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São Paulo, domingo, 02 de fevereiro de 2003

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NO PLANALTO

O generoso Lula

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Deus acode os desamparados. Mas um companheiro no Palácio do Planalto ajuda. Pergunte-se a João Vaccari. Chegado de Lula, ele sabe bem do que se está falando.
Vaccari é presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo e secretário de Finanças da CUT, braço sindical do PT. Duas entidades que, no ocaso do capitalismo com consciência, são tão obsoletas quanto a mão-de-obra.
Quem abriu os jornais na última quarta-feira deu de cara com o caos: o desemprego já incapacita 19% dos braços economicamente "ativos" da região metropolitana de São Paulo.
Em campanha, Lula prometera 10 milhões de novas vagas. Deixou eriçada a bugrada, inclusive o grupo que Vaccari julga representar.
Porém, o Brasil radicalmente outro esboçado no palanque se esvai devagarinho no discurso temperado de Antonio Palocci Filho. Qual um Malan de barba, Palocci ainda não tem olhos para os caixas de banco. Antes, tonifica os juros que cevam a caixa da banca.
Ante a evidência de que a causa da empregabilidade alheia é mesmo inglória, Vaccari pôs-se a brigar pelo próprio bem-estar. Pediu alto: a presidência da Caixa Econômica Federal.
Foi barrado por três obstáculos: o bom senso, a resistência de Palocci e a falta de diploma universitário, exigência dos estatutos da CEF. Não necessariamente nessa ordem.
Abandonado pela benevolência divina, Vaccari foi amparado pela mão amiga do Planalto. Obteve um tipo doce de desocupação: uma sinecura pública.
Ganhou, surpresa (!!), estupefação (!!!), uma cadeira no conselho de administração de Itaipu. Quem o premiou? "O próprio Lula." Por quê? "Na medida em que eu não fui para a Caixa, teve o convite...".
O assento de Itaipu conforta a alma. E o bolso, naturalmente. O jeton é bom, muito bom, ótimo: R$ 7.500 por mês. O trabalho é pouco, muito pouco, pouquíssimo: uma reunião mensal.
O contato de Vaccari com o mundo da energia é exíguo. Achega-se ao tema só no instante em que precisa tatear o interruptor de luz. Mas é esforçado: "Estou tomando pé".
Avançou pouco: "Tomei posse na semana passada. O pessoal de Itaipu ficou de mandar uns documentos. Ainda não recebi nenhum papel". Sobre o novo empregador, sabe o trivial: "É uma megaempresa de energia".
Por trás do prêmio concedido a Vaccari há um ingrediente sindical. Ele pleiteava a presidência da CUT. João Felício, atual dirigente da entidade, deixa o cargo em abril. Lula quer acomodar no posto um amigo mais amistoso que Vaccari: Luiz Marinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.
A cruzada pela flexibilização dos direitos sociais dos trabalhadores pede mesmo a presença de um companheiro de boa cepa na direção da maior central sindical do país. O novo baque talvez levasse Vaccari a flertar com a inimizade. O consolo de Itaipu parece tê-lo amaciado: "Estou na disputa. Mas o nome que mais aglutina é o do Marinho".
Poder-se-ia dizer que a homenagem de Lula a Vaccari conspurca a já tão aviltada bolsa da viúva. A veneranda senhora é chamada agora a pacificar desavenças sindicais. Mas os áulicos decerto classificariam a crítica como profanação à liderança de um presidente mitificado pela popularidade em alta.
Melhor, portanto, exaltar a benevolência do companheiro presidente. Às favas com os interesses do erário. Deus abençoe a camaradagem petista.



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