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ELIO GASPARI
Marcelo McVeigh x George Garotinho
Já são dois os bandidos enforcados que o governador Anthony Garotinho carrega em
sua biografia. Em fevereiro, na
delegacia de Brás de Pina, apareceu pendurado numa tira de
pano o ladrão Alexandre Pires
de Almeida. Na segunda-feira,
pendurado num fio de ventilador, apareceu Marcelo Melo
Gonçalves dos Santos, um dos
assassinos da fonoaudióloga
Márcia Coelho Lira. Fez isso algemado, sem vão livre.
Tudo bem, o enforcamento
sem vão livre é possível. Assim
matou-se na prisão de Nurenberg, em 1945, o coordenador do
trabalho escravo do 3º Reich,
Robert Ley. Quem atestou isso
foi o coronel Andrus, texano de
fé, que o achou deitado, com
uma toalha em volta do pescoço.
Felizmente, os brasileiros não
acreditam nesse tipo de história.
O patrono dos enforcados nacionais chama-se Cláudio Manoel da Costa. Asfixiou-se com uma meia comprida, em 1789.
Depois dele vieram, entre outros, Roberto Cietto (sentado),
Vladimir Herzog (com um cinto
de pano) e Manuel Fiel Filho
(com uma meia curta).
O crime cometido por Marcelo
Melo Gonçalves dos Santos é do
conhecimento e do horror públicos, mas quem morreu pendurado na cela da Polinter não foi
apenas ele. Foi um pedaço de todos aqueles que sofreram a morte de sua vítima. Não é por meio
do crime ou da negligência que
o Estado e muito menos a sociedade impõem o primado da lei.
O crime e a negligência só servem ao banditismo.
Os responsáveis pela morte de
Marcelo devem responder criminalmente, e o Estado deve ser
condenado pela sua morte assim como o foi em casos anteriores. Ou se faz isso ou continua-se
numa ciranda hipócrita na qual
dois bandidos entram na casa
de uma família, estupram e torturam duas mulheres, matam
uma e, dias depois, tudo parece
resolvido porque um deles apareceu pendurado num fio de
ventilador.
É hipocrisia porque o que está
em questão é a discussão da pena de morte no direito penal
brasileiro. Quem é contra a pena de morte mas não se incomoda com o que aconteceu a Marcelo Lemos Gonçalves dos Santos é hipócrita. Pode-se jantar
ao lado de hipócritas sem grande constrangimento, mas o problema desse tipo de fariseus está
no fato de serem ineficazes. Lavam as mãos diante de um pacto no qual bandidos fazem o que
Marcelo fez e permite-se que
aconteça o que lhe aconteceu.
Tiram o corpo fora, gradeiam o
edifício onde vivem e, sem terem
dinheiro, blindam o carro. Em
alguns casos, fazem mesas redondas para discutir a questão
da criminalidade, tomando cuidado para que nela não tenha
assento qualquer pessoa interessada em defender penas carcerárias mais rigorosas, prisão
perpétua ou mesmo a pena capital.
A sociedade brasileira precisa
discutir a pena de morte. Pode
rejeitá-la, mas deve assumir a
sua rejeição. Pode trocá-la pela
prisão perpétua, por seja lá o
que for, mas deve assumir o tipo
de pena que pretende impor, solidariamente, a quem faz o que
o bandido Marcelo fez. O que
não se pode é viver num país onde o politicamente correto determina que toda pessoa com
unhas curtas e mãos sem calos
tenha o direito de fingir que vive
sob o Código Penal sueco enquanto os presos amanhecem
pendurados como cachos de bananas. Desse jeito, ao crime responde-se com outro crime. Não
é demais lembrar que Alexandre, o antecessor de Marcelo,
não matou ninguém. Estava
apenas roubando toca-fitas.
Quem é a favor da pena de
morte não é um celerado. É apenas um cidadão que julga necessário acabar com a vida de pessoas que fazem o que Marcelo
fez. Infelizmente, quem é católico não dispõe dessa prerrogativa, pois, como já ensinou Carlos
Heitor Cony, ser católico não é
coisa para quem quer, mas para
quem pode. É irresponsável
aquele que é contra a pena de
morte e acha razoável que seja
razoável pendurar Marcelo
num fio de ventilador, Cláudio
numa meia comprida ou Manuel numa meia curta.
Há muito mais civilização
(põe mais civilização nisso) no
que o governo americano fará
com Timothy McVeigh. Em
1995, ele jogou um carro bomba
no edifício do governo federal
da cidade de Oklahoma e matou 168 pessoas. Foi processado e
condenado. No próximo dia 16
tomará uma injeção letal. Os
1.100 familiares da vítimas estão
convidados para assistir a cena
num circuito interno de televisão. É o jogo jogado. Fez o que
achou que devia fazer. Botou a
vida no pano verde, foi apanhado e vai deixá-la numa cama de
forro marrom. Sua execução poderá parecer um circo, mas será
um circo amparado no devido
processo da lei. McVeigh teve direito a defesa, e o cidadão que
lhe dará a injeção fará isso em
nome da lei, a serviço do Estado.
A sociedade americana pode estar errada ao apoiar a pena de
morte, mas ela está certa numa
coisa: faz o que lei manda e não
o que a vindita pede. Por conta
disso, entre outros fatores, George W. Bush elegeu-se presidente
do Estados Unidos.
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