São Paulo, segunda-feira, 02 de setembro de 2002

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POLÍTICA DA IMAGEM

RENATA LO PRETE

Campanha com as estrelas

"Não levo a sério que o apoio de um artista tenha tanta influência na escolha das pessoas." Assim Chico Buarque procurou relativizar o efeito prático do encontro em que ele e outros 400 músicos, atores e intelectuais endossaram a candidatura presidencial de Lula.
A experiência dá razão ao ceticismo de Chico, mas isso não impede que as campanhas disputem para ver quem arrebanha mais e melhores garotos-propaganda na indústria do entretenimento.
Se aconteceu em eleições anteriores, por que seria diferente quando um dos candidatos tem a mulher atriz como principal trunfo de comunicação?
Empatado com Ciro Gomes no segundo lugar, José Serra não dispõe de genérico que substitua Patrícia Pillar. Em compensação, seus programas de TV estão recheados de artistas. Eles se revezam em funções como apresentar a biografia do tucano, fazer escada para os ataques a Ciro e entoar o ex-jingle de cerveja convertido em hino pró-emprego, num estilo "Broadway vai à fábrica".
O evento de quinta no Rio indica que Lula não teria dificuldade em reunir elenco para algo semelhante, mas por ora seu negócio é exibir credenciais de petistas ilustres, na tentativa de minar a resistência de parte do público à ausência de diplomas do candidato.
As estrelas de sua propaganda são os canudos, de preferência obtidos em inglês -economista do PT não faz doutorado na Universidade Princeton; "Princeton University" soa melhor.
Ainda assim, Duda Mendonça gravou com esmero cenográfico o encontro dos 400. Entre um diploma e outro, certamente haverá lugar para essas imagens.
Até 1989 e o clipe "Lula Lá", artistas em campanha eram reserva de mercado do PT. Os poucos que aderiram a Collor levaram anos para apagar o carimbo da testa. Em 1994, a santíssima trindade da MPB se dividiu. Chico permaneceu com Lula. Caetano e Gil migraram para FHC.
Ao longo da década de 90, a participação dos artistas se disseminou pelo espectro partidário, passando a ser, com poucas exceções, remunerada e desprovida de identificação ideológica. Ivete Sangalo canta para Serra como canta para a Brahma.
Mudou também a política interna da Rede Globo, que hoje não quer mais ver seus contratados na novela e no palanque.
Em 1988, Antônio Fagundes alternava as gravações de "Vale Tudo" com as do programa de Luiza Erundina. Em 2002, Raul Cortez, protagonista de "Esperança", tem de explicar à emissora como uma festa em sua casa foi parar na propaganda de Serra.
Dos velhos tempos, sobraram as reuniões em que a classe artística cobra dos candidatos "incentivo" à cultura. Em 1994, um grupo reivindicava que Lula incluísse em seu programa "reserva de tela" para filmes brasileiros no horário nobre da TV (se adotada, tal providência derrubaria um governo mais rapidamente do que os escândalos de Collor).
A dúvida de Chico Buarque já foi objeto de muita discussão entre marqueteiros. Hoje se sabe que o uso indiscriminado de artistas nem sempre resulta em comunicação eficiente.
Funciona melhor quando o artista cumpre uma função clara -como foi o caso de Patrícia Pillar nas inserções da pré-campanha. E quando se escolhe a pessoa certa para estabelecer o que o candidato nem sempre consegue: conexão com o eleitor pobre e avesso à informação política.
Dentro desse raciocínio, Zezé di Camargo faz mais por Lula do que uma dúzia de globais juntos. E Gugu Liberato serve a Serra mais do que toda a trupe reunida na casa de Raul Cortez.


A repórter RENATA LO PRETE escreve às segundas-feiras nesta coluna

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