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ELIO GASPARI
Um grande livro, 30 anos depois
Está chegando às livrarias
um livro excepcional: "Dossiê Herzog - Prisão, Tortura e
Morte no Brasil", do jornalista
Fernando Pacheco Jordão. É a
nova edição de uma narrativa
publicada pela primeira vez em
1979, durante o governo do último general-presidente. Passaram-se 26 anos e ali ainda está o
melhor retrato de um episódio
marcante da história brasileira.
Ele começa no dia 25 de outubro
de 1975, quando o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado numa central de torturas do Exército. Termina três anos depois,
quando o juiz Márcio José de Moraes responsabilizou a União pela sua morte.
Entre 1975 e 1978, o Brasil passou de uma ditadura na qual
matavam-se presos políticos a
um regime com um presidente
militar (chefe do SNI à época do
crime), que conviveu com barbudos grevistas no ABC e faixas pedindo a anistia nas ruas do país.
Herzog foi o 38º "suicida" da ditadura. As manifestações provocadas por sua morte tiraram o
medo da garganta de milhares de
brasileiros.
Escrito para contar um caso de
uma época, "Dossiê Herzog" retrata uma época a partir de um
caso. Uma sucessão de painéis da
banalidade da resignação. Coisas
assim: Clarice Herzog pediu a diversos médicos que fizessem um
novo exame do corpo do marido.
Queria contestar a fraude do laudo do legista Harry Shibata (Medalha do Pacificador, turma de
1978). No Brasil de 1975, em São
Paulo, ela não conseguiu juntar
três doutores capazes de desafiar
a mentira do porão.
Alegria de pobre dura cem minutos por mês
O ministro das Comunicações,
Hélio Costa, fechou um acordo
com as sete irmãs da telefonia fixa e anunciou um plano de tarifas para a população com renda
até R$ 900. Coisa fina: o custo da
assinatura cai à metade, de R$ 40
para R$ 20 mensais. Hoje esse dinheiro dá direito ao consumo de
170 minutos mensais (seis minutos por dia). Com o novo sistema,
a franquia encolhe para cem minutos (menos de quatro minutos
diários). Quem estourar o limite
pagará R$ 0,312 por minuto, cinco vezes mais do que os R$ 0,06
pagos hoje, mas só entrará nesse
plano quem quiser.
A nova tarifa será um refresco
para a turma do andar de baixo
que fala pouco ao telefone. A providência torna-se atraente quando se sabe que no mês que vem a
Anatel deverá regulamentar o
plano de Acesso Individual de
Classe Especial, ou Aice, criado
por um decreto de Lula (4.769 de
2003). É coisa para funcionar a
partir de maio do ano que vem.
A assinatura do Aice sairá por
algo como R$ 12,50, a seco, sem
franquia de uso. As ligações custarão R$ 0,12 por minuto. Para
quem usar o telefone quatro minutos por dia, o Aice custará
R$ 22,50, contra os R$ 20 do pacote do ministro. Mau negócio.
Admita-se, contudo, que um
trabalhador resolva falar seis minutos por dia, em vez dos quatro
combinados. Pelo sistema atual
pagaria R$ 40.
Pelo pacote pagará R$ 38. Pelo
Aice a conta deverá ficar em
R$ 31. E dez minutos? São R$ 68
na tabela vigente e serão R$ 82 no
pacote das sete irmãs. Pelo Aice
deverão ser R$ 50.
As operadoras e o doutor Hélio
podem pactuar o que quiserem. A
menos que o acerto tenha a péssima intenção de avacalhar a Anatel com uma daquelas espertezas
que acabam em CPI, ele não
substitui o Aice. O ministro das
Comunicações não tem poderes
para atropelar uma atribuição
da agência reguladora, conferida
por decreto presidencial.
Pelo pacote, a alegria do pobre
dura uma hora e 40 minutos por
mês, pouco mais que o tempo gasto pelos bípedes escovando os
dentes duas vezes por dia.
Como acontece com freqüência
no eixo avenida Paulista-Esplanada dos Ministérios, faz-se de
tudo para ajudar os pobres, menos ler sobre eles.
As estatísticas do IBGE indicam
que, na faixa de renda de até três
salários mínimos, a expectativa
de gasto com telefonia está em
apenas R$ 14,50 por mês. Para os
R$ 20 do pacote das sete irmãs
faltam R$ 5,50.
Abre-te, Sésamo
Por melhores que sejam
os motivos pelos quais o Ministério da Justiça dificulta a
contratação de empresas internacionais para rastrear as
contas bancárias que podem
levar à Arca Perdida, conviria que essa controvérsia
fosse levada ao público. A
CPI do Mensalão conta por
que pretende contratar
mão-de-obra especializada,
o ministério diz por que os
investigadores nacionais
podem dar conta do serviço
e a escumalha forma sua
opinião. Do contrário, amanhã alguém dirá que o Executivo desviou o curso da investigação quando ela estava chegando ao caminho
das pedras. Como dizia o
juiz Louis Brandeis (1856-1941), "a luz do sol é o melhor dos desinfetantes".
Voz de veludo
FFHH trabalha muito, e
em silêncio, na costura da
aliança entre tucanos e PFL.
Risada final
A dupla PSDB-PFL acredita que, com bons malabarismos, salva seus caixeiros
no julgamento das CPIs. Engano. Do jeito que as coisas
marcham, o PT vai para a
campanha eleitoral com as
seguintes bandeiras: 1) No
nosso governo, Paulo Maluf
foi para a cadeia; 2) No nosso governo, foram presas
2.000 pessoas por conta de
investigações federais; 3) No
nosso governo, chamaram o
presidente do Banco Central
de sonegador, a Receita Federal passou dez meses examinando mil páginas da
contabilidade de Henrique
Meirelles e concluiu que ele
tinha direito a uma restituição de R$ 148,5 mil (nada a
ver com a dislexia com que
arrolava um patrimônio para a Receita e outro para a
Justiça Eleitoral.); 4) No nosso governo, instalaram três
CPIs simultâneas e ...
Zé Toscanini
De um curioso muito malvado: "José Dirceu é convincente. Tão convincente
quanto Arturo Toscanini dizendo que não tem nada a
ver com o álbum das nove
sinfonias de Beethoven porque não escreveu uma só linha das partituras nem tocou nenhum instrumento
da orquestra".
Doidos de palácio
O filme "A Queda", baseado nas memórias de Traudl
Junge, secretária de Hitler e
testemunha do cotidiano de
seus últimos dias, tem uma
cena ilustrativa da dificuldade que os poderosos têm para perceber o que acontece
na vida real. No dia 23 de
abril de 1945, Eva Braun, a
mulher do Führer, queixou-se de estar sem o relógio cravejado de diamantes, que
mandara ao conserto.
Na verdade, ela escreveu
um bilhete à irmã para que o
pegasse de volta com o oficial SS que o entregara a um
relojoeiro (provavelmente
judeu) evacuado de campo
de concentração. A essa altura, os russos estavam a
poucos quilômetros do bunker e uma semana depois
Eva e Adolfo se mataram.
A idéia de que ainda fosse
possível achar um relógio de
diamantes em Berlim só
passa pela cabeça de um
doido (ou doida) de palácio.
A senhora Braun tem fama de bobinha mas, na mesma carta, pediu à irmã que
destruísse sua contabilidade
com a costureira. Não queria que se soubesse como
torrava o dinheiro da patuléia.
Cautelas
Tem muito deputado que
parou de andar com o escudinho redondo que os identifica como parlamentares.
Tornaram-se raras as estrelinhas do PT no céu dos
vôos para Brasília.
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