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NO PLANALTO
Filantropia paga avião e BMW
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Aqui se publicou, há duas
semanas, o nome do redemoinho que desce a Esplanada
rumo ao Planalto. Chama-se escândalo das filantrópicas. Um
estudo da Receita começa a traduzir a encrenca em cifras.
O fisco está varrendo a contabilidade de cerca de 200 filantrópicas. São as maiores do país. Serão monitoradas por prazo indeterminado. Cerca de cem entidades já receberam a visita de fiscais. O trabalho foi concluído em
40. Descobriu-se que o manto
diáfano da "caridade" esconde
uma rede de mutretas. Contabilizam-se, por ora, R$ 420 milhões
em autuações. Estima-se que o
número venha a escalar a casa
dos R$ 800 milhões.
Instituições de ensino saltam
da lista da Receita como pulgas
do dorso de cachorro vira-lata.
Em segundo lugar vêm os hospitais "beneficentes". No papel,
não visam ao lucro, beneficiam
os pobres e não remuneram diretores. Só no papel.
A filantropia leva à constituição de pequenos impérios. Um
deles atende pelo nome de Associação de Ensino de Marília.
Mantém a Unimar (Universidade de Marília), sediada no município que lhe empresta o nome.
Está nas mãos de uma só família. Seus sócios são: Márcio Mesquita Serva, Regina Lúcia Serva
e Alvaro César Mesquita Serva.
A Receita concluiu que os Serva,
além de não servirem à malta,
serviram-se da imunidade tributária para encorpar o próprio
patrimônio. Eis alguns achados:
1) a universidade pagou por
material usado em duas fazendas pertencentes a Márcio Serva.
Custeou a manutenção e a gasolina de carros do mesmo Márcio,
de sua mulher, Regina, e de sua
filha Sinara;
2) desviaram-se recursos para
a construção de três prédios de
apartamento. As edificações pertencem à Serva Empreendimentos Imobiliários S/C Ltda, cujos
sócios são Márcio Serva e, de novo, sua mulher, Regina;
3) simularam-se gastos por
meio de empresas-fantasmas e
de notas frias. Cheques da Unimar aportaram nas contas bancárias de doleiros;
4) a Unimar realizou compras
incompatíveis com o perfil assistencial de seus estatutos. Adquiriram-se dois aviões: um Beech
Aircraft, avaliado em U$ 300
mil, e um Cessna, modelo Citation, estimado em U$ 10,8 milhões. Importou-se dos EUA um
automóvel BMW orçado em U$
80 mil.
Ao longo de quatro anos, a
contabilidade carunchada mereceu incondicional aprovação
do CNAS (Conselho Nacional de
Assistência Social), o órgão da
Previdência que brinda as entidades com o certificado de filantropia.
Em 1999, graças à ação do Ministério Público, o conselho seguiu um roteiro que se repete
com frequência. Fez por pressão
o que deixara de fazer por obrigação. Cassou o certificado que
mantinha a Unimar longe do
guichê de tributos. A entidade
recorreu ao ministro da Previdência de então, Waldeck Ornélas, que se negou a revalidar o
certificado.
Brava, a Unimar não se rende.
Em recurso ao Conselho de Contribuintes, última instância no
âmbito da Receita, tenta se livrar das autuações. Procurado,
Márcio Serva calou-se.
Funciona em Presidente Prudente (SP) outro exemplo de imprudência fiscal erigido à sombra da pseudobenemerência.
Chama-se Associação Prudentina de Educação e Cultura. É
mantenedora da Unoeste (Universidade do Oeste Paulista).
Pertence à família Lima. Seu
principal expoente, Agripino Lima, deixou a direção da universidade para exercer o mandato
de prefeito da cidade. Seu filho,
Paulo Lima, assumiu a reitoria,
que acumula com um mandato
de deputado federal pelo PMDB
de São Paulo.
A Unoeste também emerge das
apurações da Receita como uma
rendosa usina de distribuição de
patrimônio travestida de filantrópica. Sua contabilidade camufla notas frias, gastos com
viagens turísticas de diretores,
pagamentos a pessoas não identificadas e a empresas-fantasmas.
Identificaram-se indícios de
utilização da universidade como
"instrumento de financiamento
de campanhas e promoções políticas". A expressão consta de
ação movida pelo Ministério Público em novembro do ano passado. Atualizadas monetariamente, as autuações da Receita
somam cerca de R$ 140 milhões.
Paulo Lima tem o hábito de se
deslocar de Presidente Prudente
para Brasília a bordo de uma
ilegalidade: uma aeronave King
Air adquirida pela Unoeste à
custa da isenção tributária. Após
anos de mamata, o certificado
de filantropia da entidade foi
cassado pelo CNAS em agosto
passado. Houve recurso, pendente de julgamento.
Manoel da Silva Filho, advogado da Unoeste, diz que tudo
não passa de equívoco da Receita. "Estamos nos defendendo.
Não há nada definido. Não remuneramos diretores e não distribuímos patrimônio. Gastamos em filantropia R$ 1,2 milhão por mês."
Há no Planalto dois decretos
esperando pela assinatura de
FHC. Redigiu-os o ministro Roberto Brant. Perdoa universidades e hospitais filantrópicos em
situação irregular. Dá-lhes prazo de três anos para que se acertem. Recomenda-se ao soberano
que conte até mil antes de remeter os decretos ao "Diário Oficial".
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