São Paulo, domingo, 02 de julho de 2000


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ELIO GASPARI

Operação Ciro
Para o registro da sucessão presidencial. Pelo menos dois tucanos de densa plumagem começaram uma conversa de periquito com Ciro Gomes, oferecendo-se como intermediários para um encontro dele com FFHH. Numa das conversas, garantia-se o sigilo. Ciro não alimentou o assunto.
Não há vestígio de que FFHH tenha sabido dessas conversas.

Muito diálogo
Na semana passada uma equipe de auditores da Secretaria Federal de Controle chegou aos assentamentos de sem-terra que formam a Cooperativa Cocamp, no Pontal do Paranapanema, em São Paulo. A grande estrela do pedaço é José Rainha Júnior.
Desde a chegada dos auditores (do Ministério da Fazenda) percebeu-se que a liderança dessa sucursal do MST foi acometida de uma súbita vontade de dialogar com o governo.


O Geisel ignoto
Morreu no último dia 7, aos 68 anos, Augusto Geisel. Saiu da vida como nela esteve, cuidando para que não o notassem. Augusto era dono de um curso de inglês em Niterói, onde tornou-se conhecido pelo apelido de Mr. Geisel.
Entre 1969 e 1979 ele foi, sucessivamente, filho do ministro do Exército (Orlando Geisel), sobrinho do presidente da Petrobras e da República (Ernesto). Ninguém soube que ele existia. Não aparecia no noticiário. Sua relação com o governo limitava-se ao pagamento pontual dos impostos.
Numa república onde parentesco é currículo, quase que escondia o seu. Mesmo tendo relações afetuosas com o pai e o tio, espantava os interessados em usá-lo como intermediário para fosse o que fosse, fazendo-se passar por proscrito: "Você não sabe por que eu vim morar em Niterói? Para ficar longe deles. Sou brigado com ambos".
Era mentira, mas afora assuntos familiares, só conversava com o pai e o tio sobre comida e futebol.


Um craque no PFL
Depois de ter abrilhantado o seu quadro social com o então deputado Hildebrando Paschoal, o PFL adquiriu uma nova jóia para sua coroa. Tem como candidato a vereador na cidade paranaense de São José dos Pinhais o auditor fiscal Jair Valério Jr.
Um inquérito da Receita apura sua biografia. Ele tem seis CPFs, dois registros de identidade, dois títulos de nível superior sem fundos, cumpriu pena de prisão, responde a 45 processos e é sócio de quatro empresas declaradas inaptas. Além disso, foi autuado pela Receita Federal em R$ 800 mil.


A direita popular de Pindorama


Está nas livrarias "Esquerda e Direita no Eleitorado Brasileiro", do cientista político André Singer. É muito bom porque é bem escrito, bem argumentado e bem documentado. Sai-se dele com uma visão muito mais rica do processo político nacional. Singer analisou a conduta do eleitorado nas eleições presidenciais de 1989 e 1994. O valor do livro está na compreensão do que é a direita brasileira.
Para desencanto dos teóricos de uma nova ordem amparada na vontade das massas, a direita que garante as vitórias eleitorais do andar de cima está no andar de baixo. Existe no Brasil um forte conservadorismo popular. Só 25,7% das pessoas que ganham até cinco salários mínimos se consideram de esquerda. Na direita, colocam-se 60,5%.
Direita de verdade, capaz de produzir uma baronesa Thatcher, Pindorama não tem. Falta-lhe um pensamento conservador assumidamente excludente. A busca por uma sociedade mais igualitária é um sentimento generalizado no Brasil. Oito em cada dez cidadãos concordam em que "tudo o que a sociedade produz deveria ser distribuído entre todos, com a maior igualdade possível". Metade das pessoas que se posicionam como direitistas acreditam que "o socialismo é a melhor solução para o Brasil".
Enquanto na maioria dos países a direita confunde-se com a defesa da redução do papel do Estado na sociedade, no Brasil o conservadorismo popular quer que o governo se meta na vida dos cidadãos. Quase 70% das pessoas que se colocam à direita acham que o Estado deve intervir mais na economia. Na esquerda, essa percentagem cai para menos de 60%.
O conservadorismo popular quer que a ordem social seja mudada, com o Estado no papel de agente dessa transformação. Ele coloca como precondição que tudo seja feito dentro da mais perfeita ordem. Em 1990, na camada de renda até dois salários mínimos, 40% dos entrevistados concordavam em que se fizessem leis proibindo manifestações de protesto.
Na hora de definir como a sociedade deve se reformar, o andar de baixo se afasta da esquerda até mesmo na convicção democrática. A esquerda quer mudanças dentro da democracia, ainda que com alguns solavancos. O conservadorismo do andar de baixo quer que as mudanças aconteçam sem solavanco algum, mesmo que para isso sejam necessárias medidas autoritárias e antidemocráticas. Entre as pessoas que em 1990 ganhavam até dois salários mínimos, 40% achavam razoável um retorno dos militares ao poder. No andar com renda de mais de 20 salários mínimos, essa percentagem era de 11,1%.
A esquerda pode escolher. Ou entende o conservadorismo popular, ou troca de povo.


