São Paulo, domingo, 02 de setembro de 2007

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Elio Gaspari

Eu faço greve, você sofre e paga


De cada dez greves de serviços públicos ocorridas no mundo em agosto, duas foram brasileiras

DURANTE O MÊS de agosto aconteceram mais de 35 greves no Brasil, parando pelos menos 150 mil funcionários de serviços públicos. Quase todas bateram na testa da choldra, afetando hospitais, delegacias, escolas e linhas de transporte. Algumas duraram pouco. Outras, como a dos médicos alagoanos e a dos professores maranhenses, passaram dos 80 dias. Numa estimativa conservadora, amolaram a vida de 5 milhões de pessoas.
Em certos casos, sem ir à greve, os trabalhadores estariam fritos. Os 800 lixeiros de São Gonçalo, por exemplo, tinham 18 dias de salários atrasados e seis meses de horas extras retidas. Já a paralisação, por mais de dois meses, de cerca de 50 mil servidores de universidades federais, produziu um único resultado: danou os estudantes. O governo fez de conta que essa greve não existiu. Nosso Guia, que gosta de grandes números, deveria se orgulhar: neste ano, não houve no mundo greve desse tamanho com semelhante duração.
Uma sapeada no Google News indica que nos últimos 20 dias aconteceram umas cem greves pelo mundo afora. Pararam operários da Ford na Austrália, trens na linha Berlim-Hamburgo (por duas horas), professores na Nova Zelândia, lixeiros em Vancouver e Gaza.
Uma central chilena parou um bom pedaço do país por um dia. Mesmo sem ter muito a ver com greves de médicos e professores do Nordeste ou de polícias no Rio, Lula colecionou mais um recorde: de cada 10 greves de serviços públicos ocorridas no planeta durante o mês de agosto, pelo menos 2 foram brasileiras.
As centrais e os sindicatos arriscam pouco contra os patrões. As greves de agosto em empresas privadas contaram-se nos dedos das mãos e pararam menos de 10 mil pessoas. Quando o movimento vai em cima do cofre da Viúva à custa do constrangimento da patuléia, os comissários pisam fundo. Fazem isso seguindo o lema do pós-leninismo: "Greve até a vitória final, com pagamento dos dias parados".
Os servidores têm argumentos fortes. Muitas categorias foram arrochadas pelas administrações tucano-petistas. Todavia perderam a sensibilidade do dano que impõem à população quando paralisam escolas, polícias e hospitais. O caminho escolhido pelos grevistas, pelos seus sindicatos e pelas centrais tem um efeito previsível: reduz o apoio da platéia. O Brasil gosta de ser campeão do mundo de futebol, mas um campeonato mundial de greves na saúde e na educação é medalha de mau material.

IDELI SALVATTI, O BEATLE E JOHN KENNEDY

A nação petista tem o hábito de atribuir qualquer coisa a outra coisa.
Nada é o que é, tudo é o que parece não ser, como se a sabedoria companheira fosse capaz de captar conspirações imperceptíveis para a escumalha. Assim, a senadora Ideli Salvatti viu o efeito da mão invisível no fato de o Supremo ter julgado a denúncia contra os mensaleiros na mesma semana em que se realiza o congresso do Partido dos Trabalhadores.
Diz a senadora: "Nada acontece por acaso. Esse julgamento poderia ter sido em qualquer momento".
Aceitando-se que uma feitiçaria subordinou a agenda do STF à do PT, fica estabelecida uma conexão entre a guitarra Rickenbacker 425 de George Harrison e o rifle Mannlicher-Carcano de Lee Oswald. Como nada acontece por acaso, em setembro de 1963 o Beatle comprou a guitarra porque Oswald comprara o rifle em março. A Rickenbacker foi usada por Harrison num concerto na Inglaterra, no dia 20 de novembro. Dois dias depois, Oswald dedilhou o Mannlicher e explodiu a cabeça do presidente John Kennedy.

TAMANHO DA CONTA
Segundo os cálculos de quem entende, os 40 mensaleiros já gastaram entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões com advogados.
Nesse cálculo leva-se em conta que alguns denunciados foram defendidos de graça, enquanto outros deixaram os olhos da cara.
A partir de agora, começa outra conta, na bandeira 2.

EREMILDO NO SUPREMO
Eremildo é um idiota, mas acredita que entendeu o que o ministro Ricardo Lewandowski quis dizer quando revelou que "a tendência (do Supremo) era amaciar para o Dirceu" e que ele próprio "estava tinindo nos cascos" para fazer isso.
Ficando no vocabulário dos hipódromos, mais adequado para conversas desse tipo, doutor Lewandowski simplesmente não confirmou o apronto.
Quem o ouviu nos pródromos do páreo deveria ter lembrado de uma lei do prado, segundo a qual de pouco adianta um bonito apronto de um animal ligeiro se não se leva em conta a distância da corrida. Lewandowski esperava um páreo de mil metros com pista seca e caiu noutro, de 3.000, com pista molhada.
Uma coisa o idiota é incapaz de entender: por que o ministro deixou a mesa do restaurante, onde estava com pessoas que conhecia, e foi falar ao celular em outro lugar, perto de desconhecidos?

NOS CASCOS
Lula soube, de boa fonte, que a denúncia por formação de quadrilha pelos seus meninos do mensalão dificilmente seria aceita.
Seu plantel parecia tinir nos cascos.

URTICÁRIA
A edição do livro "Direito à Memória e à Verdade", da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, é um excelente contraponto para outra publicação do governo de Nosso Guia, os 15 volumes de "1964 - 31 de março", editados em 2003. Eles reúnem 250 entrevistas de admiradores da ditadura (exceção para José Genoino). As vozes militares vêm de 216 oficiais, quase todos da reserva. Deles, pelo menos 60 passaram pelo aparelho de segurança e informações do regime militar e oito serviram nos DOI-Codi. Publicada pela Biblioteca do Exército, a obra foi concebida no governo de FFHH.
Tem coisas assim: "Acabamos com o terrorismo no Brasil, doa a quem doer. Por isso eles vivem falando em torturas (...)" (tenente coronel Orestes da Rocha Cavalcanti). Ou ainda: "A "canalha", caluniando e mentindo, vai passando às novas gerações a imagem de que houve uma "ditadura militar" (...) O atual governo (FFHH) comunga com a "canalha'" (general Anápio Gomes Filho.)
"Direito à Memória" atualiza a documentação publicada em 1999, em "Os Filhos deste Solo". Cada um dos 339 mortos ou desaparecidos é lembrado com uma curta biografia e o resumo dos argumentos de suas famílias na busca de reparações. É matéria para pesquisadores e, felizmente, seu conteúdo irá para a internet.
Como os companheiros não foram capazes de achar nos arquivos do governo nem sequer papéis que já são públicos, acessíveis no CPDOC, acrescentou-se pouco à busca da verdade. "Direito à Verdade" provocou alguns acessos de urticária. São produto da saudade da anarquia militar e da ditadura.


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