São Paulo, quinta-feira, 02 de novembro de 2006

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JANIO DE FREITAS

Bem entendido


Entendimentos políticos e sociais para valer não se fazem em torno de temas. O que os provoca são projetos e modos de efetivá-los


O "CHAMAMENTO maduro e sincero feito por um presidente que está saindo de uma vitória expressiva", para que os demais políticos com ele se entendam e unam em nome do desenvolvimento, é uma peça de grande e variada originalidade política. Algumas das suas criações na arte da política merecem um registro especial, breve embora.
A originalidade imediata está na convocação, como ato preliminar para o "entendimento" político, por meio da TV. Uma regra clássica na política é a das sondagens, depois aproximações, em seguida conversações bem guardadas, para só então dar sentido amplo ao entendimento buscado, seja qual for sua intenção. Todos os conhecidos pactos, concertação (como diz o empolado ministro Tarso Genro), alianças e similares seguiram a regra básica. Lula começou por mais um discurso ao país.
Na mesma linha de concepção, o "entendimento" se apresenta como um gesto de magnanimidade sua, o detentor de "uma votação maciça" que "estende mais uma vez as mãos para o diálogo e a concórdia". Aos vencidos, é claro. O que deveria ser convite sutil, e ainda assim já fora dos padrões, chegou muito perto da humilhação aos vencidos, se nela não se sentiram os ouvidos mais sensíveis.
Tão poucas horas depois de desautorizar os ministros que uniram o segundo mandato à perspectiva de desenvolvimento, Lula distribuiu a perplexidade: "Volto a afirmar que o nome do meu segundo mandato será desenvolvimento". Vale o que está escrito no discurso ou a desautorização? De qualquer modo, "em torno desta proposta" foi alargado o entendimento: "Conclamo toda a sociedade, a começar pelas lideranças políticas e pelos movimentos sociais, a unirmos o Brasil em torno de uma agenda comum de temas de interesse geral".
Mais originalidade. Entendimentos políticos e sociais para valer não se fazem em torno de temas. O que os provoca são projetos, objetivos definidos, meios e modos de efetivá-los. Quais seriam os tais "temas de interesse geral", além daqueles que há muito tempo já produziam as comunhões possíveis, segmentadas por classes. O que a conclamação chama de desenvolvimento e como buscá-lo, Lula nem ao menos sugere.
A propósito de sugestão, não é menos original que a conclamação à unidade para o desenvolvimento reafirme, para o segundo mandato, a índole antidesenvolvimento do primeiro: "Quero continuar fazendo um governo que conjugue uma política econômica correta (...)". Se é correta a política econômica que fez do Brasil, nos últimos anos, o grande vexame na competição mundial do crescimento -nas Américas, acima apenas do faminto Haiti-, então o desenvolvimento citado não chega a ser nem secundário. E o chamamento às lideranças políticas e aos movimentos sociais, para unirem-se ao governo, pode servir a muitas finalidades, entre as quais não está o desenvolvimento.
As originalidades da conclamação ao entendimento têm tudo de mal-entendido.


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