São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2004

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CASO CC5

Análise de operações bancárias, entregue pelo Banco Central à CPI do Banestado, aponta descontrole do governo

Sonegadores enviam R$ 4,3 bi ao exterior

RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

LILIAN CHRISTOFOLLETI
DA REPORTAGEM LOCAL

Cinco estudos da Receita Federal sobre as operações de entrada e saída de dinheiro do Brasil por meio das contas CC5 registradas entre 1998 e 2002 apontaram um descontrole do governo. O dado mais revelador é que R$ 4,3 bilhões foram remetidos do país por pessoas físicas e jurídicas que sequer haviam entregue a declaração de Imposto de Renda.
Embora consideradas oficialmente "omissas" pelo governo, essas 698 pessoas e empresas atuaram livremente nos próprios canais oficiais de remessa de dinheiro, com operações registradas no BC (Banco Central), e abasteceram centenas de contas correntes em outros países, incluindo paraísos fiscais.
Os técnicos da Receita só tomaram conhecimento dessas operações porque um disquete com as 412.705 operações realizadas entre 1996 e 2002 (referentes a R$ 500,1 bilhões) foi entregue pelo BC a pedido da CPI do Banestado, criada pelo Congresso para investigar evasão de divisas.
"A impressão que temos é que o Brasil virou uma grande lavanderia. O Banco Central não fala com a Receita, os órgãos públicos não se comunicam, há um sigilo do Estado para o Estado", disse o presidente da CPI, Antero Paes (PSDB-MT), que proporá mudanças na legislação para que o BC franqueie à Receita informações sobre as remessas desde o momento em que ocorram.
Os relatórios da Receita e o disquete do Banco Central -aos quais a Folha teve acesso- revelam ainda que 11 pessoas "não identificadas" nos registros do BC e muito menos pela Receita cometeram a proeza de remeter, pelo sistema financeiro, R$ 16,4 milhões para o exterior.
Outras 170 pessoas que declararam à Receita ser isentas de recolhimento de imposto não enfrentaram dificuldades para enviar R$ 98,1 milhões para fora do país. A pessoa física é considerada isenta quando declara uma renda bruta anual inferior a R$ 12.696,00.
A Receita identificou que 41 empresas consideradas inativas também operaram livremente. Elas remeteram R$ 108,8 milhões no período 1998-2002.
As remessas dos "omissos", "isentos" e "inativos" são o lado mais visível das irregularidades com as contas CC5. Mas há toda uma série de transmissões de fundos de e para empresas "offshore" (cujos donos são desconhecidos) localizadas em paraísos fiscais.
A tarefa da Receita agora é apurar, até com investigações de campo, se os remetentes declararam a origem do dinheiro.
"O disquete está nos ajudando a enxergar coisas que antes não conseguíamos. Temos condições de obter bons resultados", prometeu um funcionário graduado da fiscalização do órgão.

Laranjas
Também aparecem nos registros do BC dezenas de laranjas com contas em território brasileiro fazendo depósitos milionários para casas de câmbio do Paraguai localizadas na capital paraguaia, Assunção, em Ciudad del Este, perto de Foz do Iguaçu (PR), e em Pedro Juan Caballero, na fronteira com Mato Grosso do Sul.
O esquema da fronteira paraguaia, que passava pelo Banestado (Banco do Estado do Paraná, liqüidado em 2000), já é investigado há mais de cinco anos por uma força-tarefa -e nesse assunto a CPI não avançou um milímetro.
Boa parte desse dinheiro foi parar na agência do Banestado de Nova York e, de lá, para centenas de outras contas, que estão sendo rastreadas lentamente pela CPI.
Como a Receita demorou anos para ser informada, todas as operações dos "omissos" e outras irregularidades praticadas entre 1996 e 1998 já foram premiadas com o instituto da decadência. Ou seja, pelo Código Tributário Nacional não podem mais ser punidas administrativamente - restando a possibilidade de abertura, pela Polícia Federal ou a pedido do Ministério Público Federal, de ações penais por crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
A resposta da Receita às operações das pessoas físicas "omissas" foi muito baixa. A Receita tomou conhecimento das operações, anteriormente, e realizou ações fiscais em apenas 22, dos 406 casos.



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