São Paulo, segunda, 2 de novembro de 1998

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Disputas internas põem PT em risco, diz Tarso Genro

Agência RBS
Tarso Genro, que coordenou a campanha derrotada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi prefeito de Porto Alegre




Se o PT privilegiar disputas internas, irá demonstrar que não está à altura da missão política que o povo brasileiro, em grande parte, e o povo gaúcho estão lhe confiando
CARLOS ALBERTO DE SOUZA
LÉO GERCHMANN
da Agência Folha, em Porto Alegre

O PT corre o risco de "demonstrar que não está à altura" da missão política que os eleitores estão lhe confiando se o partido privilegiar disputas internas. A avaliação é de Tarso Genro, um dos coordenadores da campanha derrotada à Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"Acredito que vamos arrefecer as nossas divergências internas para nos concentrar em um projeto alternativo para o país contra o neoliberalismo", afirma o ex-prefeito de Porto Alegre.
Considerado um dos principais teóricos do PT, ele acredita que o novo quadro político brasileiro, gerado pelas eleições, forçará o presidente Fernando Henrique Cardoso "a se apoiar em negociações ainda mais fisiológicas do que antes".
Genro, 51, acha que FHC "perde força política e reduz a sua capacidade de manobra sobre as bancadas estaduais", que exercia por meio dos governadores. O presidente, segundo o petista, terá que se apoiar mais nas oligarquias do Norte e do Nordeste.
"A natureza própria do (senador) Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) vai se evidenciar no governo de uma maneira mais intensa", prevê Genro.
A seguir, trechos da entrevista concedida na sexta-feira por telefone, de Barcelona (Espanha), onde fez palestras sobre as eleições.


Agência Folha - O sr. acha possível conciliar as várias tendências internas do PT? Avalia-se, por exemplo, que o governo de Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul, dará pouco espaço aos moderados.
Genro
- Se o PT privilegiar disputas internas, daqui para diante irá demonstrar que não está à altura da missão política que o povo brasileiro, em grande parte, e o povo gaúcho está lhe confiando. Eu acredito que vamos arrefecer as nossas divergências internas para nos concentrar em um projeto alternativo para o país contra o neoliberalismo. Não acredito que tenhamos essa imaturidade. Nossas divergências vão permanecer. Elas são boas e nós somos contra um partido monolítico, unificado por força de uma direção férrea. Nós cultivamos a pluralidade, mas o momento não é de privilegiar as diferenças. É de afirmar as identidades.
Agência Folha - O que muda na relação de poder com a vitória da oposição em seis Estados?
Tarso Genro
- Haverá uma mudança fundamental nos padrões da luta política nacional. No padrão anterior, a hegemonia absoluta do Fernando Henrique se apoiava fortemente na estrutura dos poderes regionais, que estavam cooptados pela natureza das reformas que ele propunha. Isso determinava uma hegemonia quase absoluta do Fernando Henrique sobre as bancadas regionais no Congresso. Hoje, com as mudanças que se operaram nas eleições, os interesses regionais necessariamente se contrapõem ao projeto de reforma que vem do centro. De uma parte, porque, ideologicamente, vários governadores são contra ou têm uma postura de não-adesão total ao projeto neoliberal. De outra parte, porque o Fernando Henrique, cumprindo receituário do FMI, lança principalmente sobre os Estados os ônus do chamado ajuste fiscal, cortando política de saúde, quadro funcional e reduzindo investimentos. Isso vai determinar que o bloco de oposição tenha uma amplitude maior do que simplesmente um bloco originário da esquerda, como se configurava na situação anterior. O Fernando Henrique perde força política, reduz a capacidade de manobra sobre as bancadas regionais, que exercia por meio dos governadores, e, necessariamente, vai ter de se apoiar em negociações ainda mais fisiológicas do que antes. A natureza própria do ACM vai se evidenciar mais no governo. O presidente terá de se apoiar mais nas oligarquias do Norte e do Nordeste. É provável que ele perca seu lustro modernizante, que cultuava com tanto esmero, e vai "sarneyzar" ainda mais o seu governo.
Agência Folha - Que peso tem o fato de o presidente ter perdido para Lula em dez capitais e dois Estados (RJ e RS)?
Genro
- É fundamental, porque a base de apoio do Fernando Henrique operava diretamente por intermédio dos governadores. O Antônio Britto (governador peemedebista do Rio Grande do Sul) é um exemplo típico. Britto declinou de recursos do Estado, apoiando o FEF (Fundo de Estabilização Fiscal) e a Lei Kandir em nome da unidade que mantinha com o projeto representado pelo Fernando Henrique. Depois fez uma encenação, dizendo que não sabia que ia perder recursos. Esse é um exemplo típico de um sistema de apoio com que o presidente não vai contar mais. Isso é bom para a democracia, pois dá nitidez aos papéis sociais. Eu acho que o Itamar (Franco, governador de Minas) não terá um perfil nitidamente oposicionista. Vai se comportar mais como um presidente paralelo. O (Mário) Covas (reeleito em São Paulo) está acenando para uma relação positiva com a oposição, simplesmente para se cacifar na relação com FHC.
Agência Folha - O senhor previu, antes da divulgação do pacote fiscal, até a ocorrência de uma convulsão social devido às consequências de um acordo com o FMI. Mantém esse raciocínio?
Genro
- Não só mantenho como acho que o pacote confirma. Fui o primeiro a dizer que o Fernando Henrique ia baixar os proventos dos aposentados, embora não soubesse o mecanismo que ia ser utilizado. Na minha opinião, é ilegal o aumento das contribuições dos aposentados, que é o rebaixamento indireto dos seus proventos. Não estou tendo uma visão catastrófica de que o país vai entrar em uma instabilidade institucional. Mas vai ser um ano de intensas lutas e mobilizações sociais, como de resto acontece nos lugares em que o FMI faz suas recomendações. Nós, da oposição, temos que estar atentos, para ter uma postura sem conciliação com o governo, no combate a essas medidas.



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