São Paulo, domingo, 02 de julho de 2000


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IGREJA
Valeriano Paitoni, contrariando a orientação do Vaticano, que condena o preservativo, concebeu e dirigiu a fita
Padre faz vídeo para defender camisinha

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

"O silêncio é uma prece." Quem visita pela primeira vez a sacristia da igreja de Nossa Senhora de Fátima, no Imirim (zona norte de São Paulo), dificilmente fica alheio à frase de tom proverbial, inscrita em uma pequena placa. Mas para os fiéis que já conhecem o responsável por aquela paróquia, o ensinamento soa quase como ironia. Todos ali sabem que padre Valeriano Paitoni não é homem de silêncios.
Há 16 anos, o sacerdote se opõe às orientações do papa sobre o uso de preservativos. Enquanto a Santa Sé condena a camisinha, padre Valeriano a recomenda e distribui. Não vê melhor saída diante da proliferação do HIV.
Na esperança de disseminar suas convicções, está lançando o vídeo "Em Defesa da Vida... São Outros 500". Ele mesmo o concebeu e dirigiu, com recursos do Ministério da Saúde (R$ 20 mil).
A fita dura 16 minutos. É uma espécie de manifesto, que se apóia em uma tese principal: se hoje a Igreja Católica pede perdão pelos erros cometidos contra negros e índios, futuramente terá de fazê-lo por não aceitar a camisinha no combate à Aids.
O vídeo oferece números sobre a doença e tenta demonstrar como os preservativos vêm contribuindo para detê-la.
Um narrador informa que, de acordo com o Banco Mundial, "o trabalho de prevenção realizado no Brasil durante os últimos quatro anos evitou 38 mil novos casos de infecção pelo vírus HIV" -resultado que deriva também do "aumento de quase 500%" na venda de camisinhas.
Em alguns trechos, é o próprio padre Valeriano quem se pronuncia. "Como igreja", afirma, "não recebemos a missão de destruir a vida, mas de defendê-la na sua plenitude. Partindo desse princípio, precisamos rever com coragem nossas posições e dar uma resposta de vida, não de morte; uma resposta de inclusão e não de exclusões".
Até agora, o sacerdote produziu 200 cópias do vídeo, que repassou para ONGs católicas. Pretende, no entanto, espalhar outras fitas por paróquias de todo o país.
O manifesto deverá colocar mais lenha em uma fogueira que já ardeu muito nas últimas semanas. Recentemente, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) promoveu um seminário sobre Aids que contou com a presença do monsenhor Javier Lozano Barragán, representante do Vaticano.
Ao longo do evento, o episcopado progressista chegou a admitir a camisinha como "mal menor". Monsenhor Barragán, contrariado, o repreendeu duramente. E reiterou que, para Roma, só há duas armas capazes de vencer o HIV: a abstinência sexual e a fidelidade conjugal.
"O vídeo não é uma provocação", diz padre Valeriano, que participou do seminário em Itaici (SP). "É apenas uma tentativa de traduzir o que pensa a base da igreja, aqueles que trabalham com os soropositivos."

Punição
Italiano de Pontevico, o sacerdote administra três casas na zona norte paulistana que prestam assistência gratuita a portadores do vírus da Aids. Juntas, cuidam de 33 pacientes -22 crianças e 11 adultos.
Cada um custa cerca de R$ 300 por mês. Frequentadores da igreja de Nossa Senhora de Fátima doam uma porcentagem do dinheiro. O resto advém da congregação de que o padre faz parte: a dos Missionários da Consolata.
No Brasil desde 1978, Valeriano, 50, trabalhou inicialmente em Cascavel (PR), onde respondia pela formação de seminaristas.
Em 1984, mudou-se para São Paulo e travou os primeiros contatos com a Aids. Logo percebeu a importância da camisinha. Passou, então, a defendê-la em palestras e a distribuí-la entre pobres e doentes. Nunca sofreu nenhuma punição do clero.


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