São Paulo, segunda-feira, 02 de setembro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO / JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO

Maluf e a velhinha do Tirol

Dona Taurina viveu quase toda a vida no Tirol, um bairrozinho pacato de Natal. Era um azougue. Não por acaso dr. Francisco Ribeiro, seu marido, repetia sempre a mesma frase: "Eu falo tão pouco, e toda vez que falo me arrependo". Morto o marido e o filho mais velho, Grimaldi, foi com ela morar a prima Alice, viúva casta e crente, que só andava de preto. Apesar disso, ao sair de casa, nunca escapou das maledicências de dona Taurina: "Pecados lhe dê o bom Deus, Alice, que padres não lhe faltarão depois".
Acabou vindo morar no Recife com seu outro filho, Sileno Ribeiro. Sileno foi, para todos os que o conheceram, uma pessoa muito especial. Advogado de nomeada, teve participação ativa na vida nacional como secretário-geral do Ministério da Justiça (ao lado de Petrônio) e confidente de muita gente importante. Com vasta cultura humanista. E sem papas na língua, como a mãezinha.
A velha sentou fama. De seu veneno provou, por exemplo, o sociólogo Gilberto Freire. Quando, esperando no terraço por Sileno, foi-lhe servido um pote com salgadinhos. Encheu a mão. Só para ouvir, na hora, o comentário de dona Taurina: "Ô meu filho, em sua casa não tinha comida, não?"
Julho de 1984. Paulo Maluf perseguia votos para se eleger presidente da República. Eleição indireta, todos lembram. Mas o governador Roberto Magalhães, que estava se acertando com Tancredo, fugia dele como o diabo da cruz. Pedindo a Sileno, seu secretário da Casa Civil, que fizesse a fineza de receber o candidato. "Estou gripado", quis correr Sileno: "Preocupe não, que ele vai na sua casa", arrematou Roberto.
A casa de Sileno fica na beira do Capibaribe. Certo é que, naquele dia, para lá foram Maluf, Marchezan, a tropa toda. Cafezinho quente e conversa fria. Sileno pediu que a mulher, Cristina, marcasse a mãe de perto. Formiga sabe a roça que come. E tudo corria bem, ao menos até Cristina ir buscar água para um dos convidados. Maluf encostou. E, usando sua reconhecida verve, acabou encantando dona Taurina. Ela então se levantou, encheu a boca, e declarou aos presentes que iria a Brasília. Para votar nele.
Maluf não perdeu tempo: "Olha, Sileno, vou dizer aos jornalistas que sua mãe vai votar em mim". Resposta curta (e grossa) de Sileno: "E eu, governador, vou dizer que o único voto conseguido pelo senhor, em Pernambuco, foi o de uma velha sem juízo".


José Paulo Cavalcanti Filho, 54, advogado, escreve às segundas nesta coluna

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