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BRASIL CAMARADA
Órgão que deveria receber R$ 100 bi de devedores de SP tem déficit de funcionários e ignorou alerta de auditoria
Governo é omisso ao cobrar megadívidas
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Cida (Cadastro de Informações da Dívida Ativa da União)
tornou-se refúgio seguro para as
empresas que devem mais de R$
10 milhões em impostos. Além de
ter acesso a parcelamentos a perder de vista, os grandes devedores
se beneficiam da omissão do governo na cobrança do débito.
Brasília vem desrespeitando sistematicamente a lei 9.532, de dezembro de 1997. Ela determina,
em seu artigo 67, que a cobrança
de megadébitos deve ter prioridade sobre o ajuizamento de dívidas
menores. No discurso, o governo
diz que cumpre a lei. A prática demonstra o contrário.
Espécie de mega-Serasa em que
são inscritos os nomes de devedores contumazes do erário, o Cida
contabiliza créditos tributários
não honrados no valor de R$ 198
bilhões. Embora o cadastro anote
o nome de 4,5 milhões de contribuintes omissos, 80% da dívida
estão é de 5% dos devedores.
Estima-se que metade de toda a
dívida, algo em torno de R$ 100
bilhões, está concentrada no Estado de São Paulo. Criou-se na capital paulista, em 2003, um Departamento de Cobrança de Grandes
Devedores. Conta, porém, com
quadros incompatíveis com o
montante a ser cobrado: apenas
quatro procuradores fazendários
e três estagiários de direito.
O departamento funciona no
escritório paulistano da Procuradoria da Fazenda Nacional. É o
braço jurídico do Ministério da
Fazenda, a quem cabe cobrar a dívida ativa. No momento, os procuradores de São Paulo tentam
destrinchar os processos relativos
a 400 empresas. Juntas, devem
cerca de R$ 55 bilhões.
Alerta da auditoria
Em auditoria realizada na Procuradoria da Fazenda em São
Paulo, entre agosto e setembro de
2003, a Controladoria Geral da
União, vinculada à Presidência,
constatou que a estrutura montada para a cobrança de grandes débitos é flagrantemente ineficaz.
A desatenção com as dívidas
mais robustas não se restringe a
São Paulo. Ocorre também em
outras unidades da Procuradoria
da Fazenda, que possui escritórios em todas as capitais brasileiras e seccionais em 62 municípios
do interior do país.
Documento confidencial da
Controladoria da União, de 29 de
setembro de 2003, anota: "Até o
presente momento, não foram
adotadas medidas suficientes que
possibilitem a realização de um
acompanhamento efetivo dos
processos relacionados aos grandes devedores."
Em outro relatório sigiloso, de
19 de setembro de 2003, a Controladoria da União afirma, referindo-se especificamente à situação
de São Paulo: "É possível afirmar,
sem margem de erro, que os procuradores que atuam junto ao
projeto grandes devedores não
têm conhecimento sobre a composição dos devedores que efetivamente pertencem a esse grupo,
quais os valores devidos individualmente e qual a real situação
de cada devedor em particular".
O procurador-geral da Fazenda
Nacional, Manuel Felipe Rêgo
Brandão, vê exagero na avaliação
do órgão de auditagem da Presidência. Diz que a Procuradoria da
Fazenda dá prioridade aos devedores graúdos "na medida que o
seu quadro funcional permite."
Ele tem sob seu comando um time de 1.200 procuradores. Gostaria de dispor de pelo menos 2.500.
É pouca gente, reconhecem os
auditores da Controladoria da
União. Há em São Paulo só 79
procuradores fazendários. Só metade se ocupa diretamente da cobrança da dívida ativa, incluindo
grandes e pequenos débitos.
Cada procurador acompanha
simultaneamente uma média de
7.472 processos. Nos casos mais
importantes, enfrentam algumas
das mais renomadas bancas privadas de advocacia tributária do
país, mobilizadas pelos devedores
com maior poder econômico.
A ineficácia do aparato público
no trato das maiores dívidas tributárias não se restringe ao atual
governo. Vem de longe. Sob Fernando Henrique Cardoso, o Ministério da Fazenda criou o Programa Grandes Devedores. No
papel, dava primazia à cobrança
das maiores dívidas. No mundo
real, caiu no vazio.
Dívida incobrável
A Procuradoria da Fazenda Nacional elaborou, em 31 de dezembro de 2002, último dia do governo FHC, um pomposo relatório
de gestão. Foi assinado pelo procurador-geral de então, Almir
Martins Bastos.
O documento afirma, à página
sete: "No ano de 2002, retomou-se, de forma estruturada, o tratamento prioritário para cobrança
dos grandes devedores da Fazenda Nacional -débitos de valor
superior a R$ 10 milhões- ou em
cujos processos haja seguros indícios da prática de crimes fiscais."
A julgar pelas avaliações da
Controladora Geral da União, trata-se de pura balela. Em decisão
do ano passado (acórdão 122/
2003), o Tribunal de Contas da
União chegou a conclusões semelhantes às da Controladoria.
Aprovado em sessão plenária do
Tribunal, o documento afirma
que o Projeto Grandes Devedores,
por ineficiente, precisa passar por
reformulação.
Embora o montante da dívida
ativa (R$ 198 bilhões) assuste, o
desafio da Procuradoria da Fazenda Nacional é menor do que
parece. Um naco de cerca de R$
44 bilhões encontra-se fora do alcance dos procuradores. Está dividido assim:
1) R$ 2,5 bilhões em débitos inferiores a R$ 2.500. Não valem o
ajuizamento de uma ação. Estima-se que um processo judicial
de cobrança custa para o governo
no mínimo R$ 10.000;
2) R$ 15 bilhões foram parcelados pelo Refis. Lançado em 2000,
o programa concede aos devedores prazos de pagamento generosos -até 8.900 séculos, conforme
revelou a Folha, em sua edição de
ontem. Uma vez parcelada, a dívida deixa de compor o passivo sujeito a cobrança judicial;
3) R$ 25 bilhões foram parcelados pelo Paes, programa também
conhecido como Refis 2, editado
já sob Luiz Inácio Lula da Silva.
Assim como as dívidas beneficiadas com o Refis 1, saíram da alça
de mira da Procuradoria da Fazenda;
4) R$ 1,5 bilhão refere-se a débito fracionado em operações de
parcelamento convencionas da
Receita. O prazo é menos elástico
(até 60 meses). As condições, menos generosas do que as oferecidas pelo programas especiais;
Restam, portanto, R$ 154 bilhões em débitos passíveis de ajuizamento. Na maior parte dos casos, a lentidão e a ineficiência da
Procuradoria da Fazenda Nacional acomodam o governo no final
da fila dos credores.
O exemplo de Brasília é eloquente. Na capital da República, a
dívida ativa soma cerca de R$ 5 bilhões. Desse total, R$ 3 bilhões estão nas mãos de grandes devedores; R$ 1 bilhão compõe uma dívida que a própria Procuradoria da
Fazenda considera "incobrável".
Pertencem a duas massas falidas:
a construtora Encol e a empresa
de aviação Transbrasil.
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