São Paulo, segunda-feira, 02 de outubro de 2000

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Candidata diz que vence qualquer um e anuncia suas metas

MARIO SERGIO CONTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Pelas pesquisas de opinião pública feitas pelo PT, Marta Suplicy vence qualquer adversário no segundo turno das eleições de São Paulo. "Nas nossas enquetes, o adversário mais difícil seria Romeu Tuma", diz Rui Falcão, coordenador da campanha. Para a candidata, porém, Tuma seria o adversário que ela derrotaria com maior facilidade. "Ele não é bom de debate na televisão", diz Marta.
Até as 17h, quando foram divulgadas as pesquisas de boca-de-urna, Marta acreditava na hipótese de vencer a eleição já no primeiro turno. Ela pretende usar o segundo turno para ampliar a sua base política. Para ela, à exceção de malufistas e políticos ligados ao prefeito Celso Pitta, há lugar para todas as forças políticas no seu secretariado, caso vença a eleição. É o que ela diz na seguinte entrevista, concedida ontem à Folha:
 

Folha - Maluf diz que seu maior defeito é não ter experiência administrativa. Experiência faz falta?
Marta -
A experiência dele afundou essa cidade. Eu não tenho por que invejá-lo. Tenho as características necessárias para exercer o cargo: uma compreensão do mundo, uma visão política, liderança, capacidade de negociação e um bom trânsito em todos os setores da sociedade.

Folha - Qual critério a sra. levará mais em conta quando escolher o seu secretariado: o da identidade política, o da competência técnica ou o da representatividade social?
Marta -
Tenho a consciência que não chegaria ao segundo turno se não estivesse no Partido dos Trabalhadores. Mas sei que vou ser eleita com muito mais votos além dos do PT. Ouço muita gente dizer: "Nunca votei no PT, mas vou votar em você". Ou então me falam: "Há dez anos que voto nulo, mas agora estou acreditando em você". Minha responsabilidade, portanto, é muito grande. Vou ser a prefeita de São Paulo, de todos esses eleitores que não são do PT. Para a prefeitura funcionar, com a situação em que está a cidade, de caos, de desestruturação e de desencanto, vou ter que articular todas as forças sociais.

Folha - Qual será a reação do PT ao vê-la escolher um secretariado suprapartidário?
Marta -
Antes de conversar com a sociedade, já conversei sobre esse assunto com o meu partido. Há total anuência entre o que a direção do PT e eu pensamos. Na sexta, almocei com Lula e José Dirceu, e tratamos dessas questões. Eles me deram total apoio no sentido de formar um secretariado que tenha condições de dar amplitude à Prefeitura de São Paulo.

Folha - Quais forças políticas, concretamente, podem vir a participar do seu secretariado?
Marta -
Quem não participou da rapinagem dos últimos oito anos será bem-vindo. Não precisa, necessariamente, ser militante de partido. Pode ser uma pessoa da sociedade civil. A pessoa precisa ter honestidade, competência técnica e habilidade política. Não adianta colocar um bom técnico, mas sem habilidade política, porque ele não conseguirá fazer nada.

Folha - Qual a importância que a sra. dá à relação do prefeito com o governador Mário Covas?
Marta -
Dou uma importância total. Vou procurar o governador Mário Covas no meu primeiro dia de governo, buscando uma relação institucional de respeito e de parceria. Há muitos problemas da cidade que não poderemos resolver se não formos parceiros do governo estadual, como enchentes e transportes.

Folha - O que achou da gestão de Mário Covas como prefeito?
Marta -
Na época, eu não estava muito ligada em política. Mas, pelo que me informei, ele foi um bom prefeito. Não é um avaliação profunda, reconheço. Sobre sua atuação como governador, não posso dizer a mesma coisa, tanto que concorri contra ele.

Folha - Se eleita, também vai procurar ter uma boa relação com o presidente Fernando Henrique?
Marta -
Vale o mesmo raciocínio. Como no caso da dívida do município para com a União, por exemplo. Vou procurar o ministro Malan para renegociá-la. Vou pagá-la, mas acho razoável que parte desses pagamentos voltem para a cidade, na forma de incentivo a projetos sociais. É isso que o presidente Fernando Henrique propôs aos países desenvolvidos.

Folha - Qual o balanço que faz da gestão de Luiza Erundina?
Marta -
Não participei da gestão da Erundina. Percebi que sua comunicação com a população foi muito falha. Muita coisa boa que ela fez, como o trabalho na área da Educação, só quem tinha filho em escola pública percebeu. A Saúde também foi bem, tanto que ela deixou o governo com remédios estocados para três meses de atendimento. Fiquei impressionada, por outro lado, com a falta de diálogo da Erundina com o PT e com outros partidos. Lembro que o Eduardo (Suplicy) fez uma visita a ela logo que foi eleito presidente da Câmara. A Erundina lhe mostrou um telefone vermelho, instalado pelo Jânio, que ligava direto ao gabinete do presidente da Câmara. Ele propôs que ela passasse a usar o telefone. Mas a Erundina nunca ligou. Cada vez que o Eduardo precisava falar com a Erundina, levava dois dias.

Folha - No seu gabinete haverá telefone vermelho?
Marta -
Uma das minhas maiores preocupações é não cair no erro de perder contato com o povo e com os políticos, me isolando com a meia dúzia que estará à minha volta. Pensei em receber os vereadores, de todos os partidos, um dia por semana, depois das 6 da tarde. Aí, eu só sairei depois de atender o último. Pretendo visitar uma subprefeitura por semana. De manhã, ouvirei as associações do bairro, comitês de camelôs, perueiros, OAB, quem vier. E à tarde visitarei as áreas mais pobres da região. Farei isso porque vejo que muitas pessoas, ao chegarem no poder, esquecem o que viram durante a vida, durante a campanha.

Folha - Como a sra. reagirá a greves, agitações de rua e protestos?
Marta -
Quem não sabe lidar com greves e protestos são a direita e o centro. O PT tem uma capacidade de diálogo muito grande com as áreas mobilizadas da população. Tanto que, quando tem qualquer confusão com o MST, o governo chama o senador Suplicy. Quando há protestos dos sem-teto, logo se convocam os vereadores do PT. Vou me esforçar para me antecipar a qualquer confusão. Jamais deixaria que a situação como a da greve dos professores chegasse ao ponto que chegou, com o acampamento na praça da República. Agora, foi o governo do Estado que perdeu a cabeça, que propiciou a confusão. Eu vou sentar e conversar com quem estiver reivindicando.

Folha - Como a senhora encararia uma passeata de sem-teto, acompanhada pelo senador Suplicy, que fosse até a prefeitura?
Marta -
Mas por que ele precisará fazer isso? Porque nós resolveremos o problema antes, conversando com os seus representantes. Vou sentar com as organizações, mostrar os números da prefeitura e dizer o que posso fazer.

Folha - Mas momentos de tensão poderão ocorrer...
Marta -
Sim, podem ocorrer. Aí vou lidar com eles. Mas há alguns princípios que me guiarão: bagunça não pode, o espaço público tem que ser preservado e as leis devem ser cumpridas. E sei também que nenhum problema se resolve com a polícia batendo em manifestantes.

Folha - Como a senhora vai tratar os bairros ricos?
Marta -
Eles terão manutenção. Suas ruas devem ser varridas, iluminadas e policiadas. Não tenho nenhum ressentimento contra quem mora num bairro bom, numa casa boa. Seus moradores pagam impostos e têm direitos. Eu mesma pago R$ 1.200 de IPTU por mês e quero ver minha rua bem tratada. Agora o investimento irá para os bairros pobres, onde falta quase tudo. Esse é meu compromisso. A classe média alta e os ricos já têm essa compreensão.

Folha - Um prefeito pode ser mais político ou mais um urbanista. Haussmann, na Paris do séc. 19, e La Guardia, na Nova York do séc. 20, foram mais urbanistas, enquanto no Brasil a tendência é dos prefeitos serem mais políticos, com a possível exceção de Jaime Lerner em Curitiba. A sra. se vê mais como política ou urbanista?
Marta -
Não sei. Não tenho experiência prévia para poder dizer qual talento irei mostrar mais na prefeitura. Quando fui para o Congresso, tinha a aspiração de fazer lá o que já vinha realizando na minha atividade pública sem voto: a defesa das mulheres e das minorias. Quando percebi, tinha ido muito além disso. Passei a ser considerada uma cabeça do Congresso, uma deputada com uma posição política ouvida por todos os partidos. Não sei para que lado penderei mais. Sei que tenho capacidade executiva, pois onde entro sou eu quem organiza, decide quais são as prioridades e vai fazendo. E vou ter, claro, que ter uma visão política. Sem essa visão, o prefeito acaba como o Celso Pitta. O que eu não souber fazer, aprenderei. Não tenho nenhum problema em aprender.

Folha - A sra. tem a ambição de, ao final de seu eventual mandato, deixar São Paulo com uma fisionomia diferente da de hoje, como fizeram Prestes Maia e Faria Lima?
Marta -
É claro que tenho essa intenção, mas a São Paulo que vou receber está desestruturada em todas as áreas. Ela tem uma máquina podre e corrompida, um déficit enorme e um comprometimento de 13% do seu orçamento. Vou ter de abrir a caixa preta deixada pelo Pitta. O Eduardo (Suplicy) mesmo descobriu outro dia no Ministério Público que a Prefeitura de São Paulo comprou 15 mil computadores, o que fere a lei de responsabilidade fiscal. Isso é o que se sabe. Mas a situação financeira pode estar muito pior. É por isso que venho repetindo: não dá para fazer milagre. Quanto pior a situação financeira da prefeitura estiver, mais difícil será deixar uma marca na cidade semelhante à de Faria Lima ou Prestes Maia, pelo menos nos primeiros dois anos.

Folha - O que será possível fazer no começo?
Marta -
Irei desmontar essa máquina corrupta, começarei a colocar a cidade nos trilhos, priorizando educação e saúde, e colocarei em prática os projetos de solidariedade social, pois a exclusão social em São Paulo chegou a níveis que ninguém nunca viu antes. Serei uma prefeita caixeira-viajante: irei vender São Paulo no exterior. Venderei o turismo, o fato de São Paulo ser um centro de produção de moda e vestuário e colocarei o Anhembi para funcionar. Ele é o maior centro de eventos do Brasil e, no entanto, está caindo aos pedaços, virou cabide de empregos.

Folha - Qual cidade está sendo bem administrada, aqui e lá fora?
Marta -
Prefiro falar de uma do Brasil: Santo André. O Celso Daniel, do PT, tem uma visão moderna, fantástica. Lá você tira um alvará, em cinco dias, pela Internet. Ele enxugou a máquina prefeitura, informatizou, mudou a cidade. Ele urbaniza as favelas, leva infra-estrutura, aplica programas de renda mínima. E agora, veja só, está sendo reeleito no primeiro turno com 70% dos votos.

Folha - Faz diferença São Paulo ter um prefeito ou uma prefeita?
Marta -
Faz muita diferença. Ter nesse país um modelo de mulher diferente do grupo Tchan é uma coisa fantástica para as meninas. Acho importante dar exemplos femininos de trabalho, dedicação, honestidade, competência e dignidade. Quero ser uma boa prefeita até por isso. Não quero que a Zélia seja vista como um exemplo da atuação da mulher na política.

Folha - Para a população como um todo, faz diferença se o prefeito é homem ou mulher?
Marta -
Não. Isso depende da sensibilidade do político. Alguns dos melhores projetos para mulheres foram feitos por um homem, o deputado Eduardo Jorge, do PT. Mas há uma estória que considero bonita. Numa cidade pequena, com um orçamento pequeno, se há verba para fazer uma fonte luminosa ou uma creche, se a prefeita for mulher, é mais fácil que ela opte pela creche. O que não impede que um prefeito também tome a mesma decisão.

Folha - Pretende tentar fazer com que São Paulo seja menos feia?
Marta -
A beleza é fundamental. Vou tratar dessa cidade como trato do meu jardim. A primeira coisa que farei será limpá-la, começando pelas pichações. Não adianta fazer como Pitta fez: multar os proprietários pelas pichações, que é a mesma coisa que multar quem foi assaltado. Aliás, já tive reuniões com pichadores, e descobri que são pessoas com quem dá para conversar. São jovens de classe baixa que querem dizer que existem, e ninguém lhes dá atenção. São jovens que querem esporte, lazer, atenção, e é isso que farei. Vamos repensar a legislação sobre poluição visual, que pode ser melhorada, limparemos os parques públicos e praças, que estão imundos. Até brinco: passarei os primeiros sábados do meu governo pintando e limpando as ruas. A prefeita tem que estar presente, com lata de tinta e pincel na mão, chamando a população daquele bairro para uma ação coletiva de limpeza.


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