caminha à frente do Estado.
Nossos partidos, que desde o Império
eram instituições do Estado, mais do que da
sociedade, precisam modificar-se para serem, agora, instituições da sociedade. Só assim se revitalizarão e poderão estar em sintonia com a sociedade, evitando a crise da representação política, que grassa no mundo
atual.
A democracia que queremos ter é a do diálogo plural, dentro do respeito à diferença, à
crítica e à alternância no poder. Mas o corolário da crítica é a proposta alternativa e
construtiva. Não me intitulo senhor de um
caminho único. Estou pronto a discutir e a
retificar o rumo, sempre que me convençam
de que a alternativa é melhor para o País.
Alegro-me de que o diálogo com a oposição já se tenha iniciado. Sei que temos divergências, em vários campos. Mas sei também
que há temas e ações que estão acima das diferenças partidárias. O diálogo contribui para identificar veredas novas, enriquece a democracia e fortalece o País.
O fundamental nas democracias, entretanto, é o apoio da maioria. Este apoio, recebi nas urnas pelo voto popular e dos partidos. A maioria dos representantes eleitos pelo povo pertence aos partidos com os quais
formei o governo. Eles certamente apoiarão
no Congresso as medidas necessárias à implantação das políticas que defendo e que foram aprovadas pelos eleitores.
Completaremos, assim, as reformas. Não
só a previdenciária e a administrativa, mas a
tributária, a política e a judiciária.
Confio nesta Casa, expressão maior da soberania popular, à qual me orgulho de ter
pertencido.
O Congresso deu expressiva contribuição
às transformações do País nos últimos quatro anos. Homenageio a todos os seus membros, que tanto valorizo, na pessoa de um de
seus mais precoces e maiores líderes, o meu
inesquecível amigo Luís Eduardo Magalhães, que ao nos deixar, no ano passado, nos
legou o exemplo de sua competência, visão e
amor ao país.
Não há democracia onde subsiste a violência. Onde ainda são desrespeitados direitos
básicos das crianças e das mulheres, dos negros e dos índios. Avançamos nesta área. É
inegável. Mas temos que fazer mais.
O desafio está em transformar os valores e
as normas em práticas quotidianas. A Secretaria dos Direitos Humanos foi fortalecida
institucionalmente para melhor cumprir sua
missão. A sociedade será convidada a participar mais diretamente da execução e controle das políticas.
Senhores congressistas,
não fui eleito para ser o gerente da crise.
Fui escolhido pelo povo para superá-la e para cumprir minhas promessas de campanha.
Para continuar a construir uma economia
estável, moderna, aberta e competitiva. Para
prosseguir com firmeza na privatização. Para apoiar os que produzem e geram empregos. E assim recolocar o País na trajetória de
um crescimento sustentado, sustentável e
com melhor distribuição de riquezas entre
os brasileiros.
Nesses últimos quatro anos enfrentamos
um quadro internacional adverso. A economia brasileira sofreu o abalo de três crises internacionais de graves proporções. Ainda vivemos os reflexos negativos do colapso da
moeda russa. Nossa economia enfrenta o pesado ônus de elevadas taxas de juros, que arrefeceram o crescimento e diminuíram o
emprego.
O Brasil continuará a desempenhar papel
ativo na revisão da arquitetura do sistema financeiro internacional. Não podemos aceitar que aplicações especulativas, por não estarem submetidas a qualquer tipo de supervisão ou ordenamento, desarticulem o processo produtivo e constituam ameaça recorrente às economias nacionais.
Mas também é forçoso reconhecer que temos as nossas vulnerabilidades, entre elas, o
déficit público. Gastamos mais do que arrecadamos. Enquanto não equilibrarmos nossas contas, a cada turbulência da economia
internacional pagaremos, como temos pago,
preço elevado.
Assim como não hesitei em tomar as medidas necessárias para defender o Real, não
hesitarei em fazer o que for preciso para por
fim ao tormento do déficit público. É melhor
o remédio amargo que cura a doença, do que
a febre crônica que debilita as forças e compromete a saúde do organismo.
Não tenham dúvidas, senhores. Marcharei
com determinação para obter do Congresso
o ajuste fiscal e para livrarmos o Brasil da armadilha dos juros altos, que aguilhoam nosso ímpeto de crescimento econômico.
