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São Paulo, domingo, 02 de fevereiro de 2003

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Sarney promete 'vontade política' que faltou à era FHC

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Escolha direta e pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o senador José Sarney (PMDB-AP) assume a presidência do Senado com o compromisso de ajudar decisivamente na aprovação das reformas constitucionais tributária e da Previdência.
"Devemos enfrentar as pressões e tentar harmonizá-las", disse Sarney, para quem o fundamental é "vontade política", algo que só o novo governo e um presidente oriundo do trabalho, como Lula, poderiam conseguir.
Aos 72 anos, nascido no Maranhão, Sarney já foi presidente da República (85-90) e do Senado (95-97) e é a terceira vez que trabalha intensamente para voltar a este segundo cargo. Desistiu nas duas últimas por falta de apoio do Planalto de Fernando Henrique Cardoso. Ganhou agora com a mão decisiva do Planalto de Lula.
A entrevista à Folha, marcada por elogios a Lula e à "nova era", foi concedida ontem de manhã, antes da eleição, em sua casa.
 

Folha - O sr. já foi presidente da República e do Senado. Por que voltar?
José Sarney -
A minha sedução de ser presidente do Senado nessa Legislatura foi o atual momento da política brasileira. Nós vivemos um momento excepcional, com um presidente que veio da área do trabalho, envolvido num programa de reformas destinadas a enfrentar os problemas sociais, e acho que é um bom momento para que eu dê uma colaboração no processo, porque conheço as duas margens do rio: tanto o Legislativo quanto o Executivo.

Folha - Como o presidente do Senado pode ajudar o governo Lula?
Sarney -
A votação das reformas deve se processar com uma vontade política firme e que possa transformar o debate nacional de uma maneira mais alta, em torno de idéias. As reformas não foram votadas porque havia uma política binária. Uma era para fazer as reformas, e outra era para não fazer. O Executivo botava a culpa no Legislativo, e o Legislativo, no Executivo. Ambos só queriam fugir das pressões. Acho que, neste momento, nós devemos nos dar as mãos e votá-las.

Folha - O serviço público é um grande empregador e força política no Nordeste. Como ajudar para uma reforma da Previdência que mexerá tanto no funcionalismo?
Sarney -
Temos que enfrentar os problemas e as pressões em nome de uma causa maior, que é o interesse do país. A Previdência, do jeito que está, quebra o país, é um impeditivo para o crescimento. O Orçamento público, em vez de se destinar a atender o público, se destina simplesmente a pagar o déficit da Previdência. Quanto à idéia de que o funcionalismo público é mais importante no Nordeste, ela não é exata. O Maranhão, por exemplo, tem o menor índice de funcionários em relação aos demais Estados. O problema não é dos Estados, é nacional.

Folha - O sr., então, defende o fim dos regimes especiais, o aumento da idade mínima de aposentadoria e o fim do salário integral?
Sarney -
Não entro nas particularidades. O que acho é que a reforma tem que ser discutida e tem que ser feita. Devemos enfrentar as pressões e tentar harmonizá-las. Não é quebrar todas, mas harmonizá-las. Essa é a função do Congresso. Você jamais vai querer fazer uma reforma para dividir o país. Cada um vai ter de ceder um pouco.

Folha - Como harmonizar os interesses da União e dos Estados na reforma tributária?
Sarney -
O primeiro problema é evitar a evasão fiscal, aumentar a fiscalização, reduzir a sonegação. Não é possível que o número de pessoas que pagam imposto no Brasil seja tão pequeno em relação ao conjunto da população.
E o problema da divisão de recursos tem que ser enfrentado. Temos de ter uma reforma tributária não somente para ser redistributiva, mas também para modernizar o sistema brasileiro. Nós temos que aumentar a base para poder diminuir a carga tributária. Não dá para arcar com os 37% de carga tributária do Brasil. Isso implica uma reorganização total.

Folha - Por que ela não foi feita?
Sarney -
Não houve vontade política de enfrentar problemas.

Folha - Do ex-presidente FHC?
Sarney -
Eu não digo só dele, mas é um problema remanescente, que está aí.

Folha - Com o cargo, o sr. pode ser decisivo para revirar o governo FHC. Isso pode acontecer?
Sarney -
Nunca fiz isso na minha vida, nem com os meus piores adversários.

Folha - O sr. foi da Arena, do PDS e só foi para o PMDB, não para o PFL, por uma circunstância histórica. Por que, então, apoiou Lula e um projeto do PT, de esquerda?
Sarney -
Apoiei o Lula porque acreditei que era a melhor solução para o país. Com a biografia que ele tem, como patrimônio do país, passa a ser uma referência da capacidade de mobilidade social, de vencer da sociedade nacional. Eu, que vivi as mudanças de natureza formal, política, estou vendo uma mudança de natureza estrutural que o Lula representa. É muito sedutor para mim, na minha idade, ver e estar presente em tudo isso.
Fui o único governador que não concordou com o AI-5. Fui relator da emenda constitucional de abertura, para acabar com o AI-5. Estive ao lado de Tancredo Neves para fazer a transição. Há uma certa coerência na minha trajetória política. Quando Lula esteve comigo, ele me disse uma coisa que me motivou ainda mais a apoiá-lo: que faria o pacto social que eu não pude fazer.

Folha - O que é, para o sr., um pacto social?
Sarney -
É aquele pelo qual a nação pode se unir em torno da solução dos principais problemas, para diminuir as tensões sociais, para que se encontre o caminho para uma sociedade mais justa e se retome o crescimento. Com a desigualdade de hoje, não vamos a lugar nenhum.

Folha - O sr. falou em mudanças, mas e as críticas de que o governo Lula está igualzinho ao do FHC?
Sarney -
Ninguém pode mudar tudo do dia para a noite. Mas a grande mudança já está feita: temos um presidente oriundo do trabalho, que foi um operário. É uma mudança extraordinária.

Folha - A esquerda vai acabar sendo a grande adversária do projeto Lula?
Sarney -
Nós encerramos um ciclo histórico. O poder que está se constituindo no Brasil vai ser gerado dentro das novas correntes que estão se organizando daqui para frente. Até porque não existe partido no Brasil. A reforma política também é prioritária.

Folha - Dizem que o sr. é o político mais "sortudo" do país. Suas vitórias são pela sorte ou pela capacidade de articulação política?
Sarney -
Eu sou um homem de fé, e acho que Deus tem me ajudado. Nunca lutei pela política, por posições, as coisas simplesmente aconteceram na minha vida, as circunstâncias me levaram a esses cargos. Foi o destino.

Folha - Mas o Planalto deu uma força para o destino, não é?
Sarney -
Eu nem sei se Lula quis tanto que eu fosse presidente do Senado. Fiquei muito sensibilizado pela simpatia que ele teve pela minha candidatura.



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