São Paulo, domingo, 02 de abril de 2006

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CRISE NO GOVERNO/CERCO AO EX-MINISTRO

Planalto tenta demonstrar que nada teve a ver com a violação do sigilo bancário de Francenildo na Caixa Econômica Federal

Operação para manter Palocci e desacreditar caseiro ruiu em 11 dias

Lula Marques - 16.mar.2006/Folha Imagem
Francenildo Costa depõe na CPI no dia da violação de seu sigilo


MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O dia 16 de março pode ter selado a sorte do governo Lula. O relato parcial dos fatos daquela quinta-feira já levou à demissão de Antonio Palocci e Jorge Mattoso de postos-chave da economia 11 dias depois. E a operação para salvar o então ministro do testemunho do caseiro Francenildo Costa pode revelar o envolvimento de outros membros do governo num crime, segundo investigações da Polícia Federal.
O principal desafio do governo é convencer que a interrupção do depoimento do caseiro à CPI dos Bingos naquela quinta-feira -uma estratégia arquitetada com o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva- nada teve a ver com a violação do sigilo bancário da conta poupança de Francenildo na Caixa Econômica Federal e o vazamento dos dados, numa tentativa de desqualificar o caseiro. Ambas as operações foram engendradas supostamente no Palácio do Planalto.
A quinta-feira começou tensa no Planalto, onde a situação de Palocci foi tema de reunião logo cedo. Pouco após as 10h, o PT obtinha liminar no Supremo Tribunal Federal para calar o caseiro que vira Palocci na "casa do lobby", alugada por ex-assessores na Prefeitura de Ribeirão Preto investigados por suspeita de corrupção. Lula avalizou a ida ao STF em reiterada manifestação de apoio ao ministro da Fazenda.
O autor da ação no STF, senador Tião Viana (PT-AC), repetia nos corredores do Congresso: "O caseiro é culpado". Animara-se com a promessa do testemunho de um jardineiro que ouvira Francenildo falar em dinheiro e supôs que o caseiro teria sido pago para testemunhar contra Palocci.
"Todo mundo sabia, aqui [no Congresso] e no Ministério da Fazenda", relatou o senador dias depois, sobre o circuito percorrido no governo pela informação de que Francenildo registrara movimentações bancárias atípicas.
A tal testemunha não apareceu. O que apareceu na imprensa, no outro dia, foi o extrato do caseiro. Os dados foram levados pelo então presidente da Caixa ao então ministro da Fazenda, num encontro breve na residência de Palocci. Eram cerca de 23h de 16 de março. Palocci tinha em mãos o que acreditava ser uma poderosa prova contra o caseiro. Não imaginava que o envelope trazia também sua sentença de morte no cargo.

Lavagem
É provável que Palocci só tenha se dado conta do estrago depois de ter se tornado o suspeito número um da Polícia Federal pela ordem de violar o sigilo bancário de Francenildo. Alegou estresse para adiar o depoimento em que terá de explicar seus atos.
Na carta em que se despediu do governo, Palocci nega tudo com veemência. "Não tive nenhuma participação nem no mando nem operacional", escreveu. Quase na mesma hora, Jorge Mattoso insistia, em nota, que agira nos "estritos limites da legalidade".
As palavras de ambos ruíram em depoimentos dados à PF. Pressionado por testemunhos de funcionários, Mattoso reconheceu que determinara o acesso aos dados do caseiro e revelou que levara os extratos a Palocci.
À PF, o então presidente da Caixa deixara claro que o assunto havia sido discutido com Palocci antes da entrega do envelope. Foi durante o jantar num restaurante que Mattoso recebeu do consultor Ricardo Schumman a encomenda feita no início daquela noite. Mattoso chegava de reunião no Planalto quando chamou Schumman. Passou nome e CPF do caseiro com a ordem: "Veja o que ele tem na Caixa".
O expediente já se encerrara para a maior parte dos executivos. Schumman só localizou Sueli Mascarenhas, superintendente de recursos humanos, para tocar a tarefa. Tratava-se de "assunto sigiloso", contou a funcionária à PF sobre o pedido "não usual".
Sueli tinha o chamado perfil de acesso à base de dados da Caixa, mas precisou da ajuda de um gerente, Jeter Ribeiro. Segundo Ribeiro, o prédio já estava "à meia-luz" quando fez o serviço de seu laptop, do qual cuidou depois de apagar os rastros da invasão.
A PF ouviu funcionários da Superintendência de Controles Internos, que deveria rastrear operações atípicas e colher indícios de lavagens de dinheiro. Eles receberam o pedido de avisar o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) das movimentações de Francenildo na sexta-feira, 17 de março, quando o blog da revista "Época" já divulgava dados do caseiro. Contaram mais: Mattoso sabia do vazamento.
Durante uma semana, Mattoso fingiu investigar o caso. A investigação interna poderia chegar ao fim sem conclusão, não fosse uma falha: os extratos entregues à revista "Época" circularam em Brasília. O formato mostrou que os dados só poderiam ter saído do sistema central da Caixa. Mais: no extrato havia o código H4A00000, que permitiu o rastreamento da violação de sigilo. Os depoimentos forneceram as outras peças.


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