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PESO DO TEMPO
Gosto pelo poder, citado por amigos e inimigos, colidia com princípio petista de valorização da base
Líder levou modelo cubano a PT, diz ex-aliado
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
O José Dirceu de Oliveira e Silva que depõe hoje no Conselho
de Ética da Câmara é uma sombra do líder estudantil que, em
1968, equilibrando-se sobre capotas de carros ou pendurado
em monumentos públicos, empolgava as massas no Brasil pré-Ato Institucional número 5, que
fechou ainda mais o regime ditatorial instalado desde 1964.
A cabeleira lisa que escorria
pela testa do Zé, como Dirceu
era chamado pelos camaradas, a
atmosfera romântica daquela
revolução que não chegou a se
consumar, o talhe esguio e a barba malfeita, tudo contribuía para transformar o então presidente da União Estadual dos Estudantes em ídolo pop -com direito a fãs apaixonadas.
Nos 37 anos que separam o retrato amarelado do antigo líder
da figura do ex-ministro que,
isolado em seu próprio partido,
enfrenta hoje a fuzilaria do Conselho de Ética, a diferença está na
solidão. Como isso aconteceu?
"É Cuba", disse à Folha um antigo colaborador do deputado
José Dirceu. Se nasceu para a política como dirigente estudantil,
foi no exílio em Cuba (entre 1969
e 1975), que se forjou o "apparatchik", designação russa de
membro do aparelho partidário.
"Foi nesse período que o Zé absorveu a lógica do partido militarizado e burocratizado."
Encarcerado no final de 1968,
Dirceu foi para Cuba em 1969
como um dos presos políticos
cuja liberdade foi negociada em
troca da vida do embaixador
americano Charles Burke Elbrick, que fora seqüestrado pela
Ação Libertadora Nacional.
Um dos seqüestradores de Elbrick, Paulo de Tarso Venceslau,
o "PT", considerava-se amigo de
José Dirceu, a quem seguiu na
fundação do partido. O afeto se
encerrou em 1998, quando "PT"
foi expulso do PT, após denunciar um compadre de Lula, o
empresário Roberto Teixeira,
"por um esquema fraudulento
em prefeituras petistas. Na época, Lula morava numa casa emprestada por Teixeira.
"PT", que foi preso logo depois
de José Dirceu decolar para Cuba, lembra-se de ouvir relatos no
presídio, dando conta de que o
ex-presidente da UEE "estava se
dando bem" na ilha de Fidel
Castro. "Ele ficou superamigo de
Alfredo Guevara [nenhuma relação com o Che], um alto dirigente do PC local, que permitia
que o Zé vivesse no bem-bom,
muito diferente dos demais brasileiros exilados lá, que ficavam
confinados em esconderijos."
No retorno à vida pública, em
1979, após a Anistia, Dirceu envolveu-se na fundação do PT,
em 1980. O "gosto pelo poder",
que amigos e inimigos lhe atribuem, colidia com o princípio
petista dos primeiros anos, que
defendia a construção do partido "pela base". Dirceu substituiu
os militantes voluntários por assalariados do partido, dos governos, dos sindicatos, dos parlamentares, das estatais que o PT
conquistou ao longo dos anos.
"O imperativo do Dirceu na
construção da máquina petista
que aí está era ter o controle total
da vida partidária. Montou-se
um regime para encaminhar
sem questionamentos decisões
da burocracia", analisa "PT".
Aulas de ética
O atual secretário municipal
dos Direitos Humanos de São
Paulo, o tucano José Gregori, na
época presidente da Comissão
de Justiça e Paz, foi dos primeiros a acolher o recém-anistiado
Dirceu. Interessado em abrir um
negócio, ele procurou Gregori
tentando convencê-lo a ser seu
fiador. O negócio não prosperou
e não foi preciso um fiador. Os
dois se reencontrariam na campanha das Diretas, em 1984.
"O homem do PT para as Diretas era o José Dirceu. A impressão que recolhi nessa época é de
um trabalhador, aplicado, ecumênico." De outro lado, Gregori
diz que nunca viu Dirceu com
uma cabeça de "estado-maior".
"Não é um intelectual, não tem
um pensamento estratégico."
Uma fã de Dirceu dos idos de
68, entrevistada para a reportagem, foi em busca de fotos e enviou e-mail à Folha: "Nossa, como éramos todos lindos naquela
juventude cheia de sonhos." A
frase no passado, Dirceu enrolado com Delúbio Soares, Waldomiro Diniz, e 1968, parece, enfim
terminou. Virou retrato.
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