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Sarney promete 'vontade política' que faltou à era FHC
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Escolha direta e pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o
senador José Sarney (PMDB-AP)
assume a presidência do Senado
com o compromisso de ajudar
decisivamente na aprovação das
reformas constitucionais tributária e da Previdência.
"Devemos enfrentar as pressões
e tentar harmonizá-las", disse
Sarney, para quem o fundamental
é "vontade política", algo que só o
novo governo e um presidente
oriundo do trabalho, como Lula,
poderiam conseguir.
Aos 72 anos, nascido no Maranhão, Sarney já foi presidente da
República (85-90) e do Senado
(95-97) e é a terceira vez que trabalha intensamente para voltar a
este segundo cargo. Desistiu nas
duas últimas por falta de apoio do
Planalto de Fernando Henrique
Cardoso. Ganhou agora com a
mão decisiva do Planalto de Lula.
A entrevista à Folha, marcada
por elogios a Lula e à "nova era",
foi concedida ontem de manhã,
antes da eleição, em sua casa.
Folha - O sr. já foi presidente da
República e do Senado. Por que
voltar?
José Sarney - A minha sedução
de ser presidente do Senado nessa
Legislatura foi o atual momento
da política brasileira. Nós vivemos um momento excepcional,
com um presidente que veio da
área do trabalho, envolvido num
programa de reformas destinadas
a enfrentar os problemas sociais, e
acho que é um bom momento para que eu dê uma colaboração no
processo, porque conheço as duas
margens do rio: tanto o Legislativo quanto o Executivo.
Folha - Como o presidente do Senado pode ajudar o governo Lula?
Sarney - A votação das reformas
deve se processar com uma vontade política firme e que possa
transformar o debate nacional de
uma maneira mais alta, em torno
de idéias. As reformas não foram
votadas porque havia uma política binária. Uma era para fazer as
reformas, e outra era para não fazer. O Executivo botava a culpa no
Legislativo, e o Legislativo, no
Executivo. Ambos só queriam fugir das pressões. Acho que, neste
momento, nós devemos nos dar
as mãos e votá-las.
Folha - O serviço público é um
grande empregador e força política no Nordeste. Como ajudar para
uma reforma da Previdência que
mexerá tanto no funcionalismo?
Sarney - Temos que enfrentar os
problemas e as pressões em nome
de uma causa maior, que é o interesse do país. A Previdência, do
jeito que está, quebra o país, é um
impeditivo para o crescimento. O
Orçamento público, em vez de se
destinar a atender o público, se
destina simplesmente a pagar o
déficit da Previdência. Quanto à
idéia de que o funcionalismo público é mais importante no Nordeste, ela não é exata. O Maranhão, por exemplo, tem o menor
índice de funcionários em relação
aos demais Estados. O problema
não é dos Estados, é nacional.
Folha - O sr., então, defende o fim
dos regimes especiais, o aumento
da idade mínima de aposentadoria
e o fim do salário integral?
Sarney - Não entro nas particularidades. O que acho é que a reforma tem que ser discutida e tem
que ser feita. Devemos enfrentar
as pressões e tentar harmonizá-las. Não é quebrar todas, mas harmonizá-las. Essa é a função do
Congresso. Você jamais vai querer fazer uma reforma para dividir o país. Cada um vai ter de ceder um pouco.
Folha - Como harmonizar os interesses da União e dos Estados na reforma tributária?
Sarney - O primeiro problema é
evitar a evasão fiscal, aumentar a
fiscalização, reduzir a sonegação.
Não é possível que o número de
pessoas que pagam imposto no
Brasil seja tão pequeno em relação ao conjunto da população.
E o problema da divisão de recursos tem que ser enfrentado.
Temos de ter uma reforma tributária não somente para ser redistributiva, mas também para modernizar o sistema brasileiro. Nós
temos que aumentar a base para
poder diminuir a carga tributária.
Não dá para arcar com os 37% de
carga tributária do Brasil. Isso implica uma reorganização total.
Folha - Por que ela não foi feita?
Sarney - Não houve vontade política de enfrentar problemas.
Folha - Do ex-presidente FHC?
Sarney - Eu não digo só dele,
mas é um problema remanescente, que está aí.
Folha - Com o cargo, o sr. pode ser
decisivo para revirar o governo
FHC. Isso pode acontecer?
Sarney - Nunca fiz isso na minha
vida, nem com os meus piores adversários.
Folha - O sr. foi da Arena, do PDS e
só foi para o PMDB, não para o PFL,
por uma circunstância histórica.
Por que, então, apoiou Lula e um
projeto do PT, de esquerda?
Sarney - Apoiei o Lula porque
acreditei que era a melhor solução
para o país. Com a biografia que
ele tem, como patrimônio do país,
passa a ser uma referência da capacidade de mobilidade social, de
vencer da sociedade nacional. Eu,
que vivi as mudanças de natureza
formal, política, estou vendo uma
mudança de natureza estrutural
que o Lula representa. É muito sedutor para mim, na minha idade,
ver e estar presente em tudo isso.
Fui o único governador que não
concordou com o AI-5. Fui relator da emenda constitucional de
abertura, para acabar com o AI-5.
Estive ao lado de Tancredo Neves
para fazer a transição. Há uma
certa coerência na minha trajetória política. Quando Lula esteve
comigo, ele me disse uma coisa
que me motivou ainda mais a
apoiá-lo: que faria o pacto social
que eu não pude fazer.
Folha - O que é, para o sr., um pacto social?
Sarney - É aquele pelo qual a nação pode se unir em torno da solução dos principais problemas,
para diminuir as tensões sociais,
para que se encontre o caminho
para uma sociedade mais justa e
se retome o crescimento. Com a
desigualdade de hoje, não vamos
a lugar nenhum.
Folha - O sr. falou em mudanças,
mas e as críticas de que o governo
Lula está igualzinho ao do FHC?
Sarney - Ninguém pode mudar
tudo do dia para a noite. Mas a
grande mudança já está feita: temos um presidente oriundo do
trabalho, que foi um operário. É
uma mudança extraordinária.
Folha - A esquerda vai acabar
sendo a grande adversária do projeto Lula?
Sarney - Nós encerramos um ciclo histórico. O poder que está se
constituindo no Brasil vai ser gerado dentro das novas correntes
que estão se organizando daqui
para frente. Até porque não existe
partido no Brasil. A reforma política também é prioritária.
Folha - Dizem que o sr. é o político
mais "sortudo" do país. Suas vitórias são pela sorte ou pela capacidade de articulação política?
Sarney - Eu sou um homem de
fé, e acho que Deus tem me ajudado. Nunca lutei pela política, por
posições, as coisas simplesmente
aconteceram na minha vida, as
circunstâncias me levaram a esses
cargos. Foi o destino.
Folha - Mas o Planalto deu uma
força para o destino, não é?
Sarney - Eu nem sei se Lula quis
tanto que eu fosse presidente do
Senado. Fiquei muito sensibilizado pela simpatia que ele teve pela
minha candidatura.
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