São Paulo, quarta-feira, 02 de maio de 2001

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ELIO GASPARI

Marcelo McVeigh x George Garotinho

Já são dois os bandidos enforcados que o governador Anthony Garotinho carrega em sua biografia. Em fevereiro, na delegacia de Brás de Pina, apareceu pendurado numa tira de pano o ladrão Alexandre Pires de Almeida. Na segunda-feira, pendurado num fio de ventilador, apareceu Marcelo Melo Gonçalves dos Santos, um dos assassinos da fonoaudióloga Márcia Coelho Lira. Fez isso algemado, sem vão livre.
Tudo bem, o enforcamento sem vão livre é possível. Assim matou-se na prisão de Nurenberg, em 1945, o coordenador do trabalho escravo do 3º Reich, Robert Ley. Quem atestou isso foi o coronel Andrus, texano de fé, que o achou deitado, com uma toalha em volta do pescoço.
Felizmente, os brasileiros não acreditam nesse tipo de história. O patrono dos enforcados nacionais chama-se Cláudio Manoel da Costa. Asfixiou-se com uma meia comprida, em 1789. Depois dele vieram, entre outros, Roberto Cietto (sentado), Vladimir Herzog (com um cinto de pano) e Manuel Fiel Filho (com uma meia curta).
O crime cometido por Marcelo Melo Gonçalves dos Santos é do conhecimento e do horror públicos, mas quem morreu pendurado na cela da Polinter não foi apenas ele. Foi um pedaço de todos aqueles que sofreram a morte de sua vítima. Não é por meio do crime ou da negligência que o Estado e muito menos a sociedade impõem o primado da lei. O crime e a negligência só servem ao banditismo.
Os responsáveis pela morte de Marcelo devem responder criminalmente, e o Estado deve ser condenado pela sua morte assim como o foi em casos anteriores. Ou se faz isso ou continua-se numa ciranda hipócrita na qual dois bandidos entram na casa de uma família, estupram e torturam duas mulheres, matam uma e, dias depois, tudo parece resolvido porque um deles apareceu pendurado num fio de ventilador.
É hipocrisia porque o que está em questão é a discussão da pena de morte no direito penal brasileiro. Quem é contra a pena de morte mas não se incomoda com o que aconteceu a Marcelo Lemos Gonçalves dos Santos é hipócrita. Pode-se jantar ao lado de hipócritas sem grande constrangimento, mas o problema desse tipo de fariseus está no fato de serem ineficazes. Lavam as mãos diante de um pacto no qual bandidos fazem o que Marcelo fez e permite-se que aconteça o que lhe aconteceu. Tiram o corpo fora, gradeiam o edifício onde vivem e, sem terem dinheiro, blindam o carro. Em alguns casos, fazem mesas redondas para discutir a questão da criminalidade, tomando cuidado para que nela não tenha assento qualquer pessoa interessada em defender penas carcerárias mais rigorosas, prisão perpétua ou mesmo a pena capital.
A sociedade brasileira precisa discutir a pena de morte. Pode rejeitá-la, mas deve assumir a sua rejeição. Pode trocá-la pela prisão perpétua, por seja lá o que for, mas deve assumir o tipo de pena que pretende impor, solidariamente, a quem faz o que o bandido Marcelo fez. O que não se pode é viver num país onde o politicamente correto determina que toda pessoa com unhas curtas e mãos sem calos tenha o direito de fingir que vive sob o Código Penal sueco enquanto os presos amanhecem pendurados como cachos de bananas. Desse jeito, ao crime responde-se com outro crime. Não é demais lembrar que Alexandre, o antecessor de Marcelo, não matou ninguém. Estava apenas roubando toca-fitas.
Quem é a favor da pena de morte não é um celerado. É apenas um cidadão que julga necessário acabar com a vida de pessoas que fazem o que Marcelo fez. Infelizmente, quem é católico não dispõe dessa prerrogativa, pois, como já ensinou Carlos Heitor Cony, ser católico não é coisa para quem quer, mas para quem pode. É irresponsável aquele que é contra a pena de morte e acha razoável que seja razoável pendurar Marcelo num fio de ventilador, Cláudio numa meia comprida ou Manuel numa meia curta.
Há muito mais civilização (põe mais civilização nisso) no que o governo americano fará com Timothy McVeigh. Em 1995, ele jogou um carro bomba no edifício do governo federal da cidade de Oklahoma e matou 168 pessoas. Foi processado e condenado. No próximo dia 16 tomará uma injeção letal. Os 1.100 familiares da vítimas estão convidados para assistir a cena num circuito interno de televisão. É o jogo jogado. Fez o que achou que devia fazer. Botou a vida no pano verde, foi apanhado e vai deixá-la numa cama de forro marrom. Sua execução poderá parecer um circo, mas será um circo amparado no devido processo da lei. McVeigh teve direito a defesa, e o cidadão que lhe dará a injeção fará isso em nome da lei, a serviço do Estado. A sociedade americana pode estar errada ao apoiar a pena de morte, mas ela está certa numa coisa: faz o que lei manda e não o que a vindita pede. Por conta disso, entre outros fatores, George W. Bush elegeu-se presidente do Estados Unidos.



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