A reforma da Previdência, embora incompleta, abre perspectivas melhores para o
equilíbrio das contas públicas. Vamos prosseguir com ela, eliminando privilégios e assegurando a continuidade dos benefícios em
favor dos que realmente necessitam.
Preocupa-me o desemprego. Como acontece ao início de cada ano, a taxa de desemprego poderá elevar-se. Por ser passageiro, o
quadro não é menos doloroso, para quem
perde o seu emprego.
Os ministros que em poucos minutos tomarão posse em seus cargos receberão do
presidente da República uma orientação
precisa: concentrar a competência de suas
equipes e os recursos de suas pastas nos projetos que abram novas oportunidades de trabalho e de renda, especialmente para os jovens; na extensão do crédito à pequena empresa; nos programas de qualificação do trabalhador; e na assistência ao desempregado.
Tudo o que o governo puder fazer na área
do emprego, será feito.
Tenho a convicção de que o Brasil sairá
fortalecido da crise. As políticas que estamos
adotando corrigirão o desequilíbrio de nossas contas. O país terá credibilidade ainda
maior. E será um mercado mais atraente para os investimentos, tanto internos quanto
externos, que gerarão crescimento e empregos.
Tomo de empréstimo a Joaquim Nabuco
frase lapidar que expressa meu sentimento
diante desta conjuntura desfavorável: "a vida não é senão a posse do futuro pela confiança e, em política, pela certeza do triunfo
(momentaneamente, digo eu) interrompido".
Senhores congressistas,
de pouco vale ao país ser a oitava economia mundial se continuarmos entre os primeiros na desigualdade social.
Este quadro tem que ser revertido.
Estamos combatendo a desigualdade com
a estabilidade da economia e com a melhoria
da qualidade da educação pública, de modo
a proporcionar aos desfavorecidos a oportunidade que nunca tiveram.
Nossas políticas públicas em educação,
saúde, habitação e saneamento melhoraram.
Os indicadores, em cada uma destas áreas,
comprovam o progresso alcançado.
Antes, os serviços públicos estavam direcionados aos que mais possuíam. Agora, os
serviços e os créditos do governo estão dirigidos aos que mais precisam. Assim é na
educação fundamental e na saúde. Assim começa a ocorrer também no crédito rural e
nos financiamentos para pequenas e médias
empresas.
Esta é uma revolução. A única suscetível
de transformar a fisionomia social do País e
aportar um golpe fatal à desigualdade que
reproduzimos desde as eras coloniais.
Em breve completaremos 500 anos. Este
será um momento de reflexão sobre o que
realizamos, o que somos e o que queremos
ser. Temos muito para nos orgulhar, do Brasil e dos brasileiros.
Um país que venceu o autoritarismo e implantou a democracia; em seguida, domou a
inflação e está construindo a estabilidade,
tem agora pela frente o desafio de edificar
uma sociedade mais igualitária.
Esta é a minha visão do País para o século
21. Estou certo de que é também o projeto de
todos os brasileiros que vivem com indignação os graus de desigualdade que ainda subsistem entre nós.
Não há milagres nesta área. O caminho é
conhecido e será percorrido com persistência.
O rumo está certo. As políticas são coerentes. Já começam a dar resultados. Serão reforçadas. Retificadas quando necessário.
Senhores membros do Congresso Nacional,
pertenço a uma geração que desde cedo
sonhou com a reforma social em nosso país.
Ansiava por participar dela. Foi ativa na universidade, tanto nas salas de aula, como nas
ruas.
Lutou contra o arbítrio. Com a redemocratização, viu renascerem as esperanças de
mudar o país. Com a estabilidade da economia, percebeu que recuperamos os instrumentos para edificar um Brasil melhor.
A vontade nunca faltou. Ela continua firme.
O Brasil espera com impaciência por uma
nação mais justa.
Esta é esperança que leio nos olhos dos milhares de brasileiras e de brasileiros que encontro em minhas viagens pelo país. Estas
são as vozes que ouço nas ruas. Esta foi a
missão que recebi das urnas. Esta foi a mensagem enviada por um dos amigos mais queridos, Sérgio Motta, companheiro de uma vida de lutas:
"Não se apequene. Cumpra seu destino
histórico. Coordene as transformações do
país."
Assim farei.
Muito obrigado.
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