São Paulo, domingo, 02 de abril de 2006

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ELIO GASPARI

A crise mostra o vigor institucional

A atual crise política nada tem de institucional. Pelo contrário, demonstra, há um ano, o vigor dos Poderes da República.
Havia uma cáfila de salteadores com os pés na cúpula do PT e as mãos no tapetes do Planalto. A imprensa e o Congresso detonaram-na. Um grupo de caipiras montou uma casa de prazeres em Brasília. Novamente, foi detonada. Dessa vez, só pela imprensa. Seguiu-se uma malandragem acobertadora, patrocinada pelo presidente da Caixa Econômica e pelo ministro da Fazenda. A Polícia Federal detonou-a.
Tudo o que está exposto à visitação pública é resultado do funcionamento das instituições. Tradicionalmente, ocorria o oposto. O silêncio abafava a crise, debilitando as instituições. Se a criação das CPIs tivesse sido barrada, o deputado Osmar Serraglio não poderia ter demonstrado que a história de caixa dois era lorota. O que havia era roubalheira mesmo. Se o caseiro Nildo tivesse sido desmoralizado, Antonio Palocci ainda estaria no Ministério da Fazenda, alternando prebendas para o andar de cima e patranhas para o de baixo.
Em 1968, quando um deputado pediu ao presidente da Câmara, José Bonifácio, que fosse mais Andrada e menos Zezinho, ele respondeu com uma banana. Cadê a cena? Hoje, a deputada Angela Guadagnin está ao vivo e a cores, diariamente, reencenando a dança da pizza. Há a dança e não há a banana porque em 2006 havia uma câmera de TV no plenário.
A Inglaterra melhorou com o Caso Profumo, quando os prazeres do ministro da Defesa expuseram uma rede de moças bonitas e agenciadores espertos. Os Estados Unidos melhoraram com o Caso Watergate. O Brasil melhorou com o fim do collorato e, novamente, com a exposição dos métodos do PT-Federal e do aparelho presidido por "nosso guia". Melhora também quando se percebe a naturalidade com que o PSDB protege suas malfeitorias, enquanto vocifera contra o governo cuja ruína econômica apóia.
Ao aumento da decepção dos eleitores corresponde uma redução do nível de empulhação do governo e da oposição. Isso não significa que acabaram os malfeitores nem que acabarão as decepções. Significa que ficou mais difícil montar um mensalão, uma república de caipiras vorazes ou um triturador de reputações adversárias. Felizmente, o repórter Josias de Souza descobriu que sugavam dados da Receita Federal para xeretar eventuais adversários. Esse é o bilhar da vez.

Harvard põe um dedo no Brasil

A Universidade Harvard abrirá em junho um escritório no Brasil. Ficará em São Paulo e ajudará o intercâmbio com instituições brasileiras. Facilitará a vida de estudantes e professores americanos que venham pesquisar no Brasil, bem como de brasileiros que pretendam ir para Harvard.
O escritório será um braço do Centro David Rockefeller para Estudos Latino-Americanos. Ele surge no ano em que uma doação feita pelo empresário Jorge Paulo Lemman cacifará a ida de brasileiros para os cursos de Harvard, especialmente nas faculdades de saúde pública, educação e governo. Todos os processos seletivos continuarão centralizados na matriz, mas o escritório ajudará a divulgar as oportunidades.
No início de maio, Harvard anunciará a criação de um programa de estudos brasileiros, dirigido pelo professor Kenneth ("Devassa da Devassa") Maxwell.
Desde junho de 1876, quando D. Pedro 2º caminhou pelo gramado de Harvard no dia seguinte a um jantar na casa do poeta Longfel- low, essa será a maior aproximação daquela universidade com Pindorama. Cerca de mil maganos brasileiros já passaram pelas suas ruas centenárias, mas nenhum deixou correspondência que possa ser comparada, na qualidade, à de "Pedro Banana" com o cientista Louis Agassiz.

Torcida
Há uma torcida para que o jornalista Boris Casoy entre na Justiça pedindo o im- pedimento do "nosso guia". Na terça-feira, ele disse, em um artigo publicado na Folha, que "não há como o Congresso postergar um processo de impeachment contra Lula". Qualquer cidadão pode pedir a abertura do processo. Casoy foi excomungado na TV Record, para alegria dos comissários da publicidade do Planalto. Cabe ao presidente da Câmara tramitar o pleito ou mandá-lo ao arquivo. Aldo Rebelo deverá pensar duas vezes antes de mandar Casoy ao arquivo.

Curso Madame Natasha
Madame Natasha confunde Daslu com Telemar e adora CPI. No combate ao caixa dois do idioma, concedeu uma de suas bolsas de estudo ao deputado Osmar Serraglio, pelo seguinte trecho do seu relatório: "Como é de sabença, não incide, aqui, responsabilidade objetiva do chefe maior da nação, simplesmente, por ocupar a cúspide da estrutura do Poder Executivo, o que significaria ser responsabilizado independentemente de ciência ou não. Em sede de responsabilidade subjetiva, não parece que havia dificuldade para que pudesse lobrigar a anormalidade com que a maioria parlamentar se forjava". Natasha acredita que ele quis dizer o seguinte: ""Nosso guia" sabia, mas vocês sabem que essas coisas não devem ser ditas assim".

Fuso petista
A ministra Dilma Rousseff adotou um hábito do comissário José Dirceu. Chega atrasada em reuniões que marcou, sem comunicar o contratempo às suas vítimas. Faz isso com tamanha desenvoltura que constrange quem chega na hora.

Mágica besta
A ekipekonômica diz que o doutor Henrique Meirelles fortaleceu-se porque não prestará vassalagem a Guido Mantega. Responderá a Lula. Empulhação. Meirelles e a turma do Copom queriam autonomia em relação a Lula. Mantega é cisco no olho.

Quadrúpedes no metrô
É conhecida uma vinheta de Franco Montoro acerca do alcance das normas da burocracia: um trem tinha uma placa que proibia a entrada de cães. Um sujeito queria entrar com uma cabra. Argumentava que cabra não é cachorro, mas o guarda barrou-o. Fez o que não podia. Em seguida, veio um cego, guiado por um cão. Passou. O guarda deixou de fazer o que devia. Ao pé da letra, transgrediu a norma duas vezes. E fez o certo.
A diretoria do Metrô de São Paulo está numa briga com a advogada Thays Martinez. Cega, teve seu cão-guia barrado numa estação em 2000. Foi à Justiça e já passou por dois julgamentos. Um terceiro está em curso. Deve perdê-lo, mas recorrerá. No ano passado, a Justiça determinou que os cegos cumpram as normas do Metrô e, além disso, tenham consigo o atestado de vacina do cão, um comprovante de que ele é treinado e um termo de responsabilidade, caso o bicho cause algum dano.
Diante disso, os burocratas inventaram a exigência adicional de uma carteirinha especial para o cego e seu cão-guia. (Será o primeiro babilaque de quadrúpede.) A advogada sustenta que a exigência da carteirinha ofende as leis que garantem os direitos dos deficientes. Hoje, o Metrô quer carteirinha de cão de cego. Amanhã, outra empresa poderá exigir registro para cadeira de rodas.


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