CURSO MADAME NATASHA DE PIANO E PORTUGUÊS

Madame Natasha tem horror a música. Ela procura reduzir a baderna do idioma, oferecendo bolsas de estudo às pessoas que acredita poder ajudar. Acaba de conceder mais uma, dupla, aos professores Luiz Felippe Perret Serpa e Nelson De Luca Pretto, ambos da Universidade Federal da Bahia. Referindo-se à tendência que leva um número cada vez maior de estudantes a preferir cursos de negócios, enquanto caem as matrículas dos interessados nas ciências sociais e humanas, disseram o seguinte:
"Se a sociedade não desejar ser, cada vez mais, reduzida ao mercado, terá que construir criativamente uma bifurcação nessa tendência, que deveria ter características indutivas, baseadas na ordem generativa da universidade e na natureza das conformações das múltiplas subjetividades coletivas e institucionais que emergem cotidianamente nas sociedades contemporâneas, o que significa que a instituição deverá ser um espaço diferencial das múltiplas subjetividades, exercitando a vivência de contextos e a convivência da diferença."
Madame pede desculpas, mas não conseguiu entender o que eles quiseram dizer. Para dizer o que disseram, só do jeito que escreveram.

A luz verde cegou o general


Entrou na rede de comunicações da Receita Federal uma carta do atual diretor-executivo da Associação Brasileira dos Terminais Retroportuários Alfandegados, general da reserva Paulo César Lima de Siqueira. Ele contesta a existência de um ofício no qual, ao tempo em que comandava a 1ª Brigada de Artilharia Antiaérea, reclamava do sistema de fiscalização da entrada de armas pelo porto de Santos. A existência desse ofício foi aqui noticiada na semana passada.
Na sua carta (ao Superintendente da Receita em São Paulo) Lima de Siqueira desmente "peremptoriamente as informações contidas naquele artigo e atribuídas à minha pessoa". "Jamais remeti ao inspetor da Alfândega de Santos (...) qualquer documento sobre o assunto abordado".
A nota aqui publicada informava duas coisas:
1) O general oficiara que havia empresas aproveitando-se do "canal verde" para contrabandear armas. (O "canal verde" é um sistema aleatório de liberação de cargas, semelhante à luzinha do aeroporto.)
2) No mesmo ofício, remeteu uma lista de empresas suspeitas, pedindo-lhe que ela fosse amplamente divulgada.
Começando pelo ponto em que o secretário-executivo da ABTRA tem toda razão: em sua carta ele não lista empresas. Lista apenas os produtos controlados pelo Ministério da Defesa. São 389. Todos relacionados com explosivos e armas, inclusive lagartas de blindados.
Reconhecido o erro, pode-se ir ao centro da questão: o então general do serviço ativo do Exército reclamou do "canal verde" ou não reclamou?
Ele tem a palavra, de acordo com o ofício n.º 90-SFPC/2.01, de 3 de dezembro de 1999:
"Por lei, somos impedidos de vistoriar através de amostragem. Até mesmo as importações definidas como "canal verde", devem ser conferidas pelo Exército. (...) Ultimamente, algumas empresas, possivelmente de má-fé, aproveitando-se das facilidades proporcionadas pelo "canal verde" vêm retirando os produtos controlados do porto sem a competente vistoria militar".
Esse ofício (sem a lista das empresas, vale repetir) foi recebido pela Receita, despachado e respondido. A contradita veio assinada pela inspetora substituta Diva Alves Kodama, explicando que a queixa era inepta. Trata-se da correspondência ALF/GAB/11128/nº993.
Na carta ao superintendente da Receita em São Paulo, Lima de Siqueira informou:
"Desafio que seja apresentado tal documento e informo v. s. que estarei tomando as providências cabíveis para que aquele profissional apresente o ofício a que se refere em sua coluna".
Até a noite de quinta-feira o signatário não havia recebido o desafio. Para encurtar o caminho, vai publicada ao lado a cópia de seu ofício, com sua assinatura ampliada.

