São Paulo, sábado, 02 de julho de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ O PUBLICITÁRIO

Cartório em São Desidério aponta venda de terras por R$ 200 mil; aposentada diz ter recebido R$ 500 para assinar papéis

DNA registrou fazendas fantasmas na Bahia

LUIZ FRANCISCO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SÃO DESIDÉRIO (BA)

Aos 72 anos, morando em uma casa humilde e com dificuldades para se locomover, a aposentada Laurita Maria da Conceição de Araújo acredita que poderia ter uma vida melhor se tivesse empregado os R$ 200 mil que a DNA Propaganda alega ter pago pela aquisição de duas propriedades rurais em São Desidério (912 km a oeste de Salvador), as fazendas Bom Jesus 1 e 2. "Nunca vi esse dinheiro em minha vida. Só ganhei R$ 500 pela venda de um pedacinho de terra que o meu marido tinha, era uma horta muito pequena", disse a aposentada.
No entanto, o Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas da cidade revela que, no dia 26 de setembro de 2000, as duas fazendas [total de 7.017 hectares] foram vendidas à DNA Propaganda por R$ 200 mil. A agência tem como sócio o publicitário Marcos Valério de Souza, apontado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) como operador do suposto "mensalão". "Meu marido [Aristóte Gomes de Araújo, já falecido] nunca teve tanta terra. Só um pedacinho", disse a aposentada.
Pela escritura registrada no cartório de São Desidério, Laurita Araújo e seu marido foram representados por um procurador, José Roberto da Rocha Paixão. "O meu marido já tinha morrido quando ele [o procurador] pediu para eu assinar umas folhas de papel. Eu assinei, não li nada, pois sou analfabeta, e recebi uns trocadinhos. Gastei o dinheiro pagando parte do enterro do meu marido e em comida."
As duas fazendas que teriam sido compradas pela DNA estão penhoradas pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) como garantia de pagamento de uma dívida cobrada pelo órgão junto à agência de publicidade -R$ 8.554.899,18 [valor atualizado até a quarta-feira passada]. Outras quatro propriedades, todas compradas no mesmo dia, 26 de setembro de 2000, também foram penhoradas pelo INSS.
Em São Desidério, Marcos Valério é investigado sob suspeita de falsidade ideológica e utilização de documentos falsos. A polícia suspeita que o publicitário deu como garantia de pagamento de uma dívida cobrada por outra agência [a Scam Propaganda] fazendas que só existem no papel.
A juíza Karla Moreno Gregorutti, 30, disse que são freqüentes os registros de propriedades numa mesma área. "Chamamos de comércio de segundo andar."

Supervalorização
As seis fazendas que a DNA Propaganda alega possuir em São Desidério tiveram uma valorização impressionante nos últimos anos. Juntas, as fazendas Barra 1, Barra 2, Barra 3, Vereda, Bom Jesus 1 e Bom Jesus 2 somam 30 mil hectares e custaram R$ 550 mil, de acordo com laudo divulgado pela tabeliã Ana Elizabete Vieira Santos. Em 2003, em avaliação feita pelo perito Landulfo Silva, oficial de Justiça de São Desidério, as fazendas já valiam R$ 9,1 milhões.
Coincidentemente, o valor da última avaliação é pouco maior do que a dívida que o INSS cobra da DNA -R$ 8.554.899,18, em processos que correm na 23ª Vara da Justiça Federal de Minas Gerais. As fazendas foram penhoradas como garantia do pagamento da dívida ativa do órgão.


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