São Paulo, quinta-feira, 02 de novembro de 2006

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Presidente do PT diz a jornalistas que "cuidem das redações" e recebe críticas

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente interino do PT, Marco Aurélio Garcia, pediu anteontem a jornalistas, em entrevista no comitê central da campanha do presidente Lula, em Brasília, que não interfiram no futuro do partido.
"Cuidem de suas redações que nós cuidamos do PT", declarou, já no final da entrevista, quando a imprensa ainda fazia perguntas a respeito da reorganização da legenda, prometida por uma resolução da Executiva Nacional.
No dia anterior, Garcia havia pedido que a imprensa fizesse uma "auto-reflexão" sobre a cobertura das eleições. Declarou ainda que a mídia devia ao país a explicação de que o mensalão não teria existido.
O presidente petista condenou a hostilização de jornalistas por militantes petistas em frente ao Palácio do Alvorada, quando aguardavam a presença do presidente Lula, na última segunda.
Especialistas em mídia e política e os dois ombudsmans da imprensa impressa brasileira criticaram as declarações. "É não compreender o papel da imprensa, que é perguntar. Como homem público, ele deveria ser mais cauteloso", diz Luiz Gonzaga Motta, coordenador do Nemp (Núcleo de Estudos de Mídia e Política) da UnB.
O ombudsman da Folha e presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Marcelo Beraba, concorda: "É um absurdo total. É obrigação da imprensa tentar levantar informações sobre políticas públicas, sobre os rumos da economia e sobre os nomes que estão em jogo na disputa interna, nos bastidores. É um grave equívoco querer que a imprensa esteja alheia a essa discussão".
Para Plínio Bortolotti, ombusman do jornal "O Povo", do Ceará, "todo cidadão, com cargo público ou não, tem direito de criticar a imprensa", mas ele declara que Marco Aurélio "se equivocou".
"A imprensa tem o papel de fiscalizador dos poderes. Não é padre que cuida da igreja, jornalista da redação, e governantes do governo", afirma ele.
Para Motta, o governo é inábil para lidar com a imprensa. "Melhorou em relação ao começo do primeiro mandato, mas precisa oferecer o que os jornalistas precisam para trabalhar, que são fontes, acesso a informações e também entrevistas do presidente".
Tanto para o professor da UnB como para o ombudsman de "O Povo", a frase de Marco Aurélio contradiz recentes declarações do presidente Lula, que sinalizou mudança na relação com a imprensa. Há convergência também em apontar o acirramento de ânimos entre parte da imprensa, governo e alguns setores da sociedade.
"A frase é uma reação do PT a um processo de desgaste", diz Alessandra Aldé, pesquisadora do Doxa (Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública, do Iuperj. "Existe uma tendência de uma cobertura negativa para o governo, para o PT, para o presidente Lula, como mostram os levantamentos do Doxa. A imprensa cumpre seu papel de vigilância do poder público, mas há pouco espaço para a agenda positiva", afirma.
"É a reação de uma campanha vitoriosa. O que que cria o curto-circuito é a sobreposição de papéis. Marco Aurélio fala muito como coordenador de campanha, mas também agora é governo", completa ela.
Para Luiz Gonzaga Motta, o "excesso de visibilidade" dado pela grande imprensa aos escândalos do governo "em relação a outras agendas também importantes" contribuiu para gerar "ressentimento" mútuo.
"A corda está esticada dos dois lados. Os ânimos têm de serenar", afirma Bortolotti.


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