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JANIO DE FREITAS
As farturas do dia-a-dia
A decisão de impedir que a
Câmara aprovasse a extinção da Lei de Segurança Nacional, que serviu de instrumento
"legal" para as violências praticadas pela ditadura militar, foi
um complemento sob medida
que Fernando Henrique Cardoso criou para a semana que se
mostrava quase perfeita. Perfeita como a curva do ônibus que
vai certeiro, exato, encarar o esguio poste na margem da avenida ampla e vazia.
O governo esteve impecável,
em palavras e atos. Depois de
dar os professores como uns coitados e da nota infantil para
desdizer-se, Fernando Henrique
ainda teve capacidade de gastar
o tempo presidencial com um
discurso para dizer que a greve
das universidades era feita por
"uma minoria". É greve de meia
centena de universidades, sobre
as 52 penduradas no organograma do Ministério da Educação. E ainda fez outro discurso
para aplaudir-se por seu governo dar R$ 15 (isso mesmo, quinze reais) por mês a parte das famílias com renda abaixo de
meio salário mínimo e um filho
na escola.
De Pedro Malan a Francisco
Dornelles, vários ministros
acompanharam bem os solos do
seu regente, mas só quanto ao
grau de finesse, sem o componente humorístico, e por isso se
perderam entre os jornais velhos. O que permite passar das
palavras aos atos com que o governo fez a semana.
Uma semana de governo rico,
com o presidente anunciando-se à frente da oferta de mais de
R$ 3,5 bilhões para deputados
levarem às suas áreas eleitorais,
desde de que passassem a votar
na alteração das leis trabalhistas, como obedientes (e caros)
governistas. Mas, pela primeira
vez desde que instituída a compra sistemática de aprovações
no Congresso, os bilhões não deram a resposta esperada. Derrota política: os adeptos da redução de direitos trabalhistas por
duas vezes tiveram que se escafeder do plenário, para não dar
número suficiente à votação.
Em relação às greves a coisa
não foi melhor. Com muito verbo e pouca palavra, o governo,
por intermédio do ministro
Martus Tavares, fiel intérprete
de Pedro Malan e Fernando
Henrique, comunicou que não
seria cumprido o acordo com
que o ministro da Previdência e
os servidores encerraram mais
de três meses de greve no INSS.
Derrota: acordo confirmado
diante da dupla ameaça, de saída escandalosa do ministro Roberto Brant e de retomada da
greve.
Os R$ 250 milhões que Fernando Henrique se recusou a
gastar com os professores, para
encerrar a greve no começo, vão
sair por perto de R$ 350 milhões,
passados três meses de paralisação das universidades e colégios
federais. A arrogância e a obtusidade praticadas pelo presidente e pelo ministro da Educação,
em prejuízo do país, chegam ao
resultado merecido.
Derrota nš 1: os grevistas conseguiram o acordo. Derrota nš 2:
acordo feito no Congresso e imposto ao governo. Derrota nš 3:
o governo, por intermédio de
Paulo Renato Souza, anuncia a
volta às aulas na segunda-feira,
e os professores, em vista do que
o governo mesmo fez com servidores da Imprensa Nacional e
quis fazer com os do INSS, o desmentem e resolvem esperar as
providências confirmadoras do
acordo.
Houve a derrota nš 4, mas
com parágrafo à parte: os 11 a 0
sofridos pelo governo no comedido Supremo Tribunal Federal.
Diante dela, o advogado-geral
da União, Gilmar Mendes, incumbido da parte governamental, entendeu que devia comemorá-la (Gilmar Mendes, para
quem não se lembra, é o do manicômio judiciário).
Nada disso, no entanto, diminuirá a força de Fernando Henrique e dos seus assessores. Soube-se que o Planalto está fazendo concorrência para a compra
de 124 toneladas de carnes diversas. Para atenderem apenas
a seis meses de refeições, o que
dá o consumo de 20,6 toneladas
por mês, de janeiro a junho, e
uma tonelada por dia útil. Como o expediente da Presidência
encerra-se muito antes do jantar, os mil quilos diários de carnes seriam para uma só refeição.
Tanta fartura como esta da
concorrência presidencial, só se
encontrará nas felizes famílias
que vão receber R$ 15 por mês.
Ou R$ 0,50 por dia.
Não se pode acusar o governo
de não tornar fartas as semanas
e as mesas. As dele, ambas.
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