ENTREVISTA

Claudio Haddad


(53 anos, ex-sócio do Banco Garantia, atual presidente do Ibmec Educacional)

O sr. esteve no mercado financeiro por 20 anos. Agora, há dois, dirige uma instituição de ensino. O que mudou no panorama que vê de sua mesa?
O Ibmec é uma escola de elite, mesmo assim, é um mundo diferente. As cifras têm três zeros a menos, R$ 1.000 é bastante dinheiro. No mercado financeiro você ganha ou perde com muita rapidez. No ensino, em qualquer dos dois casos, a coisa é muito mais lenta. Dizendo isso em economês, a volatilidade é mais baixa. No mercado há uma vontade de saber, mas ela tem uma componente competitiva. Numa escola não há. As pessoas querem saber mais, ponto. A competição é irrelevante. É um mundo distendido. Para mim, é um prazer trabalhar numa coisa que não exige respostas quase instintivas. O progresso do teu trabalho está no corredor, na sala de aula.
O ensino superior é melhor ou pior do que o sr. pensava?
Eu não sei dar essa resposta, porque o que eu pensava não chega a ter importância. De uma maneira geral, a qualidade é baixa, mas percebem-se mudanças significativas. A burocracia do governo diminuiu bastante, na amplitude. Hoje há menos coisas regulamentadas. Mesmo assim, onde a burocracia entra, persiste um processo lento, pouco produtivo. A grande mudança ocorrida no ensino superior foi a avaliação das escolas. Esse foi um enorme avanço. Levou a concorrência para dentro do sistema educacional. O ruim perde por ruim e o bom ganha porque é bom. Está acabando aquela história de "eu finjo que ensino e você finge que aprende". Os alunos perceberam que de nada lhes adianta comprar canudo. O ideal seria que o governo se retirasse aos poucos da regulamentação. Atualmente, o MEC autoriza uma escola a oferecer um curso, mas fixa o número de alunos que deve ter. Seria melhor deixar isso por conta da escola. Se ela superlota as salas e ensina mal, será punida pelo resultado da avaliação.
O que falta fazer?
A primeira prioridade, de longe, deveria ser a montagem de um sistema de crédito educativo que funcione. Funcionar, no caso, significa dar à sociedade a certeza de que ele efetivamente existe. Além disso, dar às pessoas que recebem o financiamento a certeza de que terão de pagá-lo. As operações de crédito ficaram com a Caixa Econômica e ela não recebeu os empréstimos de volta. Acabou em subsídio, desmoralizando o instrumento. Agora, felizmente, a cobrança ficará a cargo dos bancos privados. Além disso, seria útil criar um sistema de avaliação paralelo ao do MEC. Poderia ser até uma avaliação de um órgão de imprensa. Falta uma classificação das escolas que leve em conta o que aconteceu aos alunos depois de formados. Na avaliação das escolas de administração americanas uma das variáveis importantes é saber quanto o aluno conseguiu ganhar no mercado de trabalho ao sair da faculdade. Uma coisa é certa: quando eles entram para uma faculdade, estão pensando seriamente nisso.


O profeta Cacaso
Um leitor atento oferece uma poesia de Cacaso, publicada em 1978, no livro "Corda Bamba" e dedicada ao professor José Arthur Giannotti:
Tropicália
Em viveiro de arara tucano é
Tirano.
É a mágica dos poetas. Em 1978 o PSDB não existia.


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