São Paulo, terça-feira, 02 de agosto de 2005

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JANIO DE FREITAS

A saída dos subornados

Mais importante do que iniciar, como crêem muitos, um acordo de fuga dos implicados irremediáveis, a renúncia de Valdemar Costa Neto deu a demonstração formal do artifício a ser usado para encobrir a condição real dos subornados: explicar o dinheiro recebido como verba não registrada de campanha, apresentar retificação das contas à Justiça Eleitoral e, tendo renunciado ou não, candidatar-se outra vez já no ano que vem.
Diante de tal evidência, é indispensável uma série de providências imediatas da CPI e da Polícia Federal, a começar da quebra dos sigilos de todos os implicados, para neutralizar o artifício antes que os subornados e seus advogados concluam os arranjos em andamento.
Não se sabe o estágio em que estão as investigações da Polícia Federal. Mas, quanto à CPI, se seus integrantes, com duas ou três exceções, continuarem tão mais dedicados aos jornais e à TV do que à investigação -no que também traem o seu dever parlamentar- , os subornados nem precisam de acordos entre si para escapar de represálias mais rigorosas. Estará aberto, como está hoje, o caminho para o artifício do dinheiro de fins apenas eleitorais.

Equívoco
O "pacto de governabilidade", ou lá que nome tenha, pretendido por empresários para proteger a economia, atribui à crise atual o imobilismo do Congresso e do governo. Mas a Câmara já estava em banho-maria mais de meio ano antes que, em maio, Roberto Jefferson sacasse as armas. Tanto que, no seu primeiro depoimento, a paralisia da Câmara foi por ele mencionada várias vezes, explicada como forma de cobrança de aumento do "mensalão".
Em setembro do ano passado, a "reforma" ministerial entrava no falatório, dada como solução para acionar a Câmara com um "base aliada" robustecida. Hoje, aliás, comprova-se que a "base aliada" não se robustecia com ministérios.
O imobilismo não depende do pacto pretendido por empresários. Congresso não se move em governo imóvel.

Versão
Ficou sem a necessária explicação a falta da "pólvora pura" que o relator da CPI, Osmar Serraglio (pronuncia-se como Serrálio), percebera na lista que, entregue pelo Supremo Tribunal Federal depois de vários adiamentos, não apresentou revelações nem quantidade útil.
Há uma versão salvadora para os olhos e o olfato do relator. A lista exposta na CPI não reproduz por completo a lista original, ainda poupada por ser, de fato, "pólvora pura".

Sem concessão
Pode até funcionar como está, mas a explicação da ex-mulher de José Dirceu, para o empréstimo e o emprego obtidos, poderia atribuir-lhe pelo menos uma apresentação a alguém, um telefonemazinho que fosse. Só as figurinhas fáceis.

A falta
Resposta de José Serra quando perguntado se persistia, ante a possibilidade da candidatura à Presidência em 2006, a afirmação na campanha de que cumpriria o mandato de prefeito até o final: "Eu disse o que pensava naquele momento. Mas o maior fator impeditivo é que eu gosto do trabalho na prefeitura" (Folha de domingo).
Passada a disputa com Lula, Serra teve bastante tempo para pensar e decidiu-se pela prefeitura em vez de esperar pela eleição para o governo estadual ou a Presidência -um passo aqui criticado, senão mesmo lamentado, na ocasião.
Não é só a corrupção que precisa acabar na política. É preciso que o eleitorado possa, um dia, acreditar no que lhe é dito. Lula também "dizia o que pensava" nos 20 anos antes de eleger-se, depois passaram a ser apenas "bravatas". Todos diziam ao eleitorado "o que pensavam" e depois deixam de pensar. Ou porque não pensavam ou porque "o fator impeditivo" para descumprir a palavra deveria ser, e jamais é, a própria palavra.


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