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GOVERNO SOB PRESSÃO
Líderes do partido vêem autoritarismo no presidente, que culpa sigla pela crise política e mostra intolerância em relação a críticas
Lula e cúpula do PT vivem seu pior momento
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Nunca estiveram tão ruins e distantes as relações entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a
cúpula do PT nos dois anos e cinco meses em que governam o
país. Para a direção petista e ministros importantes, Lula assumiu comportamento autoritário.
Isolou-se e toma decisões sem levar em conta a opinião do PT.
Já o presidente atribui ao seu
partido a responsabilidade maior
pela crise política e ouve de verdade o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) e seu chefe-de-gabinete, Gilberto Carvalho. Irritadiço, Lula também demonstra
mais intolerância a críticas e aumentou as queixas da imprensa.
"O PT tem 25 anos de história.
Levamos dez anos construindo a
vitória do Lula. Foi uma obra coletiva. Não dá para ele decidir tudo sozinho. Não dá mais", desabafou o ministro José Dirceu (Casa Civil), ainda com a roupa para
exercícios que acabara de praticar, ao receber dirigentes do PT
para um café da manhã em 6 de
maio, uma sexta-feira.
O presidente do PT, José Genoino, não teve nem tempo de relatar
a longa conversa que tivera com
Lula na noite anterior. Genoino
levara o diagnóstico de encontro
reservado do início daquela semana no qual ele, Dirceu, Palocci
e os ministros Luiz Gushiken (Comunicação de Governo) e Jaques
Wagner (Conselhão) fecharam
acordo para pressionar Lula a demitir Aldo Rebelo (Coordenação
Política) e a retomar, mesmo parcialmente, a reforma ministerial.
Tal movimento fora facilitado pelo próprio Aldo, que havia pedido
demissão duas vezes.
No limite
No desabafo, que repetiria em
outras reuniões, como na terça-feira 24 de maio, dia em que deu a
entender num encontro com moderados do PT que Lula era o
principal responsável pela crise
política, Dirceu disse que estava
"no seu limite". Falou que se cansara de executar tarefas a pedido
de Lula e vê-las desconsideradas.
Genoino interveio e disse que
Lula já tinha uma solução. Deslocar Aldo para a pasta da Defesa,
ocupada pelo vice José Alencar.
Em resposta à pergunta de como os militares reagiriam a um
ministro fraco, pois seria demitido da articulação política, Lula
disse a auxiliares que já tinha a solução. Para vitaminar Aldo, acertara com Palocci um aumento salarial para os militares.
Dirceu chegou a dizer que a articulação política deveria ser dada
ao ex-presidente da Câmara João
Paulo Cunha (PT-SP). Os participantes da reunião -ministros
petistas e os líderes do governo na
Câmara, Arlindo Chinaglia (SP), e
do PT na Casa, Paulo Rocha
(PA)- disseram que o articulador deveria ser Dirceu.
No sábado 7 de maio, Genoino
viajou para o Japão acreditando
que retornaria com o assunto resolvido. Reportagens dando conta de que Aldo pedira demissão e
de que a tendência era Dirceu
ocupar o seu lugar contrariaram
Lula. Uma declaração de Gushiken em 9 de maio, assumindo que
o PT queria o lugar de Aldo, levou
o presidente a dizer, mais uma
vez, que não o demitiria sob pressão do PT, pois pareceria fraco. O
presidente, porém, prometeu a
auxiliares decidir até viajar para a
Ásia em 22 de maio.
Enquanto não "oficializava" a
saída de Aldo, Lula teve conversa
secreta com Dirceu na Granja do
Torto no domingo 15 de maio, um
dia depois de a revista "Veja" ter
chegado às bancas com a gravação em que um funcionário dos
Correios embolsa propina de
R$ 3.000 e diz ser agente de um esquema de corrupção em estatais
para beneficiar o PTB.
Prevendo novos problemas na
articulação política, que vinha de
uma série de derrotas seguidas no
Congresso, Lula pediu a Dirceu
que assumisse na prática o comando da operação política e tivesse "paciência" porque tomaria
decisão em breve sobre Aldo.
O ministro da Coordenação Política começou a arrumar as gavetas, e Lula passou a discutir a entrega de parte das atribuições da
Casa Civil, especificamente as de
gerenciamento de governo, ao
Planejamento ou a uma secretária
especial. Assim, aliviaria a Casa
Civil, deixando-a com as tarefas
políticas e jurídicas.
CPI
Durante a viagem de seis dias à
Ásia, Lula tratou por telefone
principalmente com Dirceu das
manobras da fracassada operação
para abafar a CPI dos Correios
por meio de retirada de assinaturas de deputados do requerimento de criação da comissão.
Novamente, petistas ouviram
de Lula que ele tomaria decisões
na volta. Do Japão, na sexta-feira
passada, pediu que ministros e
auxiliares fossem chamados para
uma reunião na Granja do Torto
no domingo. O vazamento da informação fez com que cancelasse
o encontro e a reunião de coordenação de governo na segunda.
Lula, então, convidou Dirceu
para uma conversa a sós na Granja do Torto no domingo à noite. O
presidente, que em conversas
com auxiliares sinalizara que
achava inútil e desgastante insistir
no sepultamento regimental da
CPI dos Correios, não tomou as
grandes decisões que os petistas e
Dirceu aguardavam.
O ministro da Casa Civil deixou
a Granja do Torto contrariado.
Julgou a conversa improdutiva.
Quando peemedebistas, petebistas e pepistas souberam que
Lula e alguns petistas defendiam a
instalação da CPI, procuraram
Aldo e disseram que era loucura,
que não existia CPI sob controle.
Na segunda, Lula ouviu boa
parte da cúpula do PT e o ministro da Justiça, Márcio Thomaz
Bastos, que era a favor de enfrentar logo a CPI. Disse que a PF (Polícia Federal) avançara nas investigações e que esclareceria o caso
dos Correios antes da CPI. Mas
Lula aceitou a pressão dos aliados
para insistir numa operação para
matar a CPI na CCJ (Comissão de
Constituição e Justiça) da Câmara, considerada de alto risco.
Desânimo
Na segunda, Dirceu retomou o
foco nas ações administrativas. A
amigos, disse que estava desmotivado e que não adiantava mais falar nada com Lula. Em reunião
com ministros petistas à noite, foi
enterrada a proposta de pedirem
demissão para forçar Lula a mudar o governo.
Ontem e anteontem, um clima
de desânimo dominou petistas. A
última idéia era apelar ao exemplo do presidente francês, Jacques
Chirac, para convencer Lula a agir
para dar sinais de que não é refém
da crise. Na França, consulta ao
eleitorado resultou na rejeição da
nova Constituição européia. Em
menos de 48 horas, Chirac trocou
o primeiro-ministro, numa manobra para tentar deixar para trás
uma tremenda derrota política.
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