São Paulo, domingo, 03 de abril de 2005

Texto Anterior | Índice

RESENHA

Reforma agrária, promessas e invasões

BERNARDO MANÇANO FERNANDES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A Reforma Agrária é uma das questões mais difíceis de serem explicadas, mesmo quando é um livro da Série Folha Explica. Eduardo Scolese é o autor desse livro-desafio: explicar ao leitor a questão da reforma agrária em linguagem acessível, de forma breve e atualizando conhecimentos, de acordo com os objetivos da coleção.
Quando lemos um livro, não basta conhecer somente o conteúdo mas também é preciso conhecer a história do livro. Sou leitor assíduo dos principais jornais e leio cotidianamente as notícias a respeito da reforma agrária e da luta pela terra. Como estudioso dessas questões, estou sempre atento para conhecer bem os trabalhos dos profissionais que escrevem a respeito dos temas, porque também é através das matérias que acompanho os conflitos e seus desenvolvimentos. Portanto, tenho interesse em conhecer as tendências dos jornalistas, bem como dos jornais, para compreender melhor os conteúdos dos artigos e assim atualizar os meus conhecimentos. E Scolese tem se destacado entre os muitos profissionais que escrevem sobre a reforma agrária.
O livro "A Reforma Agrária" é fruto dessa distinção. A diversidade de visões sobre o tema pode ser observada desde a bibliografia aos agradecimentos. Scolese leu e conversou com diversos cientistas, de modo que sua obra traz distintas leituras a respeito da reforma agrária, todas muito bem explicadas. O autor também dialogou com pessoas de várias organizações, desde lideranças do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) aos proprietários de terra vinculados à União Democrática Ruralista. E tem sido um crítico atento das políticas de reforma agrária, no governo FHC e no governo Lula.
O interesse de Scolese pelo tema reforma agrária me chamou a atenção quando, em outubro de 2003, encontrei-o na Inglaterra cobrindo a conferência O MST e a Reforma Agrária no Brasil, realizada no Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford. Outro fato que sempre me chamou a atenção nos artigos de Scolese é a pesquisa. Foi essa prática que, em 2002, lhe conferiu o prêmio Líbero Badaró de jornalismo impresso, junto com Rubens Valente, também da Folha, pela série de reportagens "Fraudes nos balanços da reforma agrária do governo FHC". Esses dois exemplos são mostras do trabalho do autor do livro "A Reforma Agrária", que acaba de ser lançado pela Série Folha Explica.
A qualidade dos conteúdos do livro é resultado de leituras, diálogos, reflexões, pesquisas, viagens e muita dedicação para escrever de forma objetiva e acessível. A preocupação com as referências e, principalmente, com a coerência, contribui de fato com a atualização do conhecimento. O autor teve a preocupação com a amplitude dos conteúdos. O autor apresenta leituras breves das políticas de reforma agrária no mundo, destacando as experiências brasileiras, oferecendo ainda a cronologia dos principais fatos.
Nas análises do problema agrário em nosso país, Scolese elegeu como temas centrais: os movimentos e as entidades; a violência no campo e os governos FHC e Lula, o que lhe confere a atualização do assunto. Nesse contexto, descreve as diferentes práticas políticas das organizações e do Estado: as ocupações de terra e as reações dos latifundiários; as políticas de assentamentos e de criminalização da luta pela terra.
Scolese trata a reforma agrária como política de desenvolvimento da agricultura e, também, como conflitualidade manifestada pela violência no campo.
O conteúdo inédito do livro está na parte Balanços Inflados, onde o autor apresenta as manipulações de dados pelo governo FHC, que contabilizou como assentadas em sua gestão famílias que já estavam na terra havia décadas. Na parte referente ao Governo Lula, vale destacar uma citação da famosa frase do presidente, quando, nas eleições de 1994, afirmou no Pontal do Paranapanema que "numa canetada só eu vou dar tanta terra que vocês não vão conseguir ocupar". Nem mesmo as pressões das ocupações dos "meses vermelhos" conseguiram fazer com que Lula empunhasse a caneta da reforma agrária.
O autor conclui de modo sensato. Essa prudência corresponde ao fato que a realidade não permitiria que nenhum jornalista, cientista ou político afirmasse o contrário: o pouco de reforma agrária aconteceu a reboque das pressões dos movimentos camponeses.


Bernardo Mançano Fernandes é geógrafo, professor e pesquisador da Unesp (Universidade Estadual Paulista). É também autor de "Questão Agrária, Pesquisa e MST" (ed. Cortez)
A Reforma Agrária
Autor: Eduardo Scolese
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 16,90 (112 págs.)


Texto Anterior: No Planalto: Forrada com pedras de brilhante a rua da sonegação
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.