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OPINIÃO / RÉPLICA
É casado? Tem filhos? Você viu notícia por aí?
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
Carlos Eduardo Lins da Silva
não gostou do trabalho da Folha no segundo turno das eleições municipais. Como indicava um dos títulos de sua coluna
no domingo passado -"Tudo
que é sólido se desmancha no
fim"-, o ombudsman considerou que a cobertura descarrilou, comprometendo a isenção
do jornal. É uma lástima, disse
ele, que o esforço crítico e a ênfase nas propostas dos candidatos, que haviam prevalecido no
primeiro turno, tenham se dissipado. No cômputo final, concluiu, Kassab foi favorecido.
Durante o primeiro turno,
mais de uma vez o ombudsman
escreveu que a Folha estava
sendo mais crítica em relação a
Kassab do que aos demais. "Em
parte, é natural, já que ele está
no exercício do poder. Mas tem
ocorrido exageros injustificáveis", disse ele em 17 de agosto.
É verdade que a Folha dedicou mais espaço a Alckmin e
Kassab no primeiro turno, inclusive nas reportagens que resultaram negativas para cada
candidato (veja os números do
levantamento feito pela editoria no quadro acima).
Tal distorção, que alguém
poderia considerar benéfica
para Marta Suplicy, se explica
por um dado da realidade: desde cedo ficou nítido que os rivais disputavam uma vaga no
segundo turno, onde o PT já estava garantido -logo, a notícia
se concentrava na disputa travada entre democratas e tucanos, ou serristas e alckmistas.
É claro que a cobertura não
deve ficar refém da dinâmica
das campanhas ou da evolução
das pesquisas -nem foi o caso.
Mas também não pode ignorá-las, sob o risco de ser rigorosamente equilibrada, mas, antes
disso, autista, centrada em si,
não no mundo externo.
A isenção jornalística e o
projeto editorial da Folha devem ser exercidos no corpo-a-corpo com os fatos, não à sua
custa; no atrito com a realidade, nossa matéria-prima, não
num espaço vazio e idealizado,
como se a vida bruta viesse se
intrometer no resultado que o
jornal pretendeu para o jogo
antes de a partida começar.
Acredito que o cerne da nossa divergência resida no entendimento do que foi a principal
ocorrência, o grande fato jornalístico da campanha paulistana no segundo turno.
Recapitulo: passados apenas
três dias do primeiro turno, o
Datafolha registrou uma vantagem de 17 pontos a favor de
Kassab. Três semanas depois, o
TSE proclamava sua vitória, 20
pontos à frente de Marta. Em
termos de oscilação do eleitorado, quase nada aconteceu.
Nesse intervalo, a Folha fez
sabatinas com os candidatos,
realizou debates e entrevistas,
criou seções fixas ("Eu voto
em..." e "Lupa na campanha"),
voltou a confrontar propostas
de governo (muito parecidas) e
procurou desconstruir promessas feitas na TV (como no
primeiro turno). Tudo isso acabou ofuscado pelo efeito repetitivo e pela previsibilidade do
desfecho, mas sobretudo pela
campanha que o PT levou ao ar
na estréia do horário eleitoral:
"É casado? Tem filhos?"
Quando decidiu explorar a
vida privada do adversário na
TV -acreditando que pudesse
despertar o preconceito de parcela da sociedade a partir de
uma insinuação velada, mas
óbvia, de homossexualismo-,
Marta rompeu uma barreira e
fez uma aposta de risco -ou
baixa, a depender do ângulo.
Controvertida sob todos os
aspectos, a propaganda ganhava contornos ainda mais polêmicos à luz da trajetória política da candidata, ligada à defesa
das minorias e dos gays, em
particular. Muita gente ficou
escandalizada, inclusive (sobretudo?) simpatizantes do
PT. Era preciso algo mais?
Num certo sentido, a discussão sobre os métodos válidos e
os limites éticos de uma campanha eleitoral, que o episódio
trouxe à tona, ultrapassou o
âmbito da disputa local para
ganhar interesse mais amplo.
Longe de promover um linchamento da candidata, o jornal foi o primeiro a ouvir a própria Marta, além de entrevistar
com exclusividade seu marqueteiro e o chefe-de-gabinete
de Lula, entre outros -petistas
e opositores. Houve, em resumo, um empenho para fazer a
lição de casa diante de uma notícia que gritava à nossa volta.
O ombudsman preferiria
uma cobertura bem mais discreta e menos extensiva do episódio, para ele quase uma futrica. É uma opinião para se respeitar. Mas sobretudo para não
confundir com o uso que dela
fazem alguns petistas quando
apontam o dedo para a "mídia
preconceituosa", acusando-a
de prejudicar Marta. Além de
ser moralmente indigente, o
argumento agride a inteligência alheia. Já não foi assim em
2006, com os aloprados?
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