São Paulo, domingo, 02 de outubro de 2005

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CAMINHO DAS ÁGUAS

Religioso faz greve de fome contra projeto do São Francisco

Bispo diz que "entrega a vida" se Lula não recuar de projeto

Léo Caldas/Folha Imagem
O bispo Luiz Cappio, que tem recebido a visita de romeiros


FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CABROBÓ (PE)

Em greve de fome há uma semana em protesto contra a transposição das águas do rio São Francisco, o bispo de Barra (a 610 km de Salvador, BA), Luiz Flávio Cappio, 58, disse ontem ainda esperar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revogue o projeto e "coloque o povo nordestino acima dos interesses do capital."
Cappio reafirmou sua disposição de manter o protesto até a morte. Disse que o governo deveria investir em pequenas obras de abastecimento e que ainda torce pelo "bom senso" de Lula.
Paulista de Guaratinguetá, Cappio se instalou em uma capela a 200 metros do rio São Francisco, em Cabrobó (a 600 km de Recife, PE), município do sertão pernambucano onde será feita a captação da água para a transposição.

Folha - Por que o protesto?
Luiz Flávio Cappio -
Há 12 anos lutamos em defesa do rio São Francisco e do seu povo. Quando percebemos que todos os argumentos de razão não foram suficientes para demover o governo de realizar o projeto de transposição, achamos por bem assumir uma postura mais radical. Quem sabe o que não conseguimos pela razão, atingiremos pelo coração.

Folha - Por que o sr. é contra a transposição?
Cappio -
Estamos empenhados para que seja levado a efeito o projeto de revitalização. O projeto de transposição carece de transparência, de verdade. Se quisessem resolver o problema de água para os pobres, já teriam resolvido por onde o rio passa. E, a 500 metros das suas margens, o povo não tem água. Esse projeto inaugura no Brasil o hidronegócio. É para beneficiar os grandes empresários, a criação de camarão, as grandes empresas de irrigação.

Folha - O que deveria ser feito?
Cappio -
Incentivar e investir em todas as ações que ajudam de fato a levar água para os pobres, que são os pequenos projetos de cisternas, açudes, aproveitar a água da chuva, do subsolo. Existem ações muito mais econômicas que resolvem o problema.

Folha - O que levou o presidente Lula a encampar esse projeto?
Cappio -
Não saberia dizer e não gostaria de entrar nesse mérito. Quero apenas fazer essa solicitação ao presidente: que ele repense, porque é uma obra que vai demandar recursos imensos que poderiam ser aplicados em outros tipos de obras muito mais próximas da realidade do povo.

Folha - O sr. acha possível que seu gesto mude o projeto?
Cappio -
Eu estou fazendo a minha parte. A gente sente que a sociedade brasileira está respondendo de uma maneira muito bonita, muito solidária. Temos percebido que, em seis dias, conseguimos mais mobilização popular do que em oito anos de luta.

Folha - Até que ponto o sr. vai conduzir a greve de fome?
Cappio -
- Até que eu receba um documento assinado pelo presidente revogando o projeto.

Folha - O sr. ainda acha possível o recuo do presidente?
Cappio -
Acredito que eles estão vivendo um momento muito difícil no Planalto, porque esse gesto os pegou de surpresa. Eu posso imaginar o conflito que isso gerou. Mas espero pelo bom senso e que ele [Lula] coloque o povo acima dos interesses do capital.

Folha - E se o presidente não mudar de opinião?
Cappio -
Se o presidente não mudar seu pensamento, então a gente entrega a vida.


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