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NO PLANALTO
Dados sigilosos da Receita vazaram do Serpro
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Investigação sigilosa do
governo confirmou o impensável: é mesmo da Receita Federal
aquele banco de dados confidencial que vigaristas vendiam em
São Paulo, no início do ano, pela
pechincha de R$ 4.000. Os dados
vazaram do Serpro.
Não há em toda a história do
Fisco nacional vestígio de semelhante vexame. A delinquência
fez barba, cabelo e bigode. Rompeu-se o sigilo fiscal de cerca de
11,5 milhões de brasileiros -7,6
milhões de pessoas físicas e 3,9
milhões de empresas.
As informações surrupiadas
deixam o contribuinte nu. Revelam-lhe o fundo da alma: renda/
faturamento, ocupação/ramo de
atividade, patrimônio, endereço
etc.
Pense num nome. Seu pai, sua
tia, FHC, Vera Fischer, Ronaldinho, Zé das Couves, qualquer um.
Se declarou imposto no ano de 96,
foi vítima da pirataria praticada
nos computadores do Serpro.
Em meio ao desastre, recolhe-se
uma má notícia -sim, mais
uma- e uma informação alentadora. Primeiro a má notícia:
ainda não foram identificados os
responsáveis pelo crime. Agora, a
informação que traz alento: há
na Receita e no Serpro gente empenhada na caça aos culpados. A
busca foi transformada em questão de honra.
Embora inconclusa, a
apuração já reuniu detalhes de arrepiar. Tem-se como certo o seguinte:
1) A malfeitoria foi executada por funcionários do
próprio Serpro. Funcionários graúdos. Só a elite técnica da empresa dispõe de
senhas com acesso ao tipo
de dado que ganhou as
ruas;
2) As informações foram
surrupiadas de um arquivo
com o sugestivo nome de
"Cadval", abreviação de
"cadastro de valor";
3) Os dados são do Imposto de Renda de 96. Foram
roubados no início de 97,
entre o final de janeiro e o
começo de fevereiro. O período sob investigação é de
dez dias;
4) O roubo foi praticado
num computador instalado no prédio do Serpro em
São Paulo;
5) Utilizou-se programa
desenvolvido no Rio de Janeiro;
Trabalha-se ainda com as
seguintes pistas:
1) O crime não foi obra solitária. Há pelo menos dois
envolvidos. Pode haver
mais;
2) A cópia pirata deve ter
sido feita em arquivo magnético, um cartucho. O material era farto demais para
ser copiado em disquete;
3) O banco de dados pode
ter pulado o muro do Serpro em transmissão via
modem;
4) Há ainda a hipótese
"Cavalo de Tróia", como a
apelidaram no Serpro. Os
dados sigilosos teriam sido,
neste caso, injetados clandestinamente no meio de
um dos tantos arquivos que
cruzam os portões do Serpro todos os dias, com direito a protocolo de saída;
5) Empresas privadas
compraram os CDs das
mãos de vigaristas. A Polícia Federal está a um passo
de provar o envolvimento
de uma dessas empresas. É
estrangeira e bastante conhecida.
Os CDs da Receita têm
serventia variada. Prestam-se à confecção de mala
direta para potenciais
clientes de empresas. Em
mãos bandidas, também
podem servir para a seleção
de candidatos a roubos e
sequestros.
Chegou-se aos CDs por
um descuido da malandragem. Um sujeito oferecia,
em anúncios de jornal, a
relação dos números de telefones sigilosos de São
Paulo, esses que os donos
pedem que sejam excluídos
da lista. A Telefônica denunciou e a polícia civil
paulista abriu, no final do
ano passado, o inquérito
número 1257/99.
Em janeiro de 2000, simulando interesse pelo material, policiais disfarçados
prenderam Jefferson Festa
Perez. Descobriu-se que ele
fazia a festa não só com os
números da Telefônica.
Oferecia também os CDs da
Receita.
No princípio, o Fisco duvidou que os dados fossem
seus. Tinha lá as suas razões. Havia baixado, antes
do furto, normas que aperfeiçoaram o sistema de senhas da repartição. Por curiosidade, Everardo Maciel
pedira, em meados de 96,
que verificassem se alguém
havia bisbilhotado a declaração de rendimentos dele.
Não deu outra.
A vida financeira de Everardo fora perscrutada.
Chegou-se ao nome do curioso graças à senha, um
rastro que o fiscal é obrigado a deixar sempre que entra nos arquivos eletrônicos do Leão. Inquirido, o
fiscal xereta disse, entre outras coisas, que era um admirador do secretário da
Receita.
Abriu-se um inquérito. E
verificou-se que, na verdade, o fiscal cultivava outras
admirações. Ele vasculhara
também os dados de Roberto Marinho, de Antônio Ermírio de Moraes, de Ronaldinho e de Romário.
Daí a decisão de reforçar
a segurança. Estipulou-se,
de resto, uma escala de punições. O chamado "acesso
imotivado", apelido oficial
da bisbilhotice sem causa,
pode levar um fiscal à demissão.
Fustigada, a Receita pediu à polícia paulista cópias dos CDs. Desejava desmentir que contivessem dados sob sua guarda. A resposta da polícia foi negativa. Após alguma insistência, terminou obtendo o
material na Telefônica.
O Serpro pediu à Receita
que buscasse nos CDs obtidos em São Paulo 300 informações. Coisas como
nomes, endereços etc. Verificou que eram idênticos
aos que guardava em seus
arquivos. Analisa daqui,
verifica dali, chegou-se à
declaração de 96. Refinando a apuração, concluiu-se
que o vazamento se deu no
início de 97, como já mencionado.
Tenta-se agora refazer a
picada aberta pelos larápios nas máquinas do governo. Não é tarefa simples.
Num único dia de trabalho,
o pessoal do Serpro realiza
algo como 14 milhões de
operações. Espera-se fisgar
os criminosos pela senha.
O governo gostaria de fechar a apuração até o final
de julho. Sabe que deve
uma boa explicação à ralé.
Sabe também que, depois
de mais de quatro meses de
apuração, não fica bem vir
a público sem os nomes dos
culpados. Isso só aumentaria o vexame.
Um vexame, diga-se, que
talvez pudesse ter sido evitado. O Serpro preparou-se
com esmero para os ataques externos. Dispõe até
de esquadrão anti-hacker.
Mas descuidou do inimigo
infiltrado em sua própria
trincheira.
Um exemplo: quando um
funcionário deixava o Serpro, continuava tendo
acesso aos computadores
da empresa. Só depois de
três, quatro dias, cortavam-lhe a senha. Só de 97
para cá, 2.500 funcionários
deixaram a empresa.
Arrombada a porta, as senhas são agora eliminadas
simultaneamente ao afastamento. Decidiu-se também exigir que, além da senha, o funcionário se submeta a outros dois filtros:
terá de usar um cartão
magnético e passar o polegar num leitor digital, para
confirmar a identidade.
O Serpro está comprando
cartões magnéticos por míseros R$ 10 a unidade. Cada leitor digital custa pouco mais de R$ 500. A compra fora programada havia
três anos. Mas foi sendo
empurrada com a barriga.
A conta pelo descuido está sendo apresentada agora. Sabe-se o que o Serpro e
a Receita perderam: um belo naco de confiabilidade,
patrimônio raro, difícil de
ser recuperado. O prejuízo
dos contribuintes não é
contabilizável.
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