São Paulo, quinta-feira, 02 de maio de 2002

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CELSO PINTO

O que preocupa na dívida externa

O Banco Mundial disse que a dívida externa brasileira preocupava porque era muito grande, 10% do total dos países emergentes. Armínio Fraga, presidente do Banco Central, respondeu que não, porque ela é grande em valores absolutos, mas não relativos: 40% do PIB. Quem tem razão?
Um estudo especial do FMI, publicado no "World Economic Outlook", divulgado neste mês sugere que ambos podem estar certos. A dívida brasileira em relação ao PIB, de fato, não é alta se comparada à de outros emergentes. Aliás, está na média da dívida latino-americana (40% do PIB), que se compara a 60% do PIB, por exemplo, na África e na Ásia (veja o gráfico). Só que, como mostra o estudo, embora a dívida latino-americana não seja alta, o número de moratórias e reestruturações foi cinco vezes maior do que o da África e da Ásia, desde 1860, e mais do que o triplo, desde 1950.
Menos dívida resultou em mais crise, por várias razões. A relação entre dívida e exportações é muito alta. Apesar da liberalização recente, ainda são economias fechadas, se comparadas, por exemplo, às asiáticas. Isso aumenta a vulnerabilidade: é mais difícil para o país em crise gerar divisas via saldos comerciais, mesmo com desvalorizações cambiais.
Além disso, a dívida, na América Latina, está mais concentrada no governo do que no setor privado (no Brasil, 67% da dívida é privada). O detonador de crises é a incapacidade dos governos de se financiarem. Normalmente ciclos de liquidez abundante levam a um alto endividamento. Quando ele reverte, a escassez é ampliada pela reação menos significativa via balança comercial.
A economia reage lentamente e as contas fiscais do governo se complicam com a retração econômica e o impacto da desvalorização sobre a dívida externa, como aconteceu nos anos 80. Na Ásia, a relação dívida externa/ receita do governo tem sido historicamente mais baixa do que na América Latina.
Outro fator que tende a exacerbar as crises externas na região é a volatilidade de suas políticas macroeconômicas. Variáveis como PIB, câmbio real, gastos e receitas públicas são muito voláteis, elevando o risco de moratória. A região é mais afetada por mudanças nas relações de troca, por sua maior dependência de poucos produtos de exportação (exceto Brasil e México). A política fiscal tende a ser pró-cíclica: não se poupa, quando o ciclo é bom, o que exige ajustes duros quando a economia já está em crise. A região também se caracteriza por ciclos alternados de liberalização e mais controle comercial e sobre capitais.
Outro fator de vulnerabilidade em alguns países, como a Argentina, é ter a maior parte da dívida pública em dólares, sujeita ao impacto da desvalorização. Como os mercados em moedas locais são pequenos e de prazos curtos, eles não são uma alternativa viável para muitos governos.
Nem todos os fatores se aplicam ao Brasil, mas cautela com dívida externa nunca é demais.

Otimismo com o PT
Josué Gomes da Silva comanda uma empresa têxtil que deve faturar R$ 1 bilhão neste ano, a Coteminas. Ele é filho do senador José Alencar, do PL, ex-futuro vice-presidente da candidatura Lula, do PT.
A Coteminas, em dez anos, multiplicou por 17 vezes seu faturamento. Em 97, exportava US$ 6 milhões. Neste ano, exportará US$ 200 milhões. Tem ambição de se transformar, até 2005, no maior produtor mundial de toalhas e artigos de cama e mesa. Planeja multiplicar por cinco suas exportações para os Estados Unidos. Josué é um empresário competitivo, globalizado e que precisa de mercados abertos para crescer. Vive de investidores em Bolsa, aqui e no exterior, não de empréstimos.
Ganhou com a abertura da economia brasileira na ida e na volta do câmbio. Aproveitou o câmbio de US$ 1 por R$ 1 para importar barato máquinas, modernizar sua empresa e aumentar a produtividade. Ainda com o câmbio controlado, conseguiu um prodígio: exportava camisetas a um preço, em dólares, inferior ao oferecido pelos chineses. Depois da desvalorização, alavancou ainda mais as exportações. Está convencido de que exportar mais é a única saída decente para sair da vulnerabilidade externa e colocou suas fichas nessa aposta.
Como ele imagina o Brasil no governo de Lula, apoiado pelo seu pai? Ele supõe que, na transição entre a eleição e a posse, a incerteza trará alguma turbulência ao mercado. Mas espera um boom econômico depois que Lula tomar posse. Para isso, imagina que ele aprove, talvez nos primeiros três meses de seu governo, duas reformas cruciais que só o PT conseguiria aprovar: a tributária e a da Previdência pública.
A reforma tributária reduziria tributos sobre a produção e o trabalho, mantendo a carga tributária. Outros tributos, como o sobre grandes fortunas ("Por que não?", pergunta), compensariam a redução. A seu ver, medidas como essas, no início de mandato, seriam suficientes para injetar otimismo na economia. E a volta do crescimento seria a melhor garantia de que o país honraria suas dívidas. Manter a política atual, diz, é que embute o risco de levar o país a um calote.
Josué vê muitos empresários, especialmente de médio porte, dispostos a votar em Lula. Os oito anos de FHC foram duros com o setor produtivo nacional e semearam vontade de mudar. Só quem quer mais do mesmo, sugere, é o setor financeiro. Risco na mudança, define, existe com alguém como Garotinho, não com Lula.


E-mail:
CelPinto@uol.com.br



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