São Paulo, domingo, 02 de outubro de 2005

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ELIO GASPARI

Um grande livro, 30 anos depois

Está chegando às livrarias um livro excepcional: "Dossiê Herzog - Prisão, Tortura e Morte no Brasil", do jornalista Fernando Pacheco Jordão. É a nova edição de uma narrativa publicada pela primeira vez em 1979, durante o governo do último general-presidente. Passaram-se 26 anos e ali ainda está o melhor retrato de um episódio marcante da história brasileira. Ele começa no dia 25 de outubro de 1975, quando o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado numa central de torturas do Exército. Termina três anos depois, quando o juiz Márcio José de Moraes responsabilizou a União pela sua morte.
Entre 1975 e 1978, o Brasil passou de uma ditadura na qual matavam-se presos políticos a um regime com um presidente militar (chefe do SNI à época do crime), que conviveu com barbudos grevistas no ABC e faixas pedindo a anistia nas ruas do país. Herzog foi o 38º "suicida" da ditadura. As manifestações provocadas por sua morte tiraram o medo da garganta de milhares de brasileiros.
Escrito para contar um caso de uma época, "Dossiê Herzog" retrata uma época a partir de um caso. Uma sucessão de painéis da banalidade da resignação. Coisas assim: Clarice Herzog pediu a diversos médicos que fizessem um novo exame do corpo do marido. Queria contestar a fraude do laudo do legista Harry Shibata (Medalha do Pacificador, turma de 1978). No Brasil de 1975, em São Paulo, ela não conseguiu juntar três doutores capazes de desafiar a mentira do porão.

Alegria de pobre dura cem minutos por mês

O ministro das Comunicações, Hélio Costa, fechou um acordo com as sete irmãs da telefonia fixa e anunciou um plano de tarifas para a população com renda até R$ 900. Coisa fina: o custo da assinatura cai à metade, de R$ 40 para R$ 20 mensais. Hoje esse dinheiro dá direito ao consumo de 170 minutos mensais (seis minutos por dia). Com o novo sistema, a franquia encolhe para cem minutos (menos de quatro minutos diários). Quem estourar o limite pagará R$ 0,312 por minuto, cinco vezes mais do que os R$ 0,06 pagos hoje, mas só entrará nesse plano quem quiser.
A nova tarifa será um refresco para a turma do andar de baixo que fala pouco ao telefone. A providência torna-se atraente quando se sabe que no mês que vem a Anatel deverá regulamentar o plano de Acesso Individual de Classe Especial, ou Aice, criado por um decreto de Lula (4.769 de 2003). É coisa para funcionar a partir de maio do ano que vem.
A assinatura do Aice sairá por algo como R$ 12,50, a seco, sem franquia de uso. As ligações custarão R$ 0,12 por minuto. Para quem usar o telefone quatro minutos por dia, o Aice custará R$ 22,50, contra os R$ 20 do pacote do ministro. Mau negócio.
Admita-se, contudo, que um trabalhador resolva falar seis minutos por dia, em vez dos quatro combinados. Pelo sistema atual pagaria R$ 40.
Pelo pacote pagará R$ 38. Pelo Aice a conta deverá ficar em R$ 31. E dez minutos? São R$ 68 na tabela vigente e serão R$ 82 no pacote das sete irmãs. Pelo Aice deverão ser R$ 50.
As operadoras e o doutor Hélio podem pactuar o que quiserem. A menos que o acerto tenha a péssima intenção de avacalhar a Anatel com uma daquelas espertezas que acabam em CPI, ele não substitui o Aice. O ministro das Comunicações não tem poderes para atropelar uma atribuição da agência reguladora, conferida por decreto presidencial.
Pelo pacote, a alegria do pobre dura uma hora e 40 minutos por mês, pouco mais que o tempo gasto pelos bípedes escovando os dentes duas vezes por dia.
Como acontece com freqüência no eixo avenida Paulista-Esplanada dos Ministérios, faz-se de tudo para ajudar os pobres, menos ler sobre eles.
As estatísticas do IBGE indicam que, na faixa de renda de até três salários mínimos, a expectativa de gasto com telefonia está em apenas R$ 14,50 por mês. Para os R$ 20 do pacote das sete irmãs faltam R$ 5,50.

Abre-te, Sésamo
Por melhores que sejam os motivos pelos quais o Ministério da Justiça dificulta a contratação de empresas internacionais para rastrear as contas bancárias que podem levar à Arca Perdida, conviria que essa controvérsia fosse levada ao público. A CPI do Mensalão conta por que pretende contratar mão-de-obra especializada, o ministério diz por que os investigadores nacionais podem dar conta do serviço e a escumalha forma sua opinião. Do contrário, amanhã alguém dirá que o Executivo desviou o curso da investigação quando ela estava chegando ao caminho das pedras. Como dizia o juiz Louis Brandeis (1856-1941), "a luz do sol é o melhor dos desinfetantes".

Voz de veludo
FFHH trabalha muito, e em silêncio, na costura da aliança entre tucanos e PFL.

Risada final
A dupla PSDB-PFL acredita que, com bons malabarismos, salva seus caixeiros no julgamento das CPIs. Engano. Do jeito que as coisas marcham, o PT vai para a campanha eleitoral com as seguintes bandeiras: 1) No nosso governo, Paulo Maluf foi para a cadeia; 2) No nosso governo, foram presas 2.000 pessoas por conta de investigações federais; 3) No nosso governo, chamaram o presidente do Banco Central de sonegador, a Receita Federal passou dez meses examinando mil páginas da contabilidade de Henrique Meirelles e concluiu que ele tinha direito a uma restituição de R$ 148,5 mil (nada a ver com a dislexia com que arrolava um patrimônio para a Receita e outro para a Justiça Eleitoral.); 4) No nosso governo, instalaram três CPIs simultâneas e ...

Zé Toscanini
De um curioso muito malvado: "José Dirceu é convincente. Tão convincente quanto Arturo Toscanini dizendo que não tem nada a ver com o álbum das nove sinfonias de Beethoven porque não escreveu uma só linha das partituras nem tocou nenhum instrumento da orquestra".

Doidos de palácio
O filme "A Queda", baseado nas memórias de Traudl Junge, secretária de Hitler e testemunha do cotidiano de seus últimos dias, tem uma cena ilustrativa da dificuldade que os poderosos têm para perceber o que acontece na vida real. No dia 23 de abril de 1945, Eva Braun, a mulher do Führer, queixou-se de estar sem o relógio cravejado de diamantes, que mandara ao conserto.
Na verdade, ela escreveu um bilhete à irmã para que o pegasse de volta com o oficial SS que o entregara a um relojoeiro (provavelmente judeu) evacuado de campo de concentração. A essa altura, os russos estavam a poucos quilômetros do bunker e uma semana depois Eva e Adolfo se mataram.
A idéia de que ainda fosse possível achar um relógio de diamantes em Berlim só passa pela cabeça de um doido (ou doida) de palácio.
A senhora Braun tem fama de bobinha mas, na mesma carta, pediu à irmã que destruísse sua contabilidade com a costureira. Não queria que se soubesse como torrava o dinheiro da patuléia.

Cautelas
Tem muito deputado que parou de andar com o escudinho redondo que os identifica como parlamentares. Tornaram-se raras as estrelinhas do PT no céu dos vôos para Brasília.


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