São Paulo, terça-feira, 02 de agosto de 2005

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PESO DO TEMPO

Gosto pelo poder, citado por amigos e inimigos, colidia com princípio petista de valorização da base

Líder levou modelo cubano a PT, diz ex-aliado

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

O José Dirceu de Oliveira e Silva que depõe hoje no Conselho de Ética da Câmara é uma sombra do líder estudantil que, em 1968, equilibrando-se sobre capotas de carros ou pendurado em monumentos públicos, empolgava as massas no Brasil pré-Ato Institucional número 5, que fechou ainda mais o regime ditatorial instalado desde 1964.
A cabeleira lisa que escorria pela testa do Zé, como Dirceu era chamado pelos camaradas, a atmosfera romântica daquela revolução que não chegou a se consumar, o talhe esguio e a barba malfeita, tudo contribuía para transformar o então presidente da União Estadual dos Estudantes em ídolo pop -com direito a fãs apaixonadas.
Nos 37 anos que separam o retrato amarelado do antigo líder da figura do ex-ministro que, isolado em seu próprio partido, enfrenta hoje a fuzilaria do Conselho de Ética, a diferença está na solidão. Como isso aconteceu?
"É Cuba", disse à Folha um antigo colaborador do deputado José Dirceu. Se nasceu para a política como dirigente estudantil, foi no exílio em Cuba (entre 1969 e 1975), que se forjou o "apparatchik", designação russa de membro do aparelho partidário. "Foi nesse período que o Zé absorveu a lógica do partido militarizado e burocratizado."
Encarcerado no final de 1968, Dirceu foi para Cuba em 1969 como um dos presos políticos cuja liberdade foi negociada em troca da vida do embaixador americano Charles Burke Elbrick, que fora seqüestrado pela Ação Libertadora Nacional.
Um dos seqüestradores de Elbrick, Paulo de Tarso Venceslau, o "PT", considerava-se amigo de José Dirceu, a quem seguiu na fundação do partido. O afeto se encerrou em 1998, quando "PT" foi expulso do PT, após denunciar um compadre de Lula, o empresário Roberto Teixeira, "por um esquema fraudulento em prefeituras petistas. Na época, Lula morava numa casa emprestada por Teixeira.
"PT", que foi preso logo depois de José Dirceu decolar para Cuba, lembra-se de ouvir relatos no presídio, dando conta de que o ex-presidente da UEE "estava se dando bem" na ilha de Fidel Castro. "Ele ficou superamigo de Alfredo Guevara [nenhuma relação com o Che], um alto dirigente do PC local, que permitia que o Zé vivesse no bem-bom, muito diferente dos demais brasileiros exilados lá, que ficavam confinados em esconderijos."
No retorno à vida pública, em 1979, após a Anistia, Dirceu envolveu-se na fundação do PT, em 1980. O "gosto pelo poder", que amigos e inimigos lhe atribuem, colidia com o princípio petista dos primeiros anos, que defendia a construção do partido "pela base". Dirceu substituiu os militantes voluntários por assalariados do partido, dos governos, dos sindicatos, dos parlamentares, das estatais que o PT conquistou ao longo dos anos.
"O imperativo do Dirceu na construção da máquina petista que aí está era ter o controle total da vida partidária. Montou-se um regime para encaminhar sem questionamentos decisões da burocracia", analisa "PT".

Aulas de ética
O atual secretário municipal dos Direitos Humanos de São Paulo, o tucano José Gregori, na época presidente da Comissão de Justiça e Paz, foi dos primeiros a acolher o recém-anistiado Dirceu. Interessado em abrir um negócio, ele procurou Gregori tentando convencê-lo a ser seu fiador. O negócio não prosperou e não foi preciso um fiador. Os dois se reencontrariam na campanha das Diretas, em 1984.
"O homem do PT para as Diretas era o José Dirceu. A impressão que recolhi nessa época é de um trabalhador, aplicado, ecumênico." De outro lado, Gregori diz que nunca viu Dirceu com uma cabeça de "estado-maior". "Não é um intelectual, não tem um pensamento estratégico."
Uma fã de Dirceu dos idos de 68, entrevistada para a reportagem, foi em busca de fotos e enviou e-mail à Folha: "Nossa, como éramos todos lindos naquela juventude cheia de sonhos." A frase no passado, Dirceu enrolado com Delúbio Soares, Waldomiro Diniz, e 1968, parece, enfim terminou. Virou retrato